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Batista de Lima



José Ferreira Guimarães, ou Jaime Calado, nasceu em São Paulo, em 1916, e foi assassinado em Fortaleza, no Teatro José de Alencar, no dia 29 de julho de 1949. Aos 33 anos, casado, deixou viúva Margarida Calado, e, na orfandade, seis filhos menores: Nadedja, Stenka, Klara, Ludmila, Marat e Olga. Foi Stenka do Amaral Calado, que depois se tornou jornalista, trabalhando nos principais jornais do Rio e de São Paulo, que resgatou a história do martírio de seu pai. Para tanto, veio ao Ceará em 2006 e pesquisou em vários jornais da época, entrevistando remanescentes do episódio e amigos de seu pai.

Jaime Calado era militante do PCB e, naquele dia fatídico, estava entre os organizadores de uma manifestação na Praça José de Alencar, contra a presença do integralista Plínio Salgado. Os integralistas estavam preparando o Teatro José de Alencar para a solenidade em homenagem ao líder “camisa verde”, quando Jaime foi socorrer um colega seu que se desentendera com o segurança do Plínio. A confusão aumentou e um militar presente, disparou um tiro que foi mortal para o militante comunista. Esta é a versão dos jornais da época, segundo foi apurado por seu filho Stenka. É bem verdade que não se conhece, em livro, a versão dos partidários do agressor.

Stenka ao vir ao Ceará, pesquisar sobre o incidente com seu pai, ainda encontrou alguns companheiros de Jaime Calado, seu pai. Daí que ele conseguiu entrevistar Blanchard Girão, Cândido Feitosa e José Júlio Cavalcante. Em seguida foi à rua Jaime Calado, no Bairro de Fátima e conversou com os moradores daquele logradouro. Feito isso, o pesquisador, em busca de recuperar a memória paterna, garimpou informações nos jornais da época e nas bibliotecas públicas. Chama a atenção do leitor a ausência de transcrições do jornal O Nordeste, tão importante naquele tempo em Fortaleza.

São, entretanto, lembrados os debates acalorados, na Assembleia, entre os deputados estaduais Adail Barreto e Aristides Ribeiro, defendendo, respectivamente, Jaime Calado e Plínio Salgado. A pesquisa vai além e apresenta a comoção pública em torno do assassinato de Jaime, simbolizada pela manifestação na Praça José de Alencar e no sepultamento de seu pai no cemitério São João Batista com a presença de cinco mil pessoas e os discursos emocionantes ali pronunciados, com destaque para o que foi feito por Jáder de Carvalho. Ainda é lembrado o corajoso discurso de Margarida Calado, a viúva, ainda na Praça José de Alencar.

Stenka do Amaral Calado tinha nove anos quando seu pai foi assassinado e guardou todos os fatos na memória, revelando-os nesse livro que não chegou a publicar. Ele morreu em 2012, e só em 2019 sua família o editou pela Arquimedes Edições, do Rio de Janeiro. Quando de sua vinda a Fortaleza, não conseguiu entrevistar grandes amigos de seu pai, no caso, Jáder de Carvalho, Aníbal Bonavides, Américo Barreira e Durval Aires. Todos já haviam morrido. Também não viu sua pesquisa que veio a lume com o título “Calado: A reportagem do caso Jaime Calado, jornalista e líder comunista assassinado por integralistas em Fortaleza”.

Entre as manifestações escritas recebidas pela família, após a morte de Jaime, estão as dos deputados federais: Pedro Pomar, Café Filho, Lino Machado, Hermes Lima e Eusébio Rocha. Dos cearenses chegaram mensagens dos jornalistas Aníbal Bonavides, Jáder de Carvalho e Daniel Carneiro Job. Dos vereadores, chegaram mensagens de Américo Barreira, José Júlio Cavalcante e Aluísio Mamede. Dos escritores, chegou mensagem de Aluísio Medeiros, que pertencia ao Grupo Clã. Mesmo com tudo isso, fica aberta a possibilidade de uma pesquisa ainda mais aprofundada, feita por alguém isento de laços afetivos para que o leitor conheça outros detalhes da história. Mesmo assim, Stenka possui o imenso mérito de resgatar a história heróica de seu pai Jaime Calado.

 

24/03/2020.

