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  • Foto do escritorBatista de Lima

Batista de Lima



Esta última coletânea, de 2009, já é a de número cinco e apresenta 41 autores, com seus poemas. São, em grande parte, frequentadores do restaurante. Alguns, mesmo não estando mais entre nós, são lembrados com a apresentação de seus poemas, é o caso de Costa Matos e Patativa do Assaré. Entretanto, o que chama a atenção é o cardápio de poemas. O projeto "Poemas de Mesa", do Ideal Clube, é curioso porque fornece o pão do espírito àqueles que se refestelam com o pão do corpo. Os frequentadores de seu restaurante, enquanto esperam a preparação de suas refeições, têm oportunidade de ler poemas dos mais variados autores, principalmente cearenses. Enquanto degusta um precioso Malbec, o comensal pode apreciar um belo soneto de Francisco Carvalho que fala de "Valquírias pintadas por Picasso numa estrofe de Lorca". Vinho e poesia, quando se unem, fertilizam a ocasião, por mais deserta que seja. Por isso que toda semana se encontra um poema diferente sobre a mesa para ser deglutido ou deglutir o seu leitor. Ao final do ano, a direção cultural do Clube lança uma coletânea com todos os poemas banqueteados ao longo dos 365 dias. Esta última coletânea, de 2009, já é a de número cinco e apresenta 41 autores, com seus poemas. Esses autores são, em grande parte, frequentadores do restaurante. Alguns, mesmo não estando mais entre nós, são lembrados com a apresentação de seus poemas, é o caso de Costa Matos e Patativa do Assaré. Entretanto, o que chama a atenção é o cardápio de poemas que se apresentam. São oferecidos desde belos sonetos confeccionados na mais tradicional forma, como o apresentado por Artur Eduardo Benevides, até quitutes líricos de sabor sensual, cozinhados em terrinas de versilibrismo serelepe como é o caso de Hermínia Lima e Regine Limaverde. De forma que as sinestesias que evolam do restaurante Arcadas são provocadas por palavras ao molho e iguarias metafóricas ao som das ondas de um verde mar bravio que se narcisa a alguns metros dali. Logo na apresentação, o diretor de cultura e arte, do Ideal, o poeta José Teles, mentor da promoção, credita a Augusto Pontes a idéia do nome "Poemas de Mesa". Aí nos vem a idéia de ampliar essa promoção poética e criar o projeto "Sala de Espera", em que nas antessalas das clínicas médicas e consultórios dentários, pudéssemos apreciar poemas eternizantes enquanto buscássemos saúde para nos distanciarmos da eternidade. Nas enormes filas de pagamentos de rotineiras contas, poderíamos amenizar a dor do desembolso com o refrigério da leitura poética. As filas do INSS e do DETRAN ficariam menores se as enfrentássemos empunhando um Vinícius de Morais ou ruminando um Bandeira ao instruir que a melhor forma de suportar uma dor é amá-la. Tudo isso pode ser promovido, afinal, como apregoa Ruy Câmara, na contracapa deste opúsculo, os poetas "sabem lapidar as duras palavras para torná-las harmônicas, evocativas e na fratura de um verso, serem capazes de engolir o suplício do mundo". A leitura desta coletânea de poemas às vezes é um tanto trepidante pelo fato de que o leitor quando termina a leitura de um bom texto pode logo em seguida ter que enfrentar uma ondulação muito mais de palavras que de poesia. Os sonetos, no entanto, mantêm uma regularidade formal e conteudística. Artur Eduardo Benevides puxa esse cordão, apresentando em um soneto decassilábico, com rimas em ABBA ABBA CDC DCD, e temática amorosa, o melhor momento do livro. É tanto que numa enquete que promovi entre alunos de Letras, esse poema foi escolhido como o melhor texto da antologia. Antológico seu último terceto: "Porque se ao fim da tarde já cheguei,/ Sentindo que meus dias vão findar,/ Jovem - só por te amar - ainda serei." Não ficam muito atrás os outros sonetistas que se apresentam: Luciano Maia, Cid Carvalho, Giselda Medeiros, Dimas Carvalho, Ivan Junqueira, Francisco Carvalho e Juarez Leitão. No lote dos versilibristas, mérito para Adriano Espínola, que inicia seu belo poema, constatando que "o azul é um animal marinho". Alexandre de Lima Souza desconfia de que "o poema sente que está sendo seguido". Já Barros Pinho constata que "o poema entra inteiro nos ossos da pedra". "Com exercícios de aprendizagem sob o rosto da melodia", Dimas Macedo instaura o lírico-amoroso, o que faz também Fernanda Quinderé e José Teles. Horácio Dídimo republica o melhor poema de sua trajetória literária, o famoso "Os fantasmas". Jorge Tufic, sebastianista, veleja, tendo D. Sebastião no comando das velas. Leda Maria consegue, através de palavras azuis, administrar sua nutrição de signos poéticos. Outra vertente poética que chama a atenção fica por conta dos metapoemas. Afinal, diante da velhice do poema, é necessário estarmos sempre testando suas fundações para que a estrutura não venha a ruir. Essa preocupação é de Alexandre de Lima Souza, Barros Pinho, Beatriz Alcântara, Carlos Augusto Viana, Leda Maria e Virgílio Maia. Esses vão primeiro examinar a palavra, antes de servi-la. Vão examinar a feitura do prato de signos antes do banquete dos versos. Essa ideia de servir também poemas, em um restaurante, é criativa. Nesse caso, de poemas de mesa, fica mais suculenta a iguaria quando há um poema a temperá-la. Depois é gratificante a companhia desses poetas já citados e desses outros que são bem vindos a nossa mesa. Nada melhor que desfrutarmos a companhia de Almircy Pinto, Cláudio Neves, Dina Avesque, Lúcio Alcântara, Márcio Catunda, Martinho Rodrigues, Neide Azevedo, Pedro Henrique Saraiva Leão, Pio Rodrigues Neto, Révia Herculano, Ricardo Guilherme, Tércia Montenegro, Ubiratan Aguiar, Vânia Vasconcelos e Vicente Alencar. Cada um tem algo para nos dizer. Não é, no entanto, um dizer comum. É a forma de dizer que nos provoca encantamento. Por falar em encantamento, qual a poesia que não provoca nosso deleite mental? Ela é revelação. O poeta chega, senta ao nosso lado e abre seu coração. Se não vem, manda seu representante primeiro, o verso. Manda sua alma para nos fazer companhia. Por isso que esse projeto do Ideal Clube se torna grandioso, por vir montado numa idéia grandiosa que é de forma simples fazer algo grande. São cinco anos de poemas sendo servidos. E muitas pessoas lêem, e discutem e refazem, quando estão à mesa. Que o poeta José Teles não perca seu entusiasmo e continue promovendo a literatura, não só com os festejados lançamentos literários que ali ocorrem, além do concurso Prêmio Ideal. É preciso dar continuidade ao projeto Poemas de Mesa, bem mais silencioso, como promoção, mas muito mais ousado e criativo na sua forma de nos preparar esse prato indispensável para nossa alimentação, a poesia.

