top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Atualizado: 31 de dez. de 2021



Batista de Lima





Houve um tempo em que a conversa era uma troca de emoções. Era principalmente uma troca de afetos. O tempo era tão longo que era preciso matá-lo. E a melhor forma de matá-lo era vivê-lo, pontuando-o com sabores, saberes e entusiasmos. Mas, insatisfeito com tanta simplicidade, o homem procurou superar seu interlocutor. Criou-se então essa peste que se chama concorrência. O dinheiro começou a interferir na felicidade. A modernidade desertificou o homem na sua ânsia e pressa em busca da felicidade tributável.

Essa questão e outras correlatas estão tratadas nesse livro do doutor Francisco José Soares Teixeira. O título é “Dinheiro e felicidade nos contos e fada, nas narrações míticas e na política: uma análise na perspectiva da economia política”. São três ensaios tecidos com argúcia de pesquisador zeloso e, trazidos à tona, montados numa linguagem refinada. São três açudes profundos, propícios para mergulhos de muito fôlego e braçadas de longo curso.

Como mergulhador de médio alcance, procurei tomar pé naquele mar de águas mais turvas, onde a subjetividade é convite aos mais humanos navegadores. “Modernidade e mediocrização do homem” é o título autodefinidor da introdução, e delata a destruição dos “laços naturais que prendiam os homens uns aos outros”. O homem foi catapultado de seu poleiro cosmopolita sem direito a levar nos alforges a seiva das suas raízes. Feito peixe fora d'água, esse homem tem procurado a psicanálise a autoajuda como último oxigênio de salvação ou lenitivo antes do fim.

Essa busca de um sentido para a vida é decorrente desse mal-estar que a civilização atual incute nas criaturas diante da morte da história, das ideologias e das vanguardas. O fim dos modelos, dos ídolos, dos avatares, dos padrões faz o vivente sentir falta de terra nos pés. O homem atual está suspenso do chão e portanto desprovido das forças que vêm da terra.

As coisas do espírito estão cada vez mais dando lugar ao tributável, ao cifrado. Por esse caminho é que o professor Teixeira prospecta as origens dessas reflexões para emergir na Grécia antiga, onde muitas explicações represam. Daí que ele recorre aos mitos de Prometeu e Pandora. Mesmo pertencente à família dos Titãs, Prometeu, descendente que era de Urano e Gaia, foi castigado por Zeus, pelo fato de se preocupar com a felicidade dos mortais.

A partir daí, e utilizando o irmão de Prometeu, Epimenteu, Zeus fez com que a caixa de Pandora, depois de aberta, disseminasse pelo mundo, todas as maldições possíveis, deixando no fundo da caixa, timidamente, a nossa única escapatória, a esperança. A esperança é a arma de que dispõe o homem para enfrentar as adversidades que o autor conclui: “o homem é um ser do sofrimento, não pode dele nunca se libertar”.

A conclusão do professor Teixeira nessa parte introdutória apela para as duas vertentes clássicas para interpretação do trabalho. Para os gregos, “o trabalho aparecia como a porta que levaria os homens a construir um mundo humano cheio de riqueza e prazeres”. Para os cristãos “o trabalho aparece como o cárcere no qual os homens devem pagar pelo pecado mortal de seus pais de criação: Adão e Eva”. Aqui, como discípulo do professor Teixeira, admirador do seu saber, encontrei o único adminículo, a única achega em toda sua obra: É que o pecado de Adão e Eva é chamado de original e não de mortal. Mas o importante é verificar que enquanto para uns o trabalho seria uma salvação, para outros seria condenação.

Segundo professor Teixeira, “essa ambiguidade é reproduzida na Economia Política”. Afinal, se por um lado uns consideram o trabalho como um castigo do qual o homem jamais pode se libertar; por outro, há os que pensam o trabalho como um meio de se encontrarem as portas da felicidade. Uma questão que se coloca é: a riqueza de uma nação é a riqueza de seus cidadãos? Outra é: a riqueza de uma nação, ao guindar o homem do estado de natureza para o estado de progresso e transformação, trouxe a felicidade para essas pessoas, diante da devastação necessária do mundo natural para a instalação do mundo transformado?