 

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O dia oito de dezembro de 2008 marcou os oitenta anos de nascimento de Noam Avram Chomsky. As primeiras notícias que tive dele, foram-me passadas no início da década de 1970, quando iniciei graduação em Letras. Era impossível estudar Lingüística sem manter contato com esse autor das famosas gramáticas Gerativa, Sintagmática e Transformacional. Em cada uma delas aparecia uma abordagem diferente da linguagem, e isso era curioso pelo fato de que outros teóricos tinham praticamente uma única linha de pesquisa. No entanto, a sua idéia de que há uma gramática universal instalada na estrutura profunda da linguagem, coloca-nos diante da possibilidade de, com poucas regras, se resolver essa questão que se apresenta multifacetada de língua para língua. Chomsky, entretanto, não ficou apenas na Lingüística. Tem ele atirado em várias frentes. Hoje o que lhe dá mais visibilidade é sua atuação política, desde os tempos da Guerra do Vietnam, quando era um dos seus principais críticos a ponto de chegar a ser roteirista de excelente filme documentário sobre aquele litígio, até os dias de hoje, quando combate a forma de governar do presidente americano. É o intelectual americano que mais critica o modelo yanque imperial. Descendente de judeus, paradoxalmente adotou a causa palestina como bandeira. Tem sido ao longo dos anos o mais feroz opositor das guerras colonialistas americanas. Tem comprovado que as vanguardas caducaram, que os modelos político-econômicos da atualidade estão superados. É ciente de que algo novo precisa surgir, tendo em vista que todos os padrões atuais estão em desenfreada decadência, e que o principal deles é o fordismo. A crise financeira que se alastra nos dias de hoje, pondo em risco até a estabilidade das nações, começou com a adoção por países periféricos, do modelo americano de consumo desenfreado. Chomsky está atento às causas dessa crise e não se cala diante dos desacertos dos políticos de seu país. Opositor da política de Bill Clinton e de Bush, está desencantado com Barack Obama, numa prova de que a questão política americana é muito mais de estrutura de sistema do que da pessoa de um presidente. É um sistema que chegou ao apogeu e começa a minar na base, com os primeiros sinais de retrocesso. Há 53 anos Chomsky é professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na cátedra de Língua Moderna e Lingüística. Antes, porém, estudou lingüística, matemática e filosofia na Universidade da Pensilvânia. Hoje há quem o considere o pai da lingüística moderna, outros também o tratam como criador da psicolingüística, através de seus estudos a partir da década de 1950. Atualmente, conclui-se que os estudos lingüísticos necessitam de um olhar perscrutador sobre as nuances psicanalíticas para um mergulho de fôlego no mundo da comunicação humana. Por outro lado, os estudos psicanalíticos necessitam enveredar também pelos caminhos da lingüística para o melhor entendimento do fenômeno da fala. Afinal, o terapeuta atua principalemnte através da fala do seu paciente. Ora, não só o corpo fala, mas todo o universo é um composto de falas, principalmente, o mundo transformado da cultura. Daí que Chomsky fez essa aproximação entre lingüística e psicanálise de onde surgiu a psicolingüística. Nessa área, polemizou com intelectuais de seu tempo. Atacou os estruturalistas, talvez