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  • Foto do escritorBatista de Lima

Árvore de natal


Batista de Lima



Para não dizer que não falei do Natal, resolvi montar uma árvore natalina. Escolhi uma verde oiticica com raízes profundas de um juazeiro, o talhe de uma palmeira e a sombra fresca de uma mangueira. Comecei então a pendurar tudo o que havia por perto. Foi quando constatei que uma boa árvore de natal é como a arca de Noé. Temos que colocar tudo nela para que tudo sobreviva ao dilúvio das nossas almas. Daí que coloquei um canário cantador, uma casaca de couro, um casal de jaçanãs de brejo, dois sapos cururus, uma vaca amojada, um galo pedrês, uma galinha carijó, um cachorro vira lata e uma cadela chamada jupira. Depois comecei a colocar plantas as mais variadas e uma profusão de flores: monsenhores, rosas, madressilvas, uma orquídea selvagem, uma aroeira, um jatobá, um pé de melão de São Caetano e um pinhão roxo desses que evitam mau olhado, quebranto e espinhela caída. Coloquei um celular cinco G e um isqueiro sete lapadas, um quicé de pilar fumo.

Depois minha árvore de natal começou a falar o mais belo português, desses que ganham prêmio Nobel. Pediu para ser regada com água de chuva, mas não havia chuva. Reguei com água lamacenta do fundo de um açude seco, o que foi bem melhor. Num galho mais verde coloquei meus verdes anos, uma promessa a São Sebastião e um hino a Santa Margarida Maria. Nesse mesmo galho coloquei meus pais e meus amigos, um livro de poemas, uns óculos escuros, um relógio de pulso e duas verrugas por contar estrelas; um sermão do Padre Alzir, uma pasta 007, uma caixa com pó de giz e o cordão umbilical. Não esqueci um fusca 67, uma bacia de mangas, um prato de pão-de-ló, o verde do oceano, o ronco do trovão, o riso de uma criança, um computador novinho para a árvore conversar com suas irmãs da floresta, pelas ondas da internet. Não esqueci também o rádio de pilhas tocando canções de ninar para o coitado do menino Jesus deitado num sofá furado abismado com tanta sucata. Mas havia mais dois meninos na minha árvore para conversar com o menino Jesus, nas suas horas de solidão. Era um meninozinho bem pobrezinho, cheio de sarampo, papeira, conjuntivite, bicho de pé, frieira, escorbuto e beribéri. Ao seu lado um meninão muito ricão, com a cara rosada e todo protegido de vacinas, mais parecido um vacinógeno e empanturrado de chocolate. Todos dois muito felizes com a presença do colega Cristo.


Dezembro de 2021.



 

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