Para o autor, “a felicidade mora na comunidade”. Para comprovar essa sua afirmação ele recorre a Aristóteles, segundo o qual, “ser feliz é viver uma vida comunitária, na qual todos possam se sentir partes integrantes, participando ativamente nos assuntos da cidade”. Ao final, a conclusão é de que só na comunidade, que é uma totalidade, os homens podem alcançar a felicidade.

Após recorrer a Aristóteles, o professor Teixeira vai em busca de Locke, para quem “o homem não é um ser rebelde, por natureza, à vida política, pois os indivíduos só podem viver em cooperação uns com os outros”. Ou seja, se não fossem as sociedades, o homem não tinha sobrevivido.

Essas questões que o professor Teixeira levanta, no seu texto, teriam tudo para tornar a leitura enfadonha. Acontece que a linguagem utilizada é um atrativo para o leitor. As frases não são longas, o vocabulário vem desprovido de sofisticações e os exemplos apresentados, bem como as notas, vêm entremeados de incursões no mundo da literatura, com destaque para citações de Graciliano Ramos. A visão de mundo de Paulo Honório com ênfase nas relações de trabalho, são de estarrecer. Entretanto, são exemplos micro para situações macro. É por isso que, ler esse livro, é constatar a capilaridade que se estabelece entre os saberes, entre todas as ciências e entre todas as pessoas.

Assim como os setores da vida se entrelaçam em algum ponto de seu devir, o discurso dessas manifestações vem entremeado de um tempero comum. Por mais original que seja o discurso do professor Teixeira, notam-se suas influências, suas intertextualidades, suas tendências em adotar essa ou aquela teoria de maneira mais enfática. Seu transitar elegante entre Kant e Rousseau, sua postura crítica diante do acelerado mundo, feita de capa e espada contra os moinhos de vento do capitalismo selvagem, põem em evidência, nos subterrâneos dos seus saberes, a influência marxista na sua maneira de tratar a participação do capital na constituição das modernas sociedades. Nada disso, no entanto, é tão importante quanto seu posicionamento crítico e particular ao arrepio de todas as tendências, para comprovar que, através da leitura de seus ensaios, o leitor conclui que todas as teorias, todos os saberes só não caducam porque há espíritos rebeldes como o do professor Teixeira, que mesmo não negando esses saberes, remenda-os nos seus pontos fracos e empurra-os de ladeira acima, nessa montanha cada vez mais íngreme, que é a sociedade moderna.



30/09/2008



 

21 visualizações0 comentário
  • Foto do escritorBatista de Lima

Batista de Lima



Para não dizer que não falei do Natal, resolvi montar uma árvore natalina. Escolhi uma verde oiticica com raízes profundas de um juazeiro, o talhe de uma palmeira e a sombra fresca de uma mangueira. Comecei então a pendurar tudo o que havia por perto. Foi quando constatei que uma boa árvore de natal é como a arca de Noé. Temos que colocar tudo nela para que tudo sobreviva ao dilúvio das nossas almas. Daí que coloquei um canário cantador, uma casaca de couro, um casal de jaçanãs de brejo, dois sapos cururus, uma vaca amojada, um galo pedrês, uma galinha carijó, um cachorro vira lata e uma cadela chamada jupira. Depois comecei a colocar plantas as mais variadas e uma profusão de flores: monsenhores, rosas, madressilvas, uma orquídea selvagem, uma aroeira, um jatobá, um pé de melão de São Caetano e um pinhão roxo desses que evitam mau olhado, quebranto e espinhela caída. Coloquei um celular cinco G e um isqueiro sete lapadas, um quicé de pilar fumo.

