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Concretismo à Bessa


Batista de Lima




Escrever uma resenha sobre um determinado livro não é tão difícil quanto dar-lhe um título. Os resenhadores deveriam ter, a seu serviço, tituladores de plantão. Faço essa observação a propósito do que escrevi sobre o livro Poética efêmera, de Carlos Alberto Bessa, Edições Galo Branco, 2006, 170 páginas. Desde novembro daquele ano, venho tentando dar nome a essa raquítica criança, que é esse singelo comentário sobre esse livro de poemas concretos. Nunca imaginei que aquele desengonçado lateral, do nosso time de professores, da Universidade de Fortaleza, tivesse tanto prumo, fosse tão refinado arquiteto, como demonstra nessas construções poéticas, e que alçasse tão longos voos na sua trajetória de professor.


Hoje, Carlos Alberto Bessa é professor titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro, após concluir doutoramento na França e Pós-doutoramento nos Estados Unidos. Com seus estudos na área de Matemática e da Administração fica mais surpreendente seu talento poético. Como alguém tão voltado para as ciências exatas, tão cartesiano, se revela tão profícuo na subjetivação poética. É tão potente sua poesia que o título que finalmente encontrei foi “Concretismo à Bessa”, com duplo sentido de muita poética e ao mesmo tempo à moda Bessa, mesmo “beça” de “grande quantidade” ser com “ç” e não com “ss”.


O seu primeiro livro de poemas foi Rosipedra, de 1968, logo em seguida vem Estruturas, d e 1971. Nessa coletânea de agora, ele ainda acrescenta, de primeira água, Poética bissexta. Esses livros estão nessa antologia onde prevalece a forma concretista. Nada melhor então que essa publicação luxuosa como um dos itens de comemoração dos cinquenta anos do nosso Concretismo. Além da leitura dos poemas que é o prato principal desse banquete poético não se pode deixar de consumir como sobremesa, os comentários de Edwaldo Cafezeiro, Artur Eduardo Benevides, Wladimir Dias Pinto, José Alcides Pinto, Rogério Barbosa da Silva, Charles A. Perrone, Gilberto Mendonça Teles e de seu irmão Rogério Bessa. Todos comentam a produção de Carlos Alberto Bessa, sempre fazendo uma ponte com a estética concretista.


Essas referências ao movimento concreto vão desde a sua gênese histórica até ao contributo que o autor em estudo acrescentou nesses anos todos. É bom a gente se deparar com referências a Mário Pedrosa, Geraldo Barros, Waldemar Cordeiro, Ferreira Gullar, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e até Mário Charmie com sua divergente mas próxima poesia práxis. Houve, usando um termo de Barthes, uma verdadeira esfoladura da sintaxe e da metáfora tradicionais, nesse estilo de época.


Quando Carlos Alberto Bessa nascia lá no Araripe, em 1952, o Concretismo já estava sendo gestado, a industrialização brasileira dava sinal de vida, a bossa nova já emitia acordes e a construção de Brasília era um sonho que criava corpo para se tornar no grande poema concreto do Brasil Central. Tudo isso ao lado do Cinema Novo que também engatinhava. A década de 1950 foi realmente de uma estética conjuntural. Tudo convergia para rumos similares. Surgindo nesse contexto cultural, Carlos Alberto impressiona quando aos 16 anos já publica seu livro Rosipedra, marcado por uma maturidade estética que surpreendeu a todos. “Rosipedra ocidental/ descobre novas ilhas/ e como não pode viver nelas/ vive na minha brasilusão.”


Essa época do Concretismo criou expressões que se cristalizaram como invenções ou viraram chavões que ainda perduram. Eram “poesia experiência”, “atitude analítica”, “fragmentação da realidade”, “a verdade como valor”, “transformação ôntica”, “concepção triádica dos signos”, “a mente como sistema semiótico”, “a poesia como uma arte plástica”, “poema-práxis”, “poesia semiótica”, “poema processo”. Enquanto isso, o jovem e promissor poeta, em seu primeiro livro, preferia abordar temas como o destino, a natureza, a morte, a amizade, a mulher e a guerra. Mesmo com tantos e variados temas, há ainda os jogos de palavras, como “Sofro a safra/ da minha escassez”. “A formiga/ leva a folha/ a folha/ leva a formiga”, “ambas as mãos/ âmbar às mãos”.


Entre aqueles que analisam os poemas de Carlos Alberto Bessa, destaca-se Rogério Barbosa da Silva, professor de Literatura em Minas Gerais. O título da sua análise é “A escrituração da ostra e as estruturas de Carlos Alberto Bessa”. É então que ele trabalha a imagem da ostra, que aplicada em Carlos Alberto, significa camuflagem e exteriorização. Esse derivar entre a abertura e o fechamento da estrutura cria um ponto de tensão em sua poética onde se instalam os melhores momentos da literariedade. Além disso, o nosso poeta dialoga com maestria com as tendências estéticas que povoaram os nossos chamados “anos dourados”. A Poesia Concreta, a Poesia Práxis, o Poema Processo se ramificavam na ocupação artística dos espaços, da mesma forma que a arquitetura, a música, o teatro. Sua oscilação se dá exatamente na tensão que se estabelece entre o poder da palavra, a objetivação da forma e a subjetividade que o resultado final do conjunto poético precisa estabelecer. É o encontro do arquiteto da palavra com o poeta da forma.


É por isso que o título de seu primeiro livro, Rosipedra,é uma definição perfeita do autor. Carlos Alberto Bessa faz brotar a rosa da poesia na pedridade do concreto. É como a macambira que nasce e flora entre as lascaduras da pedreira da serra. O homem dos números, o matemático por profissão, como a pedreira aludida, deixa escapar pelas fendas da sua dureza estrutural, até momentos líricos em que o sentimento grita pedindo passagem.


O outro livro, Estruturas, possui um título mais alicerçado nas vanguardas da época, até no próprio Estruturalismo que imperava entre os teóricos da metade do século passado. Mesmo assim, Charles A. Perrone detecta uma capilaridade que incendeia os fios ligadores entre vida e obra. Assim, pode-se dizer que por mais arquitetônicos que sejam os poemas, lá estão as digitais do espírito criativo do autor. Por isso que na luta do autor com a página branca não dá para separa nos signos, semioticamente estruturados, a estrutura de superfície, como ilhas que fundem verdadeiros continentes, das estruturas profundas, onde se podem pescar a pedra e a rosa, o enigma e a claridade, o corpo e a alma.


09/09/2008.




 

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