top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

À protetora dos escritores

Batista de Lima



Minha Nossa Senhora querida, os cronistas e suas idéias, criadores de caminhos mais além de suas terras, águas e ares, precisam da proteção e até da pena vossa Nossa Senhora da Pena, tende piedade dos meninos de quem a pena foi tirada, daqueles cujas falas se dissolveram no ar, pois sei como dói ter uma pena que se cala Nossa Senhora da Pena, protegei os escribas destas e de outras terras. Protegei principalmente aqueles que mal escrevem. Protegei a folha branca que mais branca se transtorna ao sentir-se assediada por néscios e analfabetos. Minha Nossa Senhora querida, os cronistas e suas idéias, criadores de caminhos mais além de suas terras, águas e ares, precisam da proteção e até da pena vossa. E por falar em pena, dai uma mãozinha pelos pobres deserdados, por aqueles que estiram as mãos em tristonhas petições e as recolhem mais vazias. Mas também não esquecei daqueles que tanto têm e que mais querem ter, que esses tanto acumulam, que seus olhos são tapados e seus ouvidos interditados. Aqueles cujas barrigas são sacos que apenas têm bocas, que instalam continentes cujos conteúdos não enchem. Nossa Senhora de todas as penas, mãe de contextos e textos, protegei nossos leitores, aqueles, principalmente, que muitas vezes são obrigados a digerir certas leituras que não estão no seu gosto. Protegei certos escribas, a concursos concorrentes, que suam, tremem e cegam diante da folha branca, carente de algo escrito. Protegei, em especial, o pobre daquele leitor que tem que navegar certos textos que não conseguiram textura. Nossa Senhora da Pena, se a pena que protegeis, porventura se estender à pena do apenado, daquele que foi julgado pela justiça dita humana, protegei os inocentes, aqueles que muitas vezes são condenados sem pena e dó mesmo inocentes sendo. Transformai certas masmorras em lugar para pessoas. As pessoas nunca deixam de ser aquelas que um dia foram, e as flores nunca deixam de levar suas pétalas e seus perfumes onde quer que as coloquemos. Nossa Senhora da Pena, tende piedade dos meninos de quem a pena foi tirada, daqueles cujas falas se dissolveram no ar, pois sei como dói ter uma pena que se cala. Afinal, quantas vezes me faltou pena para revelar a minha pena que apenas dita, não diz tudo aquilo que me pesa. Assim sendo ou não sendo, que a pena de todos seja. Entre a página e a mão, essa pena é coração, mas também tem sua razão. Nesta comédia quase divina, se a Senhora me proteger, tirarei este Virgílio dos infernos que transporto, e no purgatório do texto, instalarei seu paraíso. Se não for suficiente essa sua proteção, permita-me convidar sua irmã, que é da Penha, para que minha escrita nesta página que aconchega, seja cravada sem perigo, pois escrita em pedreira. Nossa Senhora, disseram-me que certa vez em Alcobaça, tinha um rico muito rico, desses de berço de ouro, que o que tinha de rico lhe faltava de feliz. Foi então que recorreu a um vate, que lhe disse que em outro reino, havia um cidadão muito alegre com a vida, com certa camisa vestido, que lhe faria feliz. Indo àquele distante local, nosso rico muito rico encontrou um homem simples, muito simples, que brincava com crianças num regato à beira d´água. Aquele homem de calção, bem feliz no convescote, indagado sobre a camisa, foi logo surpreendendo ao dizer que nunca teve uma camisa para vestir. Senhora de todos as penas, não fora esta pena simples, que agora ergo e encaro, e a sua proteção, esta pequenina história, que acabo de inventar, não estaria viva e cantante nesta página antes limpa. Nossa Senhora da Pena, protegei as criancinhas alfabetizandas que por desventura tenham professoras ignorantes. Que essas moças que ensinam a crianças sejam mais mães que as mães que estão ausentes. Protegei, por outro lado, as professoras que amam seus alunos, e lhes ensinam a escrever. Que elas ensinem também caligrafia para que não sejam torturados os futuros revisores de seus textos manuscritos. Protegei os fazedores de placas, os grafiteiros de primeira água, os assentadores de partilhas, os médicos apressados e os cambistas de esquina para que não cometam aberrações gráficas que perturbam o olhar do olhante e deseducam para o futuro. Que a pena seja uma porta para o templo do pensar. Uma porta por onde se entra se antevendo uma ventura no seu ato de sair. Que o saído na escrita possa até parecer mui raso, mas que esconda profundidades sem limites pro mergulho. Minha querida padroeira dos escritores e jornalistas, protegei essas criaturas feitas mais de palavras que de osso e carne. Protegei também seus leitores para que não lhes faltem textos, nem sabores nos escritos. Que as palavras que nos mandam, tragam sabor de terra, cheiro de chuva e trotar de sonhos. Protetora das artes e das ciências, acabai com essa guerra que ando transportando entre Dionisius e Apolo, pois quando nado, só desejo mergulhar, quando mergulho só desejo respirar. Quanto mais arco mais lira, quanto mais sol mais de luar careço, quanto mais razão, mais emoção eu procuro, quanto mais rastreio mais prospecto. Nossa Senhora da Pena, protetora de Jacarepaguá, diga-me quem teve essa idéia de colocá-la no alto sobre um morro quase pedra como se da Penha apenas fosse. Protegei, Nossa Senhora, todo o povo lá de baixo, principalmente os que escrevem. Que o acesso aos seus domínios, com ladeira em desafio, se compense na galhardia com que a Senhora recebe qualquer um que a procure. Lá também em Porto Seguro, tem tão bela capelinha dedicada à Senhora, com estátua e altar de pedra, em dizer aos brasileiros, que até na descoberta, a Pena de Nossa Senhora escreveu com letra certa.

 

25/08/2009.

 

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page