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A Sinantologia


Batista de Lima





O ano de 1968 transcorreu entre a euforia e o desencanto. Começou movido a sonhos e terminou marcado pela frustração. Toda uma geração ainda transporta no corpo e na alma, as cicatrizes do seu desfecho. Aqui no Brasil, foi em dezembro daquele ano, a decretação do AI-5. Pelo mundo afora explodiam distúrbios, barricadas e repressões. O Brasil não ficou de fora. Os jovens não queriam o poder, mas queria propor uma nova fórmula desse poder ser exercido.

O discurso mudancista de toda uma geração sonhadora não foi entendido por quem detinha o poder, e esse tornou-se o ano em que o sonho acabou. Aqui no Ceará muitas foram as manifestações de jovens, inclusive, formando grupos, associações e grêmios. Na literatura, surgiu o Grupo SIN.

O Grupo SIN durou exatamente o ano de 1968, ou seja, começou no entusiasmo e terminou juntamente com os sonhos. Ficou, no entanto, registrado na produção literária dos seus componentes, individualmente, e na composição da SINANTOLOGIA, que veicula a mostra das principais produções do grupo. Os autores aparecem em ordem alfabética. Assim, desfilam na publicação: Barros Pinho, Horácio Dídimo, Inês Fiqueiredo, José Leão Júnior, Leda Maria, Linhares Filho, Pedro Lira, Roberto Pontes, Rogério Bessa e Rogério Franklin. Cada autor é destacado com seus melhores textos, à época, e com uma resumida biografia. São estudantes de Letras, de Direito e de Pedagogia da UFC.

Apesar de ser chamado de Grupo, não se conhece um regimento, um estatuto ou um manifesto que trace as linhas de sua atuação. O que se pode dizer do Grupo SIN é através da análise dos textos da antologia ou de depoimentos pessoais de seus componentes. Todos os textos da antologia são poemas, apesar de, posteriormente, alguns de seus membros enveredarem pelo ensaio, por conta dos estudos de pós-graduação que desenvolveram, e por conta de pesquisas. Há o caso particular de Barros Pinho, que trafegando pelo conto regional, produziu a bela coletânea “A viúva do vestido encarnado”.

A antologia, no entanto, apesar da bela capa de Alberon, fica a dever ao leitor, uma ficha catalográfica à altura de outras publicações posteriores da Imprensa Universitária do Ceará. Aparece apenas o ano, 1968, e a imitação de um selo onde se lê “SIN Edições”. Não se conhecem outras publicações dessa entidade propalada na folha de rosto.

O primeiro poeta que aparece é Barros Pinho, naquele momento ainda inédito em livro. Vem com dez textos, que, numa leitura criteriosa apenas quatro instauram em seu “corpus” a literariedade. São eles “Ilha”, “Desespero”, “Crepúsculo” e “Pesadelo”. O melhor momento é o metapoema “Pesadelo”, onde ele afirma: “bandeira/ o mundo/ já não pode/ contar trinta e três/ (…) por toda parte/ há cicatrizes/mal fechadas/ (…) que terrível/ forma/ de esperança”.

O segundo poeta a aparecer é Horácio Dídimo que já havia publicado em 1967, seu livro de poemas “Tempo de chuva” e foi um dos introdutores do Concretismo no Ceará. Também colocou dez poemas na Antologia. Deles podemos destacar “A lição”, “O anãozinho”, “Os caranguejos”, “Os fantasmas” e “Os minutos”. É o poeta mais criativo da Antologia e seu poema “Os fantasmas” caberia em qualquer antologia poética nacional. Sempre me impressionou esse poema e apenas uma achega caberia no último verso onde o “são” se fosse retirado, o texto inteiro teria o mesmo ritmo e a mesma métrica. Vejamos: “à noite/ todos os dedos/ são dardos/ todos os passos/ são tardos/ todos os matos/ são cardos/ todos os bêbados/ são bardos/ todos os gatos/ são leopardos”.

Em seguida, vem Inês Fiqueiredo. Estranha poesia, bota o leitor para pensar. São muitas imagens superpostas, mas sem uma arrumação que facilite o percurso do leitor. É um rio poético, em enchente, precisando de uma canalização. É uma poética transbordante e, portanto, mal comportada. Leão Júnior é outro poeta da Sinantologia, com três poemas líricos, que mesmo não vindo com uma poética definida, trás no poema “Berço” seu momento culminante. Já em Leda Maria, em seguida, nota-se perfeitamente, a influência concreta se debatendo com o apelo social com que a autora tenta temperar seus cinco textos. No entanto, nos sete textos de Linhares Filho, logo depois, o estilo é da geração de 45, com o toque telúrico de quem não se desgrudou de suas raízes. Chega-se então a Pedro Lira, já com livro de poemas publicado em 1967, no caso, “Sombras”. Poeta concreto, é o mais experimental dos autores da antologia. Apesar de já saindo da moda esse estilo, naquele momento, Pedro Lira engrandece a antologia e já apresenta sua inclinação para a Semiótica, campo no qual se destacou a posteriori. Seu gosto pelo social não transparece nesses poemas, ficando essa tendência com o poeta seguinte que é Roberto Pontes. Sua poesia social não é planfetária haja vista as ótimas onomatopeias que alegram seus textos. Rogério Bessa e Rogério Franklin encerram a antologia. O primeiro, adepto das aliterações do tipo “tórrido terroso chão/ frágil fôlego e ofegante”, prima pela metalinguagem e por metapoemas. Já o segundo, sem um estilo definido, canta um apocalipse alado sobre os destinos do homem, ao lado de um canto lírico em torno de uma moça que vende flores.

Assim, pode-se dizer que essa Sinantologia se não possui uma uniformidade temática nem de estilo definido, vale pelo delinear das trajetórias que cada poeta vai desenvolver. É um ponto de partida consistente, o que prova a situação de cada um nos dias de hoje. Todos acresceram sua bagagem literária com publicações de grande valor literário, provando que a Sinantologia, como ponto de partida, caracterizou-se pela solidez dos propósitos e pela revelação de seus talentos.



11/11/2008.





 

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