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Batista de Lima





Thereza Leite é uma contista urbana. Canta a cidade pelo viés da memória. Ganha prêmios literários aqui e em outros estados. Agora nos aparece com essa sua coletânea de contos com o sugestivo título de “Avenida dos Ventos”. Apesar de ser produto de elaboração ficcional, percebe-se, ao longo das narrativas, a presença de logradouros fortalezenses que nos são familiares. O principal desses espaços sugeridos é a avenida Desembargador Moreira.

Essa avenida, no entanto, é fantasiada como espaço onde o vento faz seu ninho para anunciar situações fantásticas. São sobrados, casarões e prédios antigos que falam pelos corredores, suam e sangram. Há uma permanente personificação de velhas construções, onde a vida ainda lateja, apesar do abandono. Há uma poética brotando de cada espaço. Os compartimentos são os personagens mais importantes porque os que ali habitaram deixaram suas falas que foram incorporadas pelas paredes, pelas escadas.

São histórias tão próximas entre si que parece estarmos diante de um romance e não de um livro de contos. Os aconteceres se entrelaçam e nos transportam para situações sombrias onde a atmosfera de um fantástico aliciado nos põe diante de um iminente aparecimento de fantasmas. Toda a fantasia ali bordada só poderia provocar o nome de “Labirinto”, para o prédio. Mas o próprio texto que se ergue é um prédio abandonado em que o tempo e o vento instauram labirintos. Essas narrativas de Thereza Leite trescalam corporeidades adquiridas em estruturas de cimento e aço que perdem sua ossatura original e se põem no papel em forma de mitopoéticas imagens. É preciso pois que o leitor adentre os compartimentos do texto porque é nele onde todas as velhas construções criam fôlego e falam, verberam e chegam a protestar contra a especulação imobiliária que se torna uma especulação linguística, onde cada palavra pensada precisa do aval do vento, do tempo e das argamassas.

Essas argamassas são antolhos que protegem paredes espiãs, sempre vigilantes diante dos aconteceres no casarão. Nada fica impune aos olhos da casa. A tragédia que ocorre em “Ribeirão do tempo” parece ter depositado nas fundações do mistério, a verdadeira autoria do crime. Entretanto, a velha casa presenciou tudo e não perdoa. E mesmo amordaçada, sua voz se liberta pelo alfabeto do vento, diante das inúmeras obrigações herdadas. As pistas para a elucidação do crime são dadas pelas coisas.

Numa tarde de sábado, a casa presenciou a tragédia. Pai e mãe mortos a tiro e dois irmãos também assassinados, ficando incólumes apenas o filho doente, com a arma na mão e o caçula que não se fez presente. Muito estranho, muito claro, aquele filho doente com a arma na mão. Então, para o deslindar do mistério, entra o fantástico como explicador. “O crime chocara a cidade, e, dentre os muitos conhecidos que fizeram parte do cortejo, dentro do cemitério, alguns estranharam que os caixões de madeira nobre, que não podiam vazar, seguissem pingando sangue! Porque, dizia a superstição, quando na hora do enterro os caixões vazavam, isto significava que o assassino estava presente”.

“Avenida feita de ventos” propõe-se, principalmente, ser classificado como um livro de contos. E consegue, mas nem totalmente. É como alguns livros de contos de Clarice Linspector que trazem, na ficha catalográfica, o aviso de que é de contos, e o leitor termina por identificar, no seu interior, algumas crônicas. No caso de Thereza Leite, esse fenômeno ocorre em alguns momentos como em “Oficina do segredo”, “As três Marias” e “Azul com tarja vermelha”. Nesse último, o leitor identifica logo o fato ocorrido na avenida e de que a crônica policial se alimentou por alguns dias. Esse comportamento da escritora não desmerece a qualidade de seus textos. Não é preciso rotular e sim reconhecer seu mérito de narradora. Verdadeiras ou fantasiosas, suas narrativas se impõem pela lapidação utilizada na arte de contar.

