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Retalhos da História

Batista de Lima



Na segunda parte, Aroldo Mota retrata do movimento político que circundou a Revolução de 31 de março de 1964, que muitos chamam de golpe, outros de redentora, outros de instalação da ditadura. Importante é sua presença nesse movimento, atuando sempre do lado à esquerda e, sendo político de oposição, chegando a deputado estadual em momento difícil da nossa história. Mesmo assim, em momento algum do livro faz referência ao seu mandato parlamentar UNE 1956 1957. É livro de Aroldo Mota, de 2009, publicado pela ABC Editora. É um monturo de fatos em que se misturam acontecimentos marcantes da história brasileira do século XX, até uma homenagem a um casal na sua festa de bodas de ouro. Curiosa colcha de retalhos, o leitor é jogado numa correnteza de nomes, datas, documentos e tramas políticas que não consegue se segurar. Deixa-se levar por essa voragem e termina por ler todo o livro. O importante, então, acontece, o livro é lido, independentemente de sua desarrumação cronológica, e de seu descompromisso com o trato científico que as normas da ABNT impõem aos pesquisadores. Esse livro é uma conversa de Aroldo Mota com seus leitores, sem preocupações com a ordem do que está dizendo, mas com o veredicto de quem viveu cada um dos acontecimentos. É aí onde está a importância do seu trabalho. Quando fala sobre a UNE, é com o testemunho de quem foi tesoureiro da entidade nos anos de 1956 e 1957, como universitário da Bahia. Afinal, Aroldo Mota foi fazer Direito naquele estado, voltando para o Ceará apenas para concluir o último ano de seu curso. É essa experiência como dirigente da UNE que lhe confere credibilidade em tudo o que afirma no livro. Na segunda parte, ele retrata do movimento político que circundou a Revolução de 31 de março de 1964, que muitos chamam de golpe, outros de redentora, outros de instalação da ditadura. Importante é sua presença nesse movimento, atuando sempre do lado à esquerda e, sendo político de oposição, chegando a deputado estadual em momento difícil da nossa história. Mesmo assim, em momento algum do livro faz referência ao seu mandato parlamentar. Prefere, principalmente, relatar os acontecimentos do período em que foi tesoureiro da UNE. É tanto que chega a transcrever longa e interessante entrevista do presidente da entidade naquele momento de seu mandato de tesoureiro. Chega a ocupar 22 páginas do livro com essa entrevista do então presidente da UNE, José Baptista de Oliveira Júnior. O leitor está então às voltas com os acontecimentos dos anos 1950, querendo avançar cronologicamente para a década seguinte, quando o autor dá um mergulho para emergir, em seguida, nos anos de 1934 e 1935, para tratar do período em que nosso Ceará teve como interventor o Coronel Felipe Moreira Lima. Só então é que o autor retoma o fio da meada e nos traz ao que ele chama de "Revolução de 31 de março de 1964". Nesse momento do livro fica-se ciente das marchas e contramarchas que marcaram aquele momento crucial de nossa história política. Aquele movimento armado teve, segundo o autor, como comandante civil, o então governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, e como liderança militar, o general Mourão Filho. O presidente João Goulart foi derrubado pelo movimento armado, e o Comando Supremo da Revolução vencedora passou a ser constituído do General Artur da Costa e Silva, Almirante Rademaker Grunewald e Brigadeiro Correia de Melo. Logo no dia 10 de abril, os primeiros mandatos legislativos eram cassados, sendo incluído nessa primeira leva o deputado federal cearense Adahil Barreto Cavalcante. Adahil Barreto foi massacrado politicamente em duas oportunidades. Primeiramente pelo rolo compressor da "União pelo Ceará", em que, de forma surpreendente, a UDN e o PSD se uniram para derrotá-lo. Depois, ao se eleger Deputado Federal, viu seu mandato ser cassado, logo entre as primeiras vítimas da ditadura. Político carismático e de grande aceitação popular, Adahil Barreto é personagem da história cearense a merecer estudo de pesquisadores da nossa história. Afinal, foi personagem marcante de um dos períodos mais conturbados de nossa história política. É na revelação dos fatos que marcaram a histórica União pelo Ceará, que Aroldo Mota alcança a culminância do livro. Personagens como Virgílio Távora, Figueiredo Correia, Armando Falcão, Vicente Augusto, Wilson Gonçalves, Carlos Gereissati, Valdemar de Alcântara, Paulo Sarasate, Martins Rodrigues e Gentil Barreira vão entrando em cena e dando forma a uma inusitada união cuja vítima foi Adahil Barreto. Todas as demarches de bastidores são apresentadas no livro como se Aroldo Mota estivera presente em cada uma daquelas reuniões. Após esse episódio, que é o mais importante do livro, o leitor passa a tomar conhecimento da formação dos dois partidos políticos forjados dentro do movimento revolucionário: a ARENA e o MDB. É nesse momento de bipartidarismo em que a oposição ao regime começa a se estruturar no Ceará e no Brasil. Podia o livro ser concluído aí. Mas o autor, no seu ecletismo, dá mais um passo e dedica um capítulo ao Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, do qual é membro. Apresenta um pouco da história da entidade bem como registra os nomes da diretoria em exercício. Mais uma vez o leitor pensa que o livro vai terminar, mas não, há ainda um capítulo que é uma homenagem ao casal Nuto e Candinha nas comemorações de suas bodas de ouro, ocorridas no convento dos jesuítas, em Baturité. Apesar do belo discurso da filha do casal, transcrito no livro, fica o leitor querendo fazer uma ponte entre esse acontecimento e os fatos políticos retratados no restante do livro, concluindo que essa parte poderia ser dispensada do arcabouço memorialístico, erguido pelo escritor nas páginas anteriores. É, no entanto, nesses contrapontos inesperados que se pode estabelecer um estilo de Aroldo Mota. Seu livro é uma conversa com o leitor, em um clima de tanta intimidade, que qualquer assunto pode vir à tona. Cabe ao leitor, seu parceiro nesse diálogo, filtrar aquilo que mais lhe interessar. No caso desse livro, há muito para se aprender da história da nossa política da metade final do século XX.

 

29/12/2009.

 

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