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A fala de Chomsky

Batista de Lima



O dia oito de dezembro de 2008 marcou os oitenta anos de nascimento de Noam Avram Chomsky. As primeiras notícias que tive dele, foram-me passadas no início da década de 1970, quando iniciei graduação em Letras. Era impossível estudar Lingüística sem manter contato com esse autor das famosas gramáticas Gerativa, Sintagmática e Transformacional. Em cada uma delas aparecia uma abordagem diferente da linguagem, e isso era curioso pelo fato de que outros teóricos tinham praticamente uma única linha de pesquisa. No entanto, a sua idéia de que há uma gramática universal instalada na estrutura profunda da linguagem, coloca-nos diante da possibilidade de, com poucas regras, se resolver essa questão que se apresenta multifacetada de língua para língua. Chomsky, entretanto, não ficou apenas na Lingüística. Tem ele atirado em várias frentes. Hoje o que lhe dá mais visibilidade é sua atuação política, desde os tempos da Guerra do Vietnam, quando era um dos seus principais críticos a ponto de chegar a ser roteirista de excelente filme documentário sobre aquele litígio, até os dias de hoje, quando combate a forma de governar do presidente americano. É o intelectual americano que mais critica o modelo yanque imperial. Descendente de judeus, paradoxalmente adotou a causa palestina como bandeira. Tem sido ao longo dos anos o mais feroz opositor das guerras colonialistas americanas. Tem comprovado que as vanguardas caducaram, que os modelos político-econômicos da atualidade estão superados. É ciente de que algo novo precisa surgir, tendo em vista que todos os padrões atuais estão em desenfreada decadência, e que o principal deles é o fordismo. A crise financeira que se alastra nos dias de hoje, pondo em risco até a estabilidade das nações, começou com a adoção por países periféricos, do modelo americano de consumo desenfreado. Chomsky está atento às causas dessa crise e não se cala diante dos desacertos dos políticos de seu país. Opositor da política de Bill Clinton e de Bush, está desencantado com Barack Obama, numa prova de que a questão política americana é muito mais de estrutura de sistema do que da pessoa de um presidente. É um sistema que chegou ao apogeu e começa a minar na base, com os primeiros sinais de retrocesso. Há 53 anos Chomsky é professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na cátedra de Língua Moderna e Lingüística. Antes, porém, estudou lingüística, matemática e filosofia na Universidade da Pensilvânia. Hoje há quem o considere o pai da lingüística moderna, outros também o tratam como criador da psicolingüística, através de seus estudos a partir da década de 1950. Atualmente, conclui-se que os estudos lingüísticos necessitam de um olhar perscrutador sobre as nuances psicanalíticas para um mergulho de fôlego no mundo da comunicação humana. Por outro lado, os estudos psicanalíticos necessitam enveredar também pelos caminhos da lingüística para o melhor entendimento do fenômeno da fala. Afinal, o terapeuta atua principalemnte através da fala do seu paciente. Ora, não só o corpo fala, mas todo o universo é um composto de falas, principalmente, o mundo transformado da cultura. Daí que Chomsky fez essa aproximação entre lingüística e psicanálise de onde surgiu a psicolingüística. Nessa área, polemizou com intelectuais de seu tempo. Atacou os estruturalistas, talvez já prevendo o esvasiamento dessa estética. No entanto sua virulência maior foi contra o behaviorista Skinner, a partir do momento em que este publicou Comportamento Verbal. Chomsky é polemista, possui posições firmes e não é sem razão que há quem diga ser ele o mais importante intelectual vivo. Seu desencanto com relação a Barak Obama é decorrente do secretariado escolhido pelo novo presidente mas principalmente por conta do fechado sistema corporativista americano que faz de seu presidente apenas um figurante que oficializa o que projetam super-grupos de retaguarda. O sistema americano é tão intrincado que o presidente se torna instrumento de manobra de grupos que ficam na penumbra. É como se o eleito não tivesse livre arbítrio. Daí que a profecia de Monteiro Lobato é como se estivesse em plena realização. Quando esse escritor brasileiro escreveu O Presidente Negro, em 1926, previa a eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos, mas que não chegaria a governar a grande nação. Jim Roy, o presidente negro, ganha, mas não leva. Morre antes da posse. No caso de Obama essa morte é a falta de poder de decisão que vai enfrentar. O principal desafio, no entanto, para governos atuais, e Chomsky alerta para isso, é segurar a crise econômica. Nunca o mito do consumismo escancarou tanto sua fome imorredoura. Roland Bartrhes, tempos atrás, também alertou seus leitores de que o estômago do consumista é impreenchível. Quando se consegue, depois de renhida luta, adquirir um bem de consumo, o desejo de possuir não se extingue, transfere-se. Começa-se, logo em seguida, uma corrida para a aquisição de outro bem. O modelo americano de cada família possuir seu carro, sua geladeira, seu televisor, sua máquina de lavar e seu computador, extrapolou as fronteiras do país e se espalhou pelo mundo como resultante de uma globalização de costumes. A disseminação da fome consumista foi acompanhada pelo aval dos bancos e das financeiras de tal forma que dívida hoje em dia não assombra mais ninguém. Tempos atrás, ninguém imaginava, por exemplo, neste nosso Brasil, que um cidadão chegasse a uma concessionária e comprasse um carro zero quilômetro sem dar um centavo sequer de entrada e contraísse uma dívida de 72 meses. Esse é apenas um bem de consumo que faísca nos olhos do consumidor e entope as ruas das cidades. Não há economia que resista a essa gula. Chomsky está atento a tudo isso e quando critica, está profetizando cataclismos. Esse profetismo é privilégio de gênios. Não foi sem razão que Monteiro Lobato escreveu seu O Presidente Negro. Entre suas previsões, ali está o jornal on line ´Remember´, que nada mais é que a internet de hoje. Está também o primeiro prenúncio da urna eletrônica, tão bem adaptada às eleições atuais no Brasil. Assim pode-se dizer que a fala do escritor está muitas vezes à frente do seu próprio tempo. Por isso que, voltando a Chomsky, verifica-se que suas posições, sempre à esquerda, estão fundamentadas na sua capacidade de visualizar uma situaçãpo futura para a qual marchamos mas que tudo fazemos para ignorá-la. Os profetas não existiram apenas nos tempos bíblicos. Eles continuam existindo porque as sagradas escrituras nunca foram terminadas. Elas continuam sendo escritas. São pois personalidades como Chomsky, que através de uma fala, ao largo, vão escrevendo na nossa ida um caminho para nossa volta.

 

30/12/2008.

 

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