 

01/12/2009.

 

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Batista de Lima



A vida de Alcides Pinto seguiu muito de perto aquela norma de que "eu sou eu e minhas contradições". Operou seu texto, oscilando entre o concretismo e o surrealismo com a mesma desenvoltura. Conquistou invejável situação acadêmica ao chegar a professor de Comunicação, da Universidade Federal do Ceará, mas abandona a promissora carreira para se dedicar exclusivamente ao projeto poético que desenvolveu pelo resto da vida Pouquíssimos são os estudiosos da obra de Alcides Pinto que detectaram algum barroquismo na sua produção literária. André Seffrin está entre esses raros críticos, mesmo assim, classificando-o como um "barroquismo à Jorge de Lima". Para adentrar essa seara faz-se necessário partir para algo não aceitável por parte dos analistas estruturalistas, que é estabelecer uma ponte entre vida e obra do autor. É preciso se partir de um princípio de que Alcides Pinto era um personagem de si próprio. Seu modelo de vida pessoal entrava nos personagens de seus livros ou deles saía numa via de mão dupla. De alguma forma não se sabe, às vezes, quem é o personagem, quem está escrevendo, ou está se escrevendo, narrando ou sendo narrado. É nessa direção que Nelly Novaes Coelho chega a verificar que "desde o início, José Alcides manifesta claramente o impulso que o leva a criar: o desejo de viver a poesia... em lugar de simplesmente escrevê-la. Isto é, viver a criação poética, sem que nada pudesse se interpor entre Escrita e Vida". A vida de Alcides Pinto seguiu muito de perto aquela norma de que "eu sou eu e minhas contradições". Operou seu texto, oscilando entre o concretismo e o surrealismo com a mesma desenvoltura. Conquistou invejável situação acadêmica ao chegar a professor de Comunicação, da Universidade Federal do Ceará, mas abandona a promissora carreira para se dedicar exclusivamente ao projeto poético que desenvolveu pelo resto da vida. Apesar de se considerar maldito, em alguns momentos até satânico, quando sentiu a saúde claudicando de uma certa moléstia, se jogou nas mãos de Deus, trajando-se do hábito tradicional dos franciscanos e cultivando longa barba de eremita. Será que essa dualidade de comportamento não caracteriza uma atitude barroca? É a partir dessa indagação que outros caracteres vão surgindo, principalmente os que saltam dos seus textos. Suas dicotomias fartam os textos, fartam a vida. A carne e o espírito estão em permanente litígio. A água e o fogo se dão as mãos. O Acaraú, um rio magro se inscreve no seu corpo magro e José é o rio, e o rio é Alcides. O seu aproveitamento da vida, contrariamente, não deveria lhe incutir o medo da morte. Mas sua poética tem momentos que dão a impressão de que no sétimo palmo da cova aberta, a língua da terra lambe os beiços da fome pelo corpo prestes a lhe ser servido. Por isso que em "O Sonho", quando Nara se apaixona, é por "um rapaz marcado com todos os sinais da morte". Quando Alda de "Estação da Morte" trai o marido enfermo do hospital, se entrega ao médico diante dos gemidos dolorosos dos doentes que se contorcem. É todo tempo Eros e Thanatos de mãos dadas sem nenhuma objeção das partes. É por isso que sua escritura é recheada de dicotomias como Deus e o Demônio, o sagrado e o profano: "Estou dividido ao meio, pelo umbigo entre o reino de Lúcifer e o de Cristo". A sua escritura oscilante entre dois polos de atuação da fé, entre o pecado da carne e sua sublimação, entre o crime do pecado e o castigo da ousadia, o coloca numa atmosfera barroca produtora de antíteses e variações constantes de pontos de vista. Do imaginário ele pula para o real, do ódio para o amor, da maldade para a bondade sem que nessa