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Batista de Lima



A Revista de Letras, da Universidade Federal do Ceará, em seu volume 15, de 1993, homenageia os vinte e cinco anos de fundação do Grupo SIN. O organizador é o poeta e professor Roberto Pontes, que, em nota inicial, afirma que os poemas veiculados na publicação ´foram selecionados pelos próprios autores, sendo também destes as notas biobibliográficas´. O lado frutífero dessa coletânea fica por conta da fortuna crítica apresentada, mesmo que os textos de análise, sejam comentários impressionistas e elogiosos colocando a matéria estudada acima de qualquer defeito que possa transparecer. Nessa fortuna crítica, o destaque é o prefácio confeccionado por Adriano Espínola que referenda o grupo com o nome de SIN. Isso já nos leva a Sânzio de Azevedo que no seu livro Literatura Cearense, de 1976, apresenta os escritores citados por Adriano mas não fala em Grupo SIN. O prefaciador começa a citar os componentes do Grupo (?): Barros Pinho, Horácio Dídimo, Leão Júnior, Linhares Filho, Pedro Lyra, Roberto Pontes, Rogério Bessa e Leda Maria. Ainda acrescenta Barroso Gomes e Sânzio de Azevedo por terem participado da Mini-Sinantologia, ´mas nunca integraram o grupo´. Daí surge a pergunta do leitor atento: por que não aparecem, nessa edição comemorativa, os escritores Inês Figueiredo e Rogério Franklin, que estão presentes na Sinantologia, de 1968? Em nenhum momento dessa revista comemorativa, esse desfalque é comentado. Outra pergunta que surge é a respeito da escolha dos textos. Por que essa escolha não foi feita por alguém que não fizesse parte da publicação para que a seleção se tornasse bem racional? Outro detalhe também importante, no prefácio de Adriano Espínola, diz respeito às justificativas da dissolvição do grupo. Segundo ele, foi devido às discordâncias ideológicas dos membros e o tacão da censura. O que se sabe é que na hora de assinar documento nacional contrário à lei de censura que se instalava, o grupo dividiu-se entre progressistas e conservadores, e que numa última reunião em casa do professor Luís Tavares Júnior, no Bairro Aeroporto, essas discordâncias chegaram a tal grau de veemência que o grupo esfacelou-se. A palavra, pois, não chegou a ser amordaçada para o SIN porque ele extinguiu-se antes dessa mordaça lhe tolher os passos. No entanto, é verdade que alguns membros sincréticos preferiram segurar-se nos seus empregos e sobreviver aos cataclismos da ditadura. Daí a criativa conclusão a que chegou o prefaciador. ´O SIN poético viu-se, pois, diante do NÃO político´. As vozes e simpatias ao Partidão eram cultivo apenas de Pedro Lyra, Roberto Pontes e Barros Pinho, mesmo essa militância pouco transparecendo nas suas produções, naquele momento. O prefácio de Adriano Espínola é uma peça bem elaborada, mas em alguns momentos deixa o leitor curioso com algumas revelações. Na página 11 ele afirma: ´Quero dizer que o grupo SIN foi fiel ao seu programa de origem. Realizou efetivamente uma poesia SINcrética. Democrática. Libertária´. O que não fica claro é a existência desse programa de origem. Conhecemos o programa do SIRIARÁ, cuja elaboração contou com a sábia participação de Adriano, conhecemos o regimento da Padaria Espiritual, cujo Adriano da época era Antônio Sales e