Mesmo com o foco sobre “A avenida dos ventos”, o que aparece em todos os contos, o que caracteriza as narrativas de Thereza Leite é sua diversidade de abordagem. Ela demonstra conhecimentos tão variados que até parece ter feito pesquisas antes de escrever cada texto. Um bom exemplo é “Base para unhas fracas”. Esse é um conto antológico, a culminância do livro. Há tantos conhecimentos antropológicos em torno da condição feminina em várias partes do mundo, que o leitor, às vezes, suspende sua atenção ao enredo para mergulhar no ensaio em que se torna o texto. Entretanto, emerge para a narrativa porque a rebeldia da personagem é exemplar ao se posicionar nua repintando um outdoor.

O que cativa mais nas narrativas de Thereza Leite é seu pendor por apresentar saberes. Não são intertextualidades. São conhecimentos que surpreendem o leitor e que se revestem de um aspecto até didático. Há conhecimentos de Antropologia, de Comunicação, de ambientação e dos meandros da linguagem. Sua arte de narrar envolve todos esses aspectos. “Avenida dos ventos” é um livro saboroso, sinestésico, com gosto de maresia. Nele, o leitor entra pela ficção e sai pela realidade, pois seus signos nos remetem a uma paisagem que termina por nos ser familiar: Fortaleza.



21/08/2012




 

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Batista de Lima





História do Tribunal de Justiça do Ceará é um livro escrito por Geraldo Silva Nobre e publicado em 1974, pela Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará. São 300 páginas trazendo uma síntese da história da instância maior de nosso Poder Judiciário, com traços biográficos de todos os magistrados que pertenceram ao Tribunal até a data do lançamento do livro. Para escrever esse livro de homenagem ao centenário do Tribunal, o autor garimpa informações desde a criação do Tribunal da Relação da cidade de Fortaleza, em 1873, prolongando-se por mais cem anos da história de nossa justiça superior.

Antes de 1873, a justiça cearense tinha seu vínculo com a Relação de Pernambuco. Nesse tempo, as normas do Direito Português é que vigoravam no Brasil. Com as normas que passaram a vigorar a partir de 1870, com a reforma judiciária, inclusive incentivadas por José de Alencar, que era deputado, começou o nascedouro de uma Relação para o Ceará. Com o Decreto nº 2.342, de 6 de agosto de 1873, foi criada a Relação do Ceará e Rio Grande do Norte, com sede na cidade de Fortaleza. A esse tempo, o Presidente da Província do Ceará era Francisco Teixeira de Sá e a ele coube a honra de instalar a Relação de Fortaleza. O primeiro presidente do novo Tribunal da Relação foi o conselheiro Bernardo da Costa Dória.

Após esse preâmbulo histórico, o autor faz desfilar nas páginas do livro, os desembargadores desses cem anos do Tribunal. É então que se verifica a importância dessa “Sentinela Perpétua”, da nossa justiça, para a formação histórica do Estado do Ceará. Todo esse manancial memorialístico é fonte de pesquisa para estudantes de Direito, em especial.

Interessante é que, no momento, se me apresenta o resultado de um Projeto de Pesquisa de autoria de Roberto Severiano Bonfim Júnior, conhecido nos setores de criação como Roberto Bonfim. Estudante de jornalismo da Universidade de Fortaleza, sua proposta é editar um DVD sobre o Tribunal de Justiça do Ceará, com o título “Sentinela Perpétua – um breve ensaio sobre a história e a memória do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará”. O objetivo do documentário “é celebrar e informar a grande importância institucional do TJ-CE, bem como resgatar os acontecimentos que marcaram a história, os personagens ilustres, até chegar em nossos dias. É exemplar essa preocupação do jovem de hoje, em garimpar nos alfarrábios esquecidos no tempo, a real história de nossa mais alta corte da justiça estadual. Essa atitude se reveste de importância dada a participação do Tribunal na construção histórica de nossa sociedade. O estrito cumprimento da lei é apenas uma obrigação, mas a fuga desse dever precisa da vigilância de uma sentinela.

Roberto Bonfim pretendeu, com esses 20 minutos de documentário, mostrar cronologicamente a história do Tribunal de Justiça do Ceará, bem como fornecê-la a jovens que precisam conhecer seu mundo, aqui, através da história, para depois alçar outros mundos. Primeiro é preciso que se conheça o mundo em que se pisa para depois se entenderem os outros. A Egrégia Corte de Justiça do Ceará é um manancial histórico a partir da biografia de cada um de seus desembargadores com seus itinerários pelas mais distantes comarcas interioranos antes de chegar à capital.