passagem haja qualquer ritual de preparação. Mesmo saindo de um delírio para a conscientização de um momento de lucidez, o leitor que o acompanha na trilha do texto tropeça nessa inesperada mudança e se pasma entre o Alcides Pinto à nossa imagem e semelhança e aquele duplo que ele não se preocupa em revelar quando menos se espera. Alcides Pinto não domestica seu duplo, não amansa sua fera interior. Por isso que mansidão e violência são servidas no mesmo cálice de grandeza e miséria. O personagem generoso não se peja de se apresentar de inopino travestido de egoísta. O perdulário e o misantropo se manifestam quase que simultâneos na mesma criatura. Essa riqueza de faces demonstra o lado teatral desse criador de divindades. Seu texto é um palco onde florescem atores e máscaras que não distinguem comédias e dramas. O seu trabalho de diretor dessa encenação é amenizar antagonismos, humanizar as criaturas vítimas de incompletudes ou marcadas por excessos. Daí que o "belo horrível" é o tema de seu drama barroco e o absurdo é dissecado no palco do texto, mostrando seu avesso. Amansador de demônios, quem ingressa no seu "Equinócio", termina por ter pena do pobre diabo enfraquecido que ele põe no palco. A racionalidade com que ele trata a "coisa ruim" termina por criar uma humanização comprovadora de que o demônio é uma criação humana, e assim sendo, seu grau de periculosidade pode ser manipulada pelo próprio homem. O cabresto, as rédeas e as esporas que ele usa no seu amansamento são feitos de palavras. Ele fareja a superfície desprevenida dos seres e quando ausculta uma fissura nessa estrutura, mergulha em prospecção, buscando a estrutura profunda onde se agasalham os ingredientes de sua escritura. É aí onde se aloja o mistério da palavra como reveladora do mistério das coisas. A luz que ele acende nos interiores é a responsável pela transfiguração operada. Essa busca de desvendamento de paisagens interiores faz com que os críticos não consigam uma unanimidade de qualificação de sua escrita. É por isso que muitos ficam circulando em torno da explicitação de suas temáticas. Talvez desses seja Dimas Macedo quem melhor define suas matrizes temáticas: "a lírico-amorosa, a pornô-fescenina, a épico-social e a existencial-diabólica". No entanto, a argamassa com que ele constrói esses momentos temáticos, unindo palavras potentes numa sintaxe formadora de um estilo único, não tem sido analisada como merece. A estilística multifacetada de Alcides Pinto instaura um discurso curioso, oscilante e tão cheio de surpresas que só os grandes mestres do barroco um dia projetaram. Esse viés é que necessita de um desbravamento por quantos queiram lhe entender os alicerces. Por conta dessa riqueza literária de Alcides Pinto, verdadeiro cultivador de metáforas, estilos e personas, é que ao longo de sua existência produtiva acumulou leitores fiéis das mais variadas espécies, tendo em vista que sua escritura sempre foi um banquete onde os mais variados quitutes foram oferecidos. Dentre os aficcionados seguidores de suas trilhas literárias está Dias da Silva, que vendo nele o poeta "múltiplo e uno" que sempre foi, procurou ingressar nas suas análises de crítico por uma porta que poucos utilizam, a da essencialidade. Esse crítico procurou entender a personalidade alcideana que se aloja na raiz do texto. Constatou que a real biografia de Alcides Pinto está transcrita na região mais profunda de seu texto, lá onde o duplo confraterniza-se com o Alcides que deparávamos no dia a dia. É lá nessa zona sombria que a luz da leitura precisa chegar para se entender essa personalidade curiosa e tão rica que faz de Alcides Pinto uma das vozes mais ricas da literatura brasileira dos últimos tempos.