conhecemos outros manifestos e programas de grupos, grêmios e associações literárias do Ceará. Seria interessante também sabermos onde encontrar esse ´programa de origem´ do grupo SIN para contribuirmos com nossos alunos de Literatura Cearense, que pretendem enfeixar em um só volume todos esses documentos de nossa história literária. Segundo Inês Figueiredo, esse programa foi elaborado. O melhor momento da análise de Adriano Espínola é quando ele nomeia a característica principal dos poemas de cada SINcrético. Assim, Barroso Gomes se apresenta ´ostensivamente experimental, concretista e haicaísta´. Rogétrio Bessa é ´praxista e órfico´. Horácio Dídimo é ´minimalista´. Roberto Pontes e Pedro Lyra apresentam um ´sopro épico e participante´, às vezes, ´amorosamente líricos´. Leão Júnior ´persegue o tempo todo a carnadura do tempo´. Linhares Filho, retoma a dicção grave dos poetas de 45´. Sânzio de Azevedo é ´sonetista exímio e versilibrista idem´. ´Barros Pinho se apresenta numa contida linha participante e telúrica´. Depois do esclarecedor prefácio de Adriano Espínola essa revista comemorativa do jubileu de prata do grupo apresenta as produções dos autores, quase todas já conhecidas da SINantologia de 1968. No entanto, a parte interessante é a fortuna crítica de cada um, cevada por vinte e cinco anos de produções literárias. O primeiro a ser estudado é Barroso Gomes, o único do grupo já falecido. A análise de seus textos é feita por Sânzio de Azevedo que enaltece sua técnica na elaboração dos Haicais. Barros Pinho é estudado por F.S. Nascimento, Francisco Carvalho e Eusélio Oliveira. Entre os que analisaram os poemas de Horário Dídimo destaca-se Pe. F. Sadoc de Araújo, enfatizando o lado místico do poeta, o que tem caracterizado ultimamente a sua produção. Leão Júnior é analisado por Roberto Pontes diante do enigmático tempo indagador na poesia leonina. Lêda Maria é estudada com leveza por Artur Eduardo Benevides, Juarez Leitão e Joyce Cavalcante. Linhares Filho tem uma análise apreciável por parte de Sânzio de Azevedo. Pedro Lyra é o que apresenta críticas mais consistentes, entre todos, feitas através de belos ensaios de José Maria de Souza Dantas, Assis Brasil e Vera Lúcia Vouga. Roberto Pontes é melhor estudado por Pedro Lyra, Lúcia Helena e Moacyr Félix. Rogério Bessa é bem analisado por Pedro Lyra, no ensaio ´Poesia e desnaturação em Rogério Bessa´. Finalmente os bons poemas de Sânzio de Azevedo são comentados elogiosamente por Artur Eduardo Benevides, Francisco Carvalho, José Alcides Pinto e Dulce Maria Viana. Ao final da leitura da comemorativa Revista de Letras, verifica-se que, grosso modo, é uma revista comemorativa mesmo, e sob este aspecto deve ser analisada. Quase todos os envolvidos são professores do Curso de Letras da UFC, quase todos pertencem à Academia Cearense de Letras, quase todos são da mesma geração, cultivam o mesmo gênero literário, são amigos de longas datas. É difícil pois que algum dos comentários mostre algum nervo exposto dessa produção. É bom no entanto ficar claro que texto literário nenhum é absolutamente perfeito diante de paladares exigentes de leitores. E que o Grupo SIN, apesar da boa qualidade de sua produção, ainda está a necessitar de uma análise racional e descompromissada, do seu patrimônio poético.

