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  • Foto do escritorBatista de Lima

Visita episcopal

Batista de Lima

Era tempo de desobriga em Sipaúbas. Padre Anastácio, já velhinho, lembrou aos paroquianos que o Bispo viria crismar e celebrar. Era muito exigente o dirigente maior da Diocese. Era um príncipe. Gostava de rituais. A população precisava ajudar na recepção. Vestiriam as melhores roupas. Não deveriam escarrar durante o ofício religioso. As bodegas não venderiam cachaça. Os animais da praça deveriam ser retirados, principalmente os jumentos de lote e os cavalos inteiros. O bozó seria desativado por uma semana. O jogo do bicho não correria durante os dias da visita pastoral.

Com relação às vestimentas das mulheres, que não se usassem sais curtas, mangas cavas nem decotes grandes. Foi combinado com o Prefeito para que as mulheres de vida fácil, que moravam perto de Cemitério, fossem levadas para a cidade vizinha para evitar contato à hora do Bispo visitar o Campo Santo. A capela foi pintada, e todos os objetos usados nas missas foram burilados e postos numa mesa à disposição do ilustre visitante. A âmbula e o cálice foram lustrados. Como não havia aspersório, foi improvisado um balde de prata da mulher do Prefeito.

O vigário procurou a melhor lavadeira do lugar para lavar os paramentos em desuso. Foi recomendado que a alva fosse passada no anil e bem engomada para que o linho ficasse bem lustroso. A batina mais cara foi tirada do baú para que Padre Anastácio ficasse com pose de monsenhor.

Que a lavadeira cuidasse com esmero da casula e da estola para uso por ocasião da concelebração oficiada pelo Bispo e coadjuvada pelos padres que o acompanhariam. Foi necessário tomar por empréstimo na paróquia vizinha um cíngulo mais novo já que o do Padre Anastácio estava desfiando depois de décadas de uso e desuso.

Uma semana antes da visita episcopal chegou a Sipaúbas o emissário do Bispo para os preparativos finais da visita. Irmão Jacinto chegou empertigado com mil exigências e faniquitos. Foi logo à caldeira com pedidos de limpeza e esvaziamento, pois a água benta que ali pusesse tinha que ser benta pelo Bispo, pois a hierarquia mais alta mais pura e santa tornava a água.

Em seguida jogou fora alguns velhos castiçais e desconsiderou o círio pascal por achar curto e sujo. Quando defrontou-se com o sacrário, arrancou o conopeu por achá-lo envelhecido e mofado.

O emissário episcopal, insatisfeito com a falta de objetos sacros para a solenidade, elaborou lista do que deveria vir com o Bispo. Foi então um pedido de: corporal, genuflexório alcochoado, lecionário, manustérgio, naveta, ostensório e uma pala.

Os outros objetos necessários ele foi restaurando os existentes e improvisando outros. Daí que mandou consertar o turíbulo, arranjou uma mesa credencial improvisada em que colocou as galhetas, o cibório e o missal. A capela ia tomando aspecto de catedral, inclusive com flores silvestres já encomendadas aos fiéis da conferência de São Vicente de Paula. Até as andorinhas cantavam mais, diante de tanto fausto.

O coronel prefeito veio oferecer seus préstimos e dele foi solicitada a limpeza da praça e a arregimentação de todos os veículos do lugar para ir esperar o Bispo e acompanhá-lo a três quilômetros antes de chegar à cidadezinha. As escolas do município passaram a treinar o hino nacional, o estadual e o do município.

Os profetas de chuva foram chamados para vaticinar precipitações naqueles dias pois a ponte do Riacho da Onça estava com seu madeirame puído e possivelmente não resistiria a enxurradas e ao peso do carro do Bispo.

Na antevéspera do grande evento, Dona Generosa já tinha arregimentado seu lote de cozinheiras e feito o rol dos mantimentos para a grande ceia. Segundo ela, se padre comia muito, era de se imaginar quanto não seria necessário para alimentar um Bispo. Ademais, diziam os que o conheciam, que o prelado era um gigante de origem alemã que pesada quase dez arrobas.

Tudo no entanto estava sendo preparado. Na véspera, à noite, já havia porco assado inteiro, galinha cheia, sarapatel e, como entrada, croquetes, canapés, vinho do Porto, charuto, tabaco pilado para o espirro do visitante.

Acontece que mal anoitecera, São Pedro abriu suas torneiras e foi água muita despejando-se nos reinos de Sipaúbas. Não demorou muito e já havia piracema nas beiradas da pracinha de Sipaúbas. Mal amanhecia o dia, notícias de arrombamentos de açudes chegavam nadando aos ouvidos dos sipaubenses.

O Riacho da Onça recebera promoção durante a noite e já estava reclamando por achar pouco ser apenas rio. O bispo viria, o povo acreditava. Afinal era a primeira vez que o lugarejo ia virar cidade episcopal. Muita gente já trajada com roupas de pureza aguardava o santo homem na curva da estradinha de terra que margeava o rio furioso. Foi então que alguém alertou aos gritos que a fobica do Senhor Bispo vinha nadando nas águas turvas do Riacho de Onça, secundada por restos do madeirame da velha ponte de boas vindas. O Bispo não chegou a Sipaúbas mas trouxe o melhor inverno do conhecimento daquele povo.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 20/10/15.


 

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