Por isso que Roberto Bonfim vai começar pela infância de nossa justiça até chegar à maturidade atual. Nesse percurso, vai colhendo subsídios de nossa história que estão atrelados à história do Tribunal. Aí desfilam autoridades, historiadores e pesquisadores que vão lhe ajudando a devassar essa saga de cada componente dessa Sentinela Perpétua. Feito o trabalho, pelo menos 1.000 cópias vão ser distribuídas com a Imprensa, com os magistrados, com os Tribunais Estaduais, com as Procuradorias, com o STJ e com o STF. Além disso, escolas públicas vão recebê-lo para que as novas gerações, no entusiasmo pela carreira jurídica, já iniciem conhecendo o coroamento dessa carreira. A narrativa gira em torno da história e da memória, seguindo uma cronologia que se inicia com a criação do Tribunal da Relação. O roteiro toma duas vertentes, uma se ocupando com a história do Tribunal, através da prospecção em torno do espólio material e imaterial que possui, a outra se ocupando do tribunal nos dias de hoje, enfatizando a adaptação daquela corte às novas tecnologias. Para isso, observou Roberto Bonfim, e gravou no seu DVD a nova estrutura burocrática e simples que facilita a gestão de seus comandantes.

Quando se assiste ao DVD sobre o Tribunal, tem-se a sensação de que, para qualquer historiador que mergulhe na história do Ceará, é imprescindível se abeberar do cabedal de conhecimentos que emergem daquela corte. Outra constatação é que para se fazer história tem-se que fugir de individualidades. No caso deste DVD constata-se que saberes outros interferem aqui e acolá no filão histórico seguido pelo autor, numa prova de que uma capilaridade subterrânea faz com que o não dito, às vezes, fala mais alto que o dito. O sugerido que se ergue dessa construção é que muitas outras instituições que nos cercam estão aí necessitadas de um olhar perscrutador como o de Roberto Bonfim, para que as novas gerações, feito ilhas que se erguem na superfície do cotidiano, saibam que há, na sua sustentação, um continente base erguido por aqueles que nos antecederam.



16/12/2008





 



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Batista de Lima





O ano de 1968 transcorreu entre a euforia e o desencanto. Começou movido a sonhos e terminou marcado pela frustração. Toda uma geração ainda transporta no corpo e na alma, as cicatrizes do seu desfecho. Aqui no Brasil, foi em dezembro daquele ano, a decretação do AI-5. Pelo mundo afora explodiam distúrbios, barricadas e repressões. O Brasil não ficou de fora. Os jovens não queriam o poder, mas queria propor uma nova fórmula desse poder ser exercido.

O discurso mudancista de toda uma geração sonhadora não foi entendido por quem detinha o poder, e esse tornou-se o ano em que o sonho acabou. Aqui no Ceará muitas foram as manifestações de jovens, inclusive, formando grupos, associações e grêmios. Na literatura, surgiu o Grupo SIN.

O Grupo SIN durou exatamente o ano de 1968, ou seja, começou no entusiasmo e terminou juntamente com os sonhos. Ficou, no entanto, registrado na produção literária dos seus componentes, individualmente, e na composição da SINANTOLOGIA, que veicula a mostra das principais produções do grupo. Os autores aparecem em ordem alfabética. Assim, desfilam na publicação: Barros Pinho, Horácio Dídimo, Inês Fiqueiredo, José Leão Júnior, Leda Maria, Linhares Filho, Pedro Lira, Roberto Pontes, Rogério Bessa e Rogério Franklin. Cada autor é destacado com seus melhores textos, à época, e com uma resumida biografia. São estudantes de Letras, de Direito e de Pedagogia da UFC.

Apesar de ser chamado de Grupo, não se conhece um regimento, um estatuto ou um manifesto que trace as linhas de sua atuação. O que se pode dizer do Grupo SIN é através da análise dos textos da antologia ou de depoimentos pessoais de seus componentes. Todos os textos da antologia são poemas, apesar de, posteriormente, alguns de seus membros enveredarem pelo ensaio, por conta dos estudos de pós-graduação que desenvolveram, e por conta de pesquisas. Há o caso particular de Barros Pinho, que trafegando pelo conto regional, produziu a bela coletânea “A viúva do vestido encarnado”.