 

18/11/2008.

 

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Batista de Lima



Nicanor nasceu com a sina de transportar a dor. Ainda era criança quando levou o primeiro coice. A burra ´memória´ despejou os dois cascos traseiros contra suas frágeis costelas, fraturando quatro. Coronel Odilon teve que manter o garoto em hospital particular, na capital, para um mês depois recebê-lo penso para uma banda. Essa foi a primeira estação do seu calvário, porque logo na moagem seguinte, o burro ´bem-feito´ quebrou-lhe o que restava dos dentes que as cáries não tinham ainda comido. O certo é que de coice em coice ia perdendo os ossos e adquirindo cicatrizes. Foi então que o coronel seu pai, não tendo mais a quem apelar, procurou dona Luíza Anacleto, que já tinha certa fama de tirar má sorte. Tudo que era flor de muçambê foi usado em rezas e baforadas de cachimbo nas ventas de Nicanor sem que o azar fosse embora. Era rara uma semana em que o coitado não levasse um coice. Se um burro passava lá pelo fim do terreiro, parece que um ímã em Nicanor atraía o animal que o saudava com as patas traseiras. Era coisa do capiroto e Dona Luíza não teve forças para desenraizar o bruto do corpo do inocente adolescente. Foi aí que se lembrou, o coronel, de um bruxo que havia em Codó. Era tão famoso o mandingueiro, que, do São Francisco ao Amazonas, do Atlântico ao Pantanal, sua fama se enramara feito gitirana de pé de cerca. O coronel, então, despachou três vereadores da situação, com carta de muitas linhas de seu deputado protetor, que rumou para o Maranhão, para trazer para seus confins, o homem milagreiro. O dia da chegada foi de festa em Sipaúbas, com a banda de pífanos de mestre Viriato e foguetório de Mané Vieira. A camionete que o trouxe da Telha, onde o trem o despejara, parou em frente ao patamar da igreja onde as autoridades se postavam acompanhadas com os familiares, inclusive as três filhas do Coronel. Quando o homem desceu do automóvel, o foguetório abafou as palmas da multidão, os acordes dos pífanos e o repinique do sino da igreja. Desceu do carro um enorme mulato, aí pelos cinquenta anos, todo cheio de ouro dos dentes aos anéis em profusão. Era uma peça esculpida de músculos distribuídos em quase dois metros de picardia. A filha do meio, do anfitrião, teve um princípio de faniquito diante de tanta exuberância da natureza. O certo é que o visitante todo sestroso foi acomodado no melhor quarto da casa do coronel com direito a rede de varanda, penico de porcelana e queima de alfazema para tanger algum miasma daquele casarão vetusto. No dia seguinte o catimbozeiro começou por ouvir o encriquilhado Nicanor bem como os seus familiares em conversa de pé de ouvido, tendo demora maior quando depôs a irmã do meio, aquela do faniquito. No dia seguinte, foram todos para a casa do sítio pois era lá onde Nicanor mais tempo passava e mais coice levava. O curador pediu a Julieta, a filha do meio, já prestativa e habilidosa em lhe ajudar, que arranjasse muitos cordões, muitos mesmo. Conseguiram juntar quase quinhentos metros em novelos do tear. O homem dos milagres deu uma ponta a Nicanor e pediu que ele caminhasse de estrada a fora. O coitado da rapazola com caminhar de batráquio saiu desfilando sua desdita sempre com dois passos para a frente e um para trás. E se foi pela estrada até se acabar o fio. O mandingueiro de cima da calçada da casa grande se esgoelava ao perguntar se o aleijado lhe ouvia. Depois de muito gritar o rapaz respondeu, de lá, que estava ouvindo. Então veio a meizinha do raizeiro ao dizer com todos os bofes que dali em diante, cada vez que Nicanor visse um bicho coiceiro, ficasse nessa mesma distância do animal que nunca mais levaria coice. Foi aplaudido pelos presentes e depois levado para a mesa farta onde se refestelou de iguarias saborosas e olhares de Julieta. Nos dias seguintes, o mulatão foi ficando na casa grande do coronel, quebrando no dente os melhores quitutes, balançando-se no alpendre nas melhores redes e aqui e acolá um furtivo cafuné da moça do meio. Quinze dias já passados, quinze noites de misteriosos passos madrugadores pelos corredores, o Coronel despachou o visitante com pouca festa e menos regalias. Nove meses se passaram sem Nicanor levar coice, mas Julieta em estado interessante foi despachada para a capital nas caladas da escuridão para que a população da vila não visse o tamanho da sua barriga. Quanto ao bruxo, o Coronel convocou três dos seus melhores cabras e os mandou a Codó, com ordem expressa de só voltarem com os possuídos do mulatão milagreiro, acondicionados em álcool etílico para ele não ficar na dúvida da capação a macete.

 

04/11/2008.

 