 

24/11/2009.

 

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Batista de Lima



A vocação de Alcides Pinto para essas reflexões leva-o a um desvendamento das coisas, para culminar com o desvendamento da palavra. Na sua busca pela intimidade das coisas, traz delas a alma embutida no avesso de cada uma. Daí seu alumbramento diante da palavra, como o grande milagre da criação. Nelly Novais Coelho, quando comentou Reflexões - Terror - Sobrenatural e Outras Estórias, de Alcides Pinto, enfatizou nesse autor cearense, o cultivo de uma estética do avesso, como forma de humanização. Esse avesso se revela na sua busca da beleza presente nas "formas feias e abjetas", como um dos caracteres de sua feição surrealista. As outras características seriam: "a linguagem metafórica; a irracionalidade ou o absurdo das imagens; a linha longa do poema em prosa; e a consciência da construção poética como geradora de um novo real". Nesse contexto se encaixa perfeitamente o "belo horrível" que ele cultiva. Para conseguir o estado de graça semidivinizado, ele vasculha o que há de mais baixo, hediondo e abjeto do humano sem esquecer de pedir ajuda a Deus para descer aos infernos do corpo. Sua busca de Deus pelo avesso o leva a bradar: "Senhor, ensinai-me toda a casta de vícios sórdidos, para/que se instale no meu peito o ato mais vil". Daí seu pendor em criar trilogias insólitas. A "Trilogia da Maldição", une "O Dragão", de 1964; "Os Verdes Abutres da Colina", de 1974 e "João Pinto de Maria", do mesmo ano. Já a "Trilogia Tempo dos Mortos" congrega "Estação da Morte", de 1968, "O Enigma", de 1974, e "O Sonho", de 2005. Em todos esses seis livros, o absurdo, o esotérico, o fantástico e o satânico são manifestações de um "avesso" provocador e sombrio. É nesse transbordamento do avesso onde se instaura uma transfiguração, isso porque numa zona tão desértica, onde a única vegetação metafórica é o embate entre Eros e Tânatos, ele cultiva um jardim de signos poéticos, fazendo com que construção e destruição fruam pelo mesmo sangradouro. Não se pode, no entanto, deixar de lembrar que, das suas construções poéticas, ao longo dos anos, a única que apresentou avarias na sua alvenaria foi exatamente sua arquitetura concreta. A partir de 1957, Alcides Pinto, influenciado por vanguardistas paulistas, cariocas e mineiros, faz eclodir no Ceará, o movimento concreto numa parceria com Antônio Girão Barroso, Horácio Dídimo, Pedro Henrique Saraiva Leão, Rogério e Carlos Alberto Bessa. Mas o mérito desse movimento entre nós não está na produção poética individual, mas sim nas aproximações com outras vertentes artísticas de nossa capital. Houve um namoro muito sério entre os literatos vanguardistas e os artistas plásticos da SCAP (Sociedade Cearense de Artes Plásticas), com o pessoal do cinema, da arquitetura, da música e do teatro. Essa efervescência artística e um tanto comunitária colocava no mesmo barco, Mário Barata, Estrigas, Sérvulo Esmeraldo, Aldemir Martins, Antônio Bandeira, com seus pincéis ao lado dos literatos e de Eusélio Oliveira e Luís Geraldo de Miranda Leão e outros do cinema, com o surgimento das primeiras manifestações da Comédia Cearense no teatro e uma adesão dos músicos à Bossa Nova, isso sem falar na fundação da UFC onde se concentrava a Arquitetura com Liberal de Castro, Nearco Araújo, Neudson Braga. Tudo isso num movimento em que a industrialização brasileira acelerava e Juscelino como