A antologia, no entanto, apesar da bela capa de Alberon, fica a dever ao leitor, uma ficha catalográfica à altura de outras publicações posteriores da Imprensa Universitária do Ceará. Aparece apenas o ano, 1968, e a imitação de um selo onde se lê “SIN Edições”. Não se conhecem outras publicações dessa entidade propalada na folha de rosto.

O primeiro poeta que aparece é Barros Pinho, naquele momento ainda inédito em livro. Vem com dez textos, que, numa leitura criteriosa apenas quatro instauram em seu “corpus” a literariedade. São eles “Ilha”, “Desespero”, “Crepúsculo” e “Pesadelo”. O melhor momento é o metapoema “Pesadelo”, onde ele afirma: “bandeira/ o mundo/ já não pode/ contar trinta e três/ (…) por toda parte/ há cicatrizes/mal fechadas/ (…) que terrível/ forma/ de esperança”.

O segundo poeta a aparecer é Horácio Dídimo que já havia publicado em 1967, seu livro de poemas “Tempo de chuva” e foi um dos introdutores do Concretismo no Ceará. Também colocou dez poemas na Antologia. Deles podemos destacar “A lição”, “O anãozinho”, “Os caranguejos”, “Os fantasmas” e “Os minutos”. É o poeta mais criativo da Antologia e seu poema “Os fantasmas” caberia em qualquer antologia poética nacional. Sempre me impressionou esse poema e apenas uma achega caberia no último verso onde o “são” se fosse retirado, o texto inteiro teria o mesmo ritmo e a mesma métrica. Vejamos: “à noite/ todos os dedos/ são dardos/ todos os passos/ são tardos/ todos os matos/ são cardos/ todos os bêbados/ são bardos/ todos os gatos/ são leopardos”.

Em seguida, vem Inês Fiqueiredo. Estranha poesia, bota o leitor para pensar. São muitas imagens superpostas, mas sem uma arrumação que facilite o percurso do leitor. É um rio poético, em enchente, precisando de uma canalização. É uma poética transbordante e, portanto, mal comportada. Leão Júnior é outro poeta da Sinantologia, com três poemas líricos, que mesmo não vindo com uma poética definida, trás no poema “Berço” seu momento culminante. Já em Leda Maria, em seguida, nota-se perfeitamente, a influência concreta se debatendo com o apelo social com que a autora tenta temperar seus cinco textos. No entanto, nos sete textos de Linhares Filho, logo depois, o estilo é da geração de 45, com o toque telúrico de quem não se desgrudou de suas raízes. Chega-se então a Pedro Lira, já com livro de poemas publicado em 1967, no caso, “Sombras”. Poeta concreto, é o mais experimental dos autores da antologia. Apesar de já saindo da moda esse estilo, naquele momento, Pedro Lira engrandece a antologia e já apresenta sua inclinação para a Semiótica, campo no qual se destacou a posteriori. Seu gosto pelo social não transparece nesses poemas, ficando essa tendência com o poeta seguinte que é Roberto Pontes. Sua poesia social não é planfetária haja vista as ótimas onomatopeias que alegram seus textos. Rogério Bessa e Rogério Franklin encerram a antologia. O primeiro, adepto das aliterações do tipo “tórrido terroso chão/ frágil fôlego e ofegante”, prima pela metalinguagem e por metapoemas. Já o segundo, sem um estilo definido, canta um apocalipse alado sobre os destinos do homem, ao lado de um canto lírico em torno de uma moça que vende flores.

Assim, pode-se dizer que essa Sinantologia se não possui uma uniformidade temática nem de estilo definido, vale pelo delinear das trajetórias que cada poeta vai desenvolver. É um ponto de partida consistente, o que prova a situação de cada um nos dias de hoje. Todos acresceram sua bagagem literária com publicações de grande valor literário, provando que a Sinantologia, como ponto de partida, caracterizou-se pela solidez dos propósitos e pela revelação de seus talentos.



11/11/2008.





 

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