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Batista de Lima



A Literatura Cearense, por ser uma literatura de mutirão, tem apresentado ao longo de sua história, uma permanente presença de grupos literários, antologias e academias. Desde as suas primeiras manifestações, com os Oiteiros, por volta de 1813, até os dias atuais, essa vocação gregária de nossos intelectuais é notória. No momento, só no Palácio da Luz, sede da Academia Cearense de Letras, mais de dezoito entidades, com essas características, ali se reúnem. Isso sem contar com grupos que têm sede em outros ambientes como o Instituto do Ceará ou o Grupo Chocalho. O Chocalho é uma dissidência da Ceia Literária, grupo mais antigo, criado e liderado pelo professor da UECE, Valdemir Mourão, a partir de 1981. Fundado em 04 de agosto de 1984, o Grupo Chocalho começou com apenas quatro membros e pouco tempo depois já contava com 15 componentes, destacando-se, nessa primeira leva, Auriberto Cavalcante, Costa Sena, Barrinha, Stênio Freitas, Ivonildo Oliveira, Oziro Paiva, Kaó e Capistrano Costa. A fundação desse grupo coincide com a publicação de seu Manifesto. É um documento assinado apenas por quatro componentes: Auriberto Cavalcante, Capistrano Costa, Solange Olímpio e Costa Sena. A sua proposta ´está voltada para nossa realidade. É inspirada nos anseios do homem. É contra o colonialismo cultural e a favor de uma literatura regional, mas preocupada com o universal´. Depois, propõe que a escolha do Secretário e do Conselho de Cultura seja feita através de eleição direta em que os votantes seriam ´escritores, poetas, intelectuais e o povo em geral´. Há, a partir daí, um certo exagero ao propor missa de sétimo dia para a Geração Clã, quando se sabe que o Grupo Clã foi o que deixou o maior volume de obras publicadas em toda a trajetória da Literatura Cearense. Basta a obra de Moreira Campos para impedir essa celebração. Há no entanto, um momento de muita lucidez no Manifesto, quando propõe a ´criação de cadeiras obrigatórias de Literatura Cearense em todas as Universidades do Ceará, na rede de ensino do 2º grau (oficial e particular) e a inclusão dos autores cearenses atuais nas provas de vestibulares de nossas Universidades´. Como se observa, o Manifesto chocalha em muitas direções, o que termina de cair em certas contradições, principalmente, com relação aos dias atuais do grupo, que chega a fazer saraus em clube elegante da cidade e distribuir comendas a personalidades políticas e colunáveis da burguesia. Outro fato inusitado é a eleição da musa dos poetas, em que através de desfile de belas garotas em trajes sumários, escolhe-se, mediante atributos físicos, a representante inspiradora de nossos vates. Ou seja, o discurso auribertano tem se distanciado cada vez mais da proposta inicial do manifesto chocalheiro. Prova disso é que lá no Manifesto está escrito: ´Que os mortais sejam mortais, falência para as academias´. No entanto, o último evento promovido pelo Grupo Chocalho foi o 1º Congresso de Escritores e Poetas do Ceará promovido exatamente no auditório da Academia Cearense de Letras nos dias 25, 26 e 27 de julho deste ano, no Palácio da Luz. Dos quatro palestrantes, dois eram acadêmicos da Academia Cearense de Letras e entre as entidades com quem o grupo passou a interagir, estão ABL, ACL, ALMECE, AFELCE, AJEB, UBT, ALACE, ACLT, A FORTALEZENSE, A ALA FEMININA e até A CEIA. Se partirmos da conclusão de que só não muda de idéias quem não as tem, podemos verificar que Auriberto Cavalcante é um homem de muitas idéias e ideais. Inquieto e batalhador, fustiga as hostes culturais como o cavaleiro da triste figura se arremessava contra os moinhos de vento. É meritória sua cruzada de animador cultural, líder de grupo literário, professor do Liceu do Ceará e promotor do levantamento memorialístico daquele tradicional colégio fortalezense. De todas as investidas contra a pasmaceira intelectual desta nossa província, talvez seja seu trabalho de resgate histórico do Colégio Estadual Liceu do Ceará, o que vai mais se perpetuar para os pósteros. Auriberto Cavalcante é figura das mais humanas. Dentre as bandeiras defendidas pelo Grupo Chocalho está a defesa do partrimônio histórico da cidade. Fortaleza é uma cidade cuja identidade se dilui a cada dia. Uma das razões é o desrespeito com que tratamos nosso patrimônio cultural. O Grupo Chocalho tem ido à rua e tem se manifestado contrário a dilapidação da nossa memória. Além disso tem congregado em torno de suas propostas uma série de escritores iniciantes, que se sozinhos ficassem não teriam como veicular suas criações artísticas. Há momentos em que Auriberto Cavalcante desenvolve, mesmo com as limitações que enfrenta, um mecenato em torno de valores emergentes de nossas artes. A democratização da leitura, através da distribuição de livros de autores cearenses, entre estudantes, enfatiza o gosto pela leitura que precisa ser incentivado entre os estudantes carentes desse pão do espírito. Auriberto é um incansável mensageiro dessa difícil empreitada. Por fim, pode-se patentear a importância do Grupo Chocalho nos objetivos positivos que desenvolve. Ao mesmo tempo contemporizar algumas demandas desenvolvidas pelo grupo que vão de encontro aos seus objetivos prolatados no Manifesto inicial. Se contássemos em nossa cidade com mais auribertos, nosso crescimento cultural seria muito mais evidente e nossa identidade cultural não estaria tão depauperada.

 

21/10/2008.

 

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