presidente tentava realizar em cinco anos o que só era possível em cinquenta. Alcides Pinto não ficou incólume a esse contexto, mesmo se sabendo ser ele não um homem de superfície e sim de profundidades. Por isso que Nely Novais Coelho acerta ao dizer que nessa época sua "produção foi um mero exercício para a imaginação criadora, pois a natureza de seu talento exige mais fundas reflexões do que as então permitidas pelo formalismo concretista, ou similares". A vocação de Alcides Pinto para essas fundas reflexões leva-o pois a um desvendamento das coisas, para culminar com o desvendamento da palavra. Na sua busca pela intimidade das coisas, traz delas a alma embutida no avesso de cada uma. Daí seu alumbramento diante da palavra, como o grande milagre da criação. Acontece que essa palavra viciada de mesmo uso, precisa ser revirada para adquirir outra utilidade ainda mais duradoura. É esse revirar das coisas, esse desemborcar das metáforas que traz o rejuvenescimento verbal. Alcides Pinto revira o monturo verbal e retece o que encontra quebrado. Por isso que Juarez Leitão, na análise de sua obra, chega a afirmar que ele "acredita vivamente na alma das coisas e dialoga com o vento e a chuva, conversa com as paragens ermas e garranchentas de seu lugarejo, com o céu e as trevas". No seu ingresso no mundo trevado do fantástico, o insensável que ele personifica é a morte. Para tanto ele se inicia pelos fenômenos que levam a essa estação derradeira. Entre esses fenômenos está a fome, que "como um incêndio sem ruído, / mastiga a lua, rói os crustáceos do céu / e come o próprio corpo em pedaços". A fome personificada é tão devastadora que a morte como estuário que a recebe se torna alívio de domadora. Esse desprendimento oscilante entre vida e morte, em uma constante mediação, leva Alcides Pinto a considerar o ser humano tão diminuta figura quanto seja seu apego à epiderme. A liberdade para ele está exatamente no rompimento dos grilhões que prendem o ser humano no calabouço das superfícies. O que lhe interessa se aninha nos porões do ser. Sua poética emerge de dentro para fora num movimento contrário ao que fazem os almofadinhas versejadores que pululam por aí feito beletristas de salões. Alcides Pinto, quando os convidados adentraram o salão de festas, já os tinha esperado na latrina. Quando o esquife desceu à sepultura ele se libava no sétimo palmo. Quando a morte afiava seus dentes ele lhe ofertava flores. Foi aí então que os que tentaram lhe entender, desvendá-lo dos seus mistérios, encalharam nos adjetivos: mágico das letras, poeta maldito, criador de mitos, profeta surreal, ave-pernalta e sombria, cronista da atormentada ribeira do Acaraú, poeta múltiplo e uno, menestrel do soturno, sátiro viperino, sociólogo do sexo, arauto de mitos, estandarte da ecologia. Nessa arte de qualificação, louvores para Juarez Leitão que une a verve poética com a retórica de bacharel. Mas, é Nelly Novaes Coelho quem melhor detecta o avesso alcideano ao vê-lo dicotômico e sem enumerar mostra-o barroco nas suas oscilações entre: "Erotismo / Ascetismo; Racionalidade / Loucura; Amor / Morte; Ascesa / Abjeção; Violência / Mansidão; Grandeza / Miséria; Generosidade / Egoísmo; Lucidez / Delírio; Bondade / Maldade; Amor / Ódio; Real / Imaginário".Daí a pergunta que não quer calar: Por que os rotuladores não veem Alcides Pinto como neo-barroco?

 

17/11/2009.

 

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