Depois minha árvore de natal começou a falar o mais belo português, desses que ganham prêmio Nobel. Pediu para ser regada com água de chuva, mas não havia chuva. Reguei com água lamacenta do fundo de um açude seco, o que foi bem melhor. Num galho mais verde coloquei meus verdes anos, uma promessa a São Sebastião e um hino a Santa Margarida Maria. Nesse mesmo galho coloquei meus pais e meus amigos, um livro de poemas, uns óculos escuros, um relógio de pulso e duas verrugas por contar estrelas; um sermão do Padre Alzir, uma pasta 007, uma caixa com pó de giz e o cordão umbilical. Não esqueci um fusca 67, uma bacia de mangas, um prato de pão-de-ló, o verde do oceano, o ronco do trovão, o riso de uma criança, um computador novinho para a árvore conversar com suas irmãs da floresta, pelas ondas da internet. Não esqueci também o rádio de pilhas tocando canções de ninar para o coitado do menino Jesus deitado num sofá furado abismado com tanta sucata. Mas havia mais dois meninos na minha árvore para conversar com o menino Jesus, nas suas horas de solidão. Era um meninozinho bem pobrezinho, cheio de sarampo, papeira, conjuntivite, bicho de pé, frieira, escorbuto e beribéri. Ao seu lado um meninão muito ricão, com a cara rosada e todo protegido de vacinas, mais parecido um vacinógeno e empanturrado de chocolate. Todos dois muito felizes com a presença do colega Cristo.


Dezembro de 2021.



 

40 visualizações0 comentário
  • Foto do escritorBatista de Lima

Batista de Lima




Escrever uma resenha sobre um determinado livro não é tão difícil quanto dar-lhe um título. Os resenhadores deveriam ter, a seu serviço, tituladores de plantão. Faço essa observação a propósito do que escrevi sobre o livro Poética efêmera, de Carlos Alberto Bessa, Edições Galo Branco, 2006, 170 páginas. Desde novembro daquele ano, venho tentando dar nome a essa raquítica criança, que é esse singelo comentário sobre esse livro de poemas concretos. Nunca imaginei que aquele desengonçado lateral, do nosso time de professores, da Universidade de Fortaleza, tivesse tanto prumo, fosse tão refinado arquiteto, como demonstra nessas construções poéticas, e que alçasse tão longos voos na sua trajetória de professor.


Hoje, Carlos Alberto Bessa é professor titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro, após concluir doutoramento na França e Pós-doutoramento nos Estados Unidos. Com seus estudos na área de Matemática e da Administração fica mais surpreendente seu talento poético. Como alguém tão voltado para as ciências exatas, tão cartesiano, se revela tão profícuo na subjetivação poética. É tão potente sua poesia que o título que finalmente encontrei foi “Concretismo à Bessa”, com duplo sentido de muita poética e ao mesmo tempo à moda Bessa, mesmo “beça” de “grande quantidade” ser com “ç” e não com “ss”.


O seu primeiro livro de poemas foi Rosipedra, de 1968, logo em seguida vem Estruturas, d e 1971. Nessa coletânea de agora, ele ainda acrescenta, de primeira água, Poética bissexta. Esses livros estão nessa antologia onde prevalece a forma concretista. Nada melhor então que essa publicação luxuosa como um dos itens de comemoração dos cinquenta anos do nosso Concretismo. Além da leitura dos poemas que é o prato principal desse banquete poético não se pode deixar de consumir como sobremesa, os comentários de Edwaldo Cafezeiro, Artur Eduardo Benevides, Wladimir Dias Pinto, José Alcides Pinto, Rogério Barbosa da Silva, Charles A. Perrone, Gilberto Mendonça Teles e de seu irmão Rogério Bessa. Todos comentam a produção de Carlos Alberto Bessa, sempre fazendo uma ponte com a estética concretista.


Essas referências ao movimento concreto vão desde a sua gênese histórica até ao contributo que o autor em estudo acrescentou nesses anos todos. É bom a gente se deparar com referências a Mário Pedrosa, Geraldo Barros, Waldemar Cordeiro, Ferreira Gullar, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e até Mário Charmie com sua divergente mas próxima poesia práxis. Houve, usando um termo de Barthes, uma verdadeira esfoladura da sintaxe e da metáfora tradicionais, nesse estilo de época.