já prevendo o esvasiamento dessa estética. No entanto sua virulência maior foi contra o behaviorista Skinner, a partir do momento em que este publicou Comportamento Verbal. Chomsky é polemista, possui posições firmes e não é sem razão que há quem diga ser ele o mais importante intelectual vivo. Seu desencanto com relação a Barak Obama é decorrente do secretariado escolhido pelo novo presidente mas principalmente por conta do fechado sistema corporativista americano que faz de seu presidente apenas um figurante que oficializa o que projetam super-grupos de retaguarda. O sistema americano é tão intrincado que o presidente se torna instrumento de manobra de grupos que ficam na penumbra. É como se o eleito não tivesse livre arbítrio. Daí que a profecia de Monteiro Lobato é como se estivesse em plena realização. Quando esse escritor brasileiro escreveu O Presidente Negro, em 1926, previa a eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos, mas que não chegaria a governar a grande nação. Jim Roy, o presidente negro, ganha, mas não leva. Morre antes da posse. No caso de Obama essa morte é a falta de poder de decisão que vai enfrentar. O principal desafio, no entanto, para governos atuais, e Chomsky alerta para isso, é segurar a crise econômica. Nunca o mito do consumismo escancarou tanto sua fome imorredoura. Roland Bartrhes, tempos atrás, também alertou seus leitores de que o estômago do consumista é impreenchível. Quando se consegue, depois de renhida luta, adquirir um bem de consumo, o desejo de possuir não se extingue, transfere-se. Começa-se, logo em seguida, uma corrida para a aquisição de outro bem. O modelo americano de cada família possuir seu carro, sua geladeira, seu televisor, sua máquina de lavar e seu computador, extrapolou as fronteiras do país e se espalhou pelo mundo como resultante de uma globalização de costumes. A disseminação da fome consumista foi acompanhada pelo aval dos bancos e das financeiras de tal forma que dívida hoje em dia não assombra mais ninguém. Tempos atrás, ninguém imaginava, por exemplo, neste nosso Brasil, que um cidadão chegasse a uma concessionária e comprasse um carro zero quilômetro sem dar um centavo sequer de entrada e contraísse uma dívida de 72 meses. Esse é apenas um bem de consumo que faísca nos olhos do consumidor e entope as ruas das cidades. Não há economia que resista a essa gula. Chomsky está atento a tudo isso e quando critica, está profetizando cataclismos. Esse profetismo é privilégio de gênios. Não foi sem razão que Monteiro Lobato escreveu seu O Presidente Negro. Entre suas previsões, ali está o jornal on line ´Remember´, que nada mais é que a internet de hoje. Está também o primeiro prenúncio da urna eletrônica, tão bem adaptada às eleições atuais no Brasil. Assim pode-se dizer que a fala do escritor está muitas vezes à frente do seu próprio tempo. Por isso que, voltando a Chomsky, verifica-se que suas posições, sempre à esquerda, estão fundamentadas na sua capacidade de visualizar uma situaçãpo futura para a qual marchamos mas que tudo fazemos para ignorá-la. Os profetas não existiram apenas nos tempos bíblicos. Eles continuam existindo porque as sagradas escrituras nunca foram terminadas. Elas continuam sendo escritas. São pois personalidades como Chomsky, que através de uma fala, ao largo, vão escrevendo na nossa ida um caminho para nossa volta.

