top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Voz, verso e viola

Batista de Lima


São nove poetas, bons versejadores, reunidos numa só publicação. São poetas que aproveitam o inusitado de um momento, e sem viola, sem gravador, rimam, improvisadamente, e deixam a poesia solta nas ruas para que alguém de sensibilidade a recolha. Sempre há quem adote essas filhas alheias e as alimente para consumo dos pósteros. Às vezes até publicam, sem nunca esquecer de glorificar aqueles que gestaram as preciosidades. Não fossem esses mecenas, muitos desses poetas ficariam para sempre desconhecidos e seus versos se apagariam na poeira do tempo.

Foi assim que surgiu gente como Leonardo Mota, Câmara Cascudo, Orlando Tejo, Geraldo Amâncio e Dias da Silva. A eles devemos a recuperação de um patrimônio poético que a tradição oral forneceu como fonte. Essas pesquisas enriquecem nosso cancioneiro popular e tornam esses abnegados, os mecenas da nossa Região Nordeste. Por isso que no rol desses estudiosos coloquei o nome de Dias da Silva. Afinal vem ele agora com o segundo volume de "Voz, Verso, Viola em Mangabeira".

Mangabeira é um pequeno distrito de Lavras, com cinco mil moradores, que dá a impressão de ter muito mais poetas que habitantes. É por isso que só nesse segundo volume estão 272 páginas, com onze poetas retratados e analisados nas suas rimas, mas deixando uma lacuna para um terceiro volume porque aquela terra produz poetas a granel. Basta dizer que juntamente com a sede do município, Lavras, já pôs na Academia Cearense de Letras 8 escritores, todos com incursões poéticas. Por isso não é difícil para Dias da Silva garimpar talentos naquelas cercanias.

Desta feita ele traz Trajano Bezerra, Francisco Édson, Rubens Lemos, Édson dos Santos, Heriberto Oliveira, Rubens Diniz, Sebastião Dias, Tributino Dias, V. Lemos, José Pequeno e João Mangueira. O que há de comum entre esses onze poetas é a linguagem popular. São poetas do povo, rimando para o povo, na língua simples e despreocupada do sertanejo. Por isso que não há metáforas rebuscados nem versos de muitas sílabas, porque sabem eles que o mais difícil em poesia é ser simples sem deixar de ser poético.

O primeiro que aparece no livro é Trajano Bezerra, cantando a saudade da terra da infância e a perda dos mitos do folclore como a banda cabaçal na festa do padroeiro. Logo em seguida vem Francisco Edson, o mais moderno de todos, com relação às temáticas, e que traz um poema antológico, com o título de "Cantoria do absurdo", numa homenagem ao saudoso Zé Limeira. Rubens Lemos faz uma alegoria sobre dois versos que um dia cometi, ao perguntar "Cadê meu São José / Que Mangabeira matou?". Segundo ele, "O passado é bagaceira / Folha caída do pé / Recordo o meu São José / Mas adoro Mangabeira". Tudo isso porque o nome antigo de Mangabeira era São José e só os saudosistas cantam essa mudança de nome. Esse, pelos temas abordados, é o mais sociológico dos poetas catalogados.

Essa garimpagem de Dias da Silva foi encontrar em uma comunidade da região, o sítio Taquari, um poeta bem jovem, nascido em 1985, autodidata, mas de uma batida poética impressionante, cantador da natureza de lá, muito mais enfático do que nós que cantamos de cá. Trata-se de Édson dos Santos, ao dizer, por exemplo: "Sertão! Resolvi cantar / Os teus campos naturais / A beleza singular/ Que tua paisagem traz / Tuas pedreiras rachadas / Tuas terras desgastadas / Sofridas com a erosão / A quentura do teu sol / E a festa do rouxinol/ Nos caibros tortos do oitão". Essa saudade de um sertão que se descaracterizou completa-se no poeta seguinte que é Heriberto Oliveira.

Desses onze poetas apresentados por Dias da Silva é preciso uma parada maior na leitura de Rubens Diniz, mestre em décimas, todas em redondilha maior, com temática bem variada e se constituindo como o melhor poeta da coletânea. Isso posto, no entanto, é preciso que se assevere, que em termos de sextilhas com rimas pares o melhor deles é Sebastião Dias. Sebastião nasceu para ser cordelista. Sua vocação está estampada, falta só concretizar.

Quanto a Tributino Dias, não se pode deixar de ler seu poema "Exame de Próstata". Entretanto, em termos de erudição, principalmente, em torno da seleção vocabular, é Vicente Lemos o melhor destaque. Por isso que é de todos, aquele a quem Dias da Silva dedicou mais páginas nas suas análises, 73 ao todo. Ao final do livro, o autor apresenta dois poetas "in memoriam", os saudosos José Pequeno e João Mangueira, ambos do mesmo quilate dos anteriormente analisados.

O fato é que a leitura desse livro de Dias da Silva não deve ser apenas restrito aos conterrâneos e conhecidos dos poetas retratados. Afinal, diante da diversidade dos temas e da arte com que são cuidados, os poemas enfeixados nessa coletânea interessam a qualquer leitor que cultive o gosto pela poesia popular. Além do mérito de cada um dos poetas catalogados e analisados, há a ousada iniciativa do escritor Dias da Silva de vasculhar os meandros da oralidade poética da gente mangabeirense e colocar no papel, para depois editar um patrimônio literário prestes a ser levado pelo iminente ostracismo. Esse livro, pois, torna-se também um exemplo para outros pesquisadores que queiram resgatar de suas gentes, essas pérolas que vão passando de boca em boca até se esmaecerem no esquecimento. Dias da Silva nos dá uma lição de como preservar cultura.


jbatista@unifor.br

13/09/11.

 

3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page