Quando Carlos Alberto Bessa nascia lá no Araripe, em 1952, o Concretismo já estava sendo gestado, a industrialização brasileira dava sinal de vida, a bossa nova já emitia acordes e a construção de Brasília era um sonho que criava corpo para se tornar no grande poema concreto do Brasil Central. Tudo isso ao lado do Cinema Novo que também engatinhava. A década de 1950 foi realmente de uma estética conjuntural. Tudo convergia para rumos similares. Surgindo nesse contexto cultural, Carlos Alberto impressiona quando aos 16 anos já publica seu livro Rosipedra, marcado por uma maturidade estética que surpreendeu a todos. “Rosipedra ocidental/ descobre novas ilhas/ e como não pode viver nelas/ vive na minha brasilusão.”


Essa época do Concretismo criou expressões que se cristalizaram como invenções ou viraram chavões que ainda perduram. Eram “poesia experiência”, “atitude analítica”, “fragmentação da realidade”, “a verdade como valor”, “transformação ôntica”, “concepção triádica dos signos”, “a mente como sistema semiótico”, “a poesia como uma arte plástica”, “poema-práxis”, “poesia semiótica”, “poema processo”. Enquanto isso, o jovem e promissor poeta, em seu primeiro livro, preferia abordar temas como o destino, a natureza, a morte, a amizade, a mulher e a guerra. Mesmo com tantos e variados temas, há ainda os jogos de palavras, como “Sofro a safra/ da minha escassez”. “A formiga/ leva a folha/ a folha/ leva a formiga”, “ambas as mãos/ âmbar às mãos”.


Entre aqueles que analisam os poemas de Carlos Alberto Bessa, destaca-se Rogério Barbosa da Silva, professor de Literatura em Minas Gerais. O título da sua análise é “A escrituração da ostra e as estruturas de Carlos Alberto Bessa”. É então que ele trabalha a imagem da ostra, que aplicada em Carlos Alberto, significa camuflagem e exteriorização. Esse derivar entre a abertura e o fechamento da estrutura cria um ponto de tensão em sua poética onde se instalam os melhores momentos da literariedade. Além disso, o nosso poeta dialoga com maestria com as tendências estéticas que povoaram os nossos chamados “anos dourados”. A Poesia Concreta, a Poesia Práxis, o Poema Processo se ramificavam na ocupação artística dos espaços, da mesma forma que a arquitetura, a música, o teatro. Sua oscilação se dá exatamente na tensão que se estabelece entre o poder da palavra, a objetivação da forma e a subjetividade que o resultado final do conjunto poético precisa estabelecer. É o encontro do arquiteto da palavra com o poeta da forma.


É por isso que o título de seu primeiro livro, Rosipedra,é uma definição perfeita do autor. Carlos Alberto Bessa faz brotar a rosa da poesia na pedridade do concreto. É como a macambira que nasce e flora entre as lascaduras da pedreira da serra. O homem dos números, o matemático por profissão, como a pedreira aludida, deixa escapar pelas fendas da sua dureza estrutural, até momentos líricos em que o sentimento grita pedindo passagem.


O outro livro, Estruturas, possui um título mais alicerçado nas vanguardas da época, até no próprio Estruturalismo que imperava entre os teóricos da metade do século passado. Mesmo assim, Charles A. Perrone detecta uma capilaridade que incendeia os fios ligadores entre vida e obra. Assim, pode-se dizer que por mais arquitetônicos que sejam os poemas, lá estão as digitais do espírito criativo do autor. Por isso que na luta do autor com a página branca não dá para separa nos signos, semioticamente estruturados, a estrutura de superfície, como ilhas que fundem verdadeiros continentes, das estruturas profundas, onde se podem pescar a pedra e a rosa, o enigma e a claridade, o corpo e a alma.


09/09/2008.




 

9 visualizações0 comentário
bottom of page