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  • Foto do escritorBatista de Lima

Unifor Plástica


Batista de Lima



Um dos eventos comemorativos dos 40 anos da Universidade de Fortaleza é a XVII Unifor Plástica. Esse salão bianual vem agora com uma novidade enriquecedora. É que desta feita apresentam-se também alguns artistas já consagrados, o que levou a organização da mostra a dividir a exposição em dois espaços. Daí que há espaço para obras de novos talentos e, ao lado, os renomados artistas. Todo o material exposto tem uma ligação com a nossa Região. Ceará e Nordeste, iniciantes e consagrados, toda a exposição traz uma linguagem telúrica.

Esse telurismo começa com a percepção da problemática da terra. Do Semiárido, transcende a questão da propriedade, as tradições, a arquitetura, o artesanato e o lado lúdico dos brinquedos populares. A miscigenação evolui a partir das intersecções étnicas entre lusitanos, afrodescendentes e ameríndios. Daí, a importância da memória para se entender o presente. Raízes tornadas relíquias ancoram exuberantes no grito concreto de José Tarcísio. Da mesma forma, pinturas, esculturas, fotografias e instalações dão visibilidade aos nossos talentos regionais e ao mesmo tempo consolidam a Unifor como mediadora entre os valores artísticos da terra e o público em geral.

Nessa edição da Unifor Plástica, 30 artistas estarão com seus trabalhos expostos até 23 de março de 2014. A permanência dessa mostra através dos anos, já com dezessete edições, coloca-a no calendário cultural do Estado. Para isso, sempre houve cuidado da Fundação Edson Queiroz em caracterizar a curadoria pela competência de seus membros. Desta vez, essa responsabilidade ficou a cargo de Paulo Herkenhoff e Marcelo Campos, dois nomes de maior projeção no circuito das artes nacionais. Além disso, uma comissão de três especialistas em Artes Plásticas fez a seleção dos trabalhos. Esse cuidado com a escolha dos trabalhos é que enfatiza a importância da exposição.

Essa escolha criteriosa contempla variadas linguagens centradas na nossa cultura, o que abre espaço para uma metaforização de um mundo ancho de possibilidades. O olhar acurado do visitante pode vislumbrar algo comum entre um Leonilson e Estrigas. O metonímico "Assum Preto", de Efraim Almeida, tece um labirinto de subjetividades onde afloram questões ecológicas e reminiscências sertanejas. Outro momento para se refletir fica por conta do surrealismo de Artur Bispo do Rosário, na sua transvisão de um mundo caótico, necessitado de leitura. Há, pois, um encantamento que vasa liquidamente da proposta simbólica de Sérvulo Esmeraldo, Nice Firmeza e Rodrigo Frota.

Uma leitura cuidadosa da exposição leva o visitante a uma viagem nordestina que tem como ponto de partida a terra, para se chegar ao homem. O momento seguinte é a luta desse homem para encetar sua sobrevivência diante das intempéries climáticas. Esse tripé é a base antropológica de sustentação da temática que dali transcende. Essa contextualização da mostra não diminui o potencial artístico de cada um dos expositores, além de, na sua diversidade de olhares, preservar as características individuais. Há, pois, um caráter de pertencimento que emana de cada manifestação. Ser nordestino é preciso.

Há, portanto, uma nordestinidade comum entre os trinta artistas expositores. Mesmo com a diversidade de abordagens, dá para detectar uma opção pela memória como elo entre um tempo passado e a contemporaneidade. Daí que não há muito o que distinguir entre os 19 artistas cearenses e os 11 de outros estados do Nordeste. É só observar as peças do sergipano Bispo do Rosário para compará-lo com o cearense Efraim Almeida e conferir as produções de bordados do interior cearense para se verificar o quanto em comum existe. Imperdível, pois, essa Unifor Plástica, por permitir uma viagem através de uma transnordestina, desta vez, criada pelos nossos artistas.

Nessa viagem, é possível ao observador detectar o paradoxo de, mesmo habitante de uma região marcada pela escassez, ao longo da história, chegar à conclusão de que também nos inserimos na sociedade do excesso. Basta observar aquilo que nos sobra, para se concluir que a exacerbação pelo consumo na sociedade moderna também se cultiva entre nós. Essa Unifor Plástica termina por apresentar um grande painel em que a nossa cara é porta em confronto com o que nos limita e nos dá asas. Nossa fala está ali exposta entre tintas e fotos, tecidos e metais, madeira e plástico, lã e lona, significante e significado.

Essa Unifor Plástica, assim como as anteriores, tem se caracterizado pela exibição de uma constelação de signos em que é possível nos narcisarmos diante de um potencial artístico que possuímos, mas que historicamente temos olvidado. A Unifor, na sua vocação humanizadora, preocupa-se, assim, em cumprir com seu compromisso transformador do regional, resgatando e preservando nossos potenciais culturais e ao mesmo tempo trazendo, para seu ambiente interno, o que há de mais significativo lá fora. Essa via de mão dupla se faz necessária na formação de seu alunado e no crescimento da cosmovisão da comunidade em que se ergue. A Unifor Plástica é um laboratório onde também se somam o ensinar e o aprender.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 24/12/13.


 

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