 

30/12/2008.

 

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Na segunda parte, Aroldo Mota retrata do movimento político que circundou a Revolução de 31 de março de 1964, que muitos chamam de golpe, outros de redentora, outros de instalação da ditadura. Importante é sua presença nesse movimento, atuando sempre do lado à esquerda e, sendo político de oposição, chegando a deputado estadual em momento difícil da nossa história. Mesmo assim, em momento algum do livro faz referência ao seu mandato parlamentar UNE 1956 1957. É livro de Aroldo Mota, de 2009, publicado pela ABC Editora. É um monturo de fatos em que se misturam acontecimentos marcantes da história brasileira do século XX, até uma homenagem a um casal na sua festa de bodas de ouro. Curiosa colcha de retalhos, o leitor é jogado numa correnteza de nomes, datas, documentos e tramas políticas que não consegue se segurar. Deixa-se levar por essa voragem e termina por ler todo o livro. O importante, então, acontece, o livro é lido, independentemente de sua desarrumação cronológica, e de seu descompromisso com o trato científico que as normas da ABNT impõem aos pesquisadores. Esse livro é uma conversa de Aroldo Mota com seus leitores, sem preocupações com a ordem do que está dizendo, mas com o veredicto de quem viveu cada um dos acontecimentos. É aí onde está a importância do seu trabalho. Quando fala sobre a UNE, é com o testemunho de quem foi tesoureiro da entidade nos anos de 1956 e 1957, como universitário da Bahia. Afinal, Aroldo Mota foi fazer Direito naquele estado, voltando para o Ceará apenas para concluir o último ano de seu curso. É essa experiência como dirigente da UNE que lhe confere credibilidade em tudo o que afirma no livro. Na segunda parte, ele retrata do movimento político que circundou a Revolução de 31 de março de 1964, que muitos chamam de golpe, outros de redentora, outros de instalação da ditadura. Importante é sua presença nesse movimento, atuando sempre do lado à esquerda e, sendo político de oposição, chegando a deputado estadual em momento difícil da nossa história. Mesmo assim, em momento algum do livro faz referência ao seu mandato parlamentar. Prefere, principalmente, relatar os acontecimentos do período em que foi tesoureiro da UNE. É tanto que chega a transcrever longa e interessante entrevista do presidente da entidade naquele momento de seu mandato de tesoureiro. Chega a ocupar 22 páginas do livro com essa entrevista do então presidente da UNE, José Baptista de Oliveira Júnior. O leitor está então às voltas com os acontecimentos dos anos 1950, querendo avançar cronologicamente para a década seguinte, quando o autor dá um mergulho para emergir, em seguida, nos anos de 1934 e 1935, para tratar do período em que nosso Ceará teve como interventor o Coronel Felipe Moreira Lima. Só então é que o autor retoma o fio da meada e nos traz ao que ele chama de "Revolução de 31 de março de 1964". Nesse momento do livro fica-se ciente das marchas e contramarchas que marcaram aquele momento crucial de nossa história política. Aquele movimento armado teve, segundo o autor, como comandante civil, o então governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, e como liderança militar, o general Mourão Filho. O presidente João Goulart foi derrubado pelo movimento armado, e o Comando Supremo da Revolução vencedora passou a ser constituído do General Artur da Costa e Silva, Almirante Rademaker Grunewald e Brigadeiro Correia de Melo. Logo no dia 10 de abril, os primeiros mandatos legislativos eram cassados, sendo incluído nessa primeira leva o deputado federal cearense Adahil Barreto Cavalcante. Adahil Barreto foi massacrado politicamente em duas oportunidades. Primeiramente pelo rolo compressor da "União pelo Ceará", em que, de forma surpreendente, a UDN e o PSD se uniram para derrotá-lo. Depois, ao se eleger Deputado Federal, viu seu mandato ser cassado, logo entre as primeiras vítimas da ditadura. Político carismático e de grande aceitação popular, Adahil Barreto é personagem da história cearense a merecer estudo de pesquisadores da nossa história. Afinal, foi personagem marcante de um dos períodos mais conturbados de nossa história política. É na revelação dos fatos que marcaram a histórica União pelo Ceará, que Aroldo Mota alcança a culminância do livro. Personagens como Virgílio Távora, Figueiredo Correia, Armando Falcão, Vicente Augusto, Wilson Gonçalves, Carlos Gereissati, Valdemar de Alcântara, Paulo Sarasate, Martins Rodrigues e Gentil Barreira vão entrando em cena e dando forma a uma inusitada união cuja vítima foi Adahil Barreto. Todas as demarches de bastidores são apresentadas no livro como se Aroldo Mota estivera presente em cada uma daquelas reuniões. Após esse episódio, que é o mais importante do livro, o leitor passa a tomar conhecimento da formação dos dois partidos políticos forjados dentro do movimento revolucionário: a ARENA e o MDB. É nesse momento de bipartidarismo em que a oposição ao regime começa a se estruturar no Ceará e no Brasil. Podia o livro ser concluído aí. Mas o autor, no seu ecletismo, dá mais um passo e dedica um capítulo ao Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, do qual é membro. Apresenta um pouco da história da entidade bem como registra os nomes da diretoria em exercício. Mais uma vez o leitor pensa que o livro vai terminar, mas não, há ainda um capítulo que é uma homenagem ao casal Nuto e Candinha nas comemorações de suas bodas de ouro, ocorridas no convento dos jesuítas, em Baturité. Apesar do belo discurso da filha do casal, transcrito no livro, fica o leitor querendo fazer uma ponte entre esse acontecimento e os fatos políticos retratados no restante do livro, concluindo que essa parte poderia ser dispensada do arcabouço memorialístico, erguido pelo escritor nas páginas anteriores. É, no entanto, nesses contrapontos inesperados que se pode estabelecer um estilo de Aroldo Mota. Seu livro é uma conversa com o leitor, em um clima de tanta intimidade, que qualquer assunto pode vir à tona. Cabe ao leitor, seu parceiro nesse diálogo, filtrar aquilo que mais lhe interessar. No caso desse livro, há muito para se aprender da história da nossa política da metade final do século XX.

 

29/12/2009.

 

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