Batista de Lima
São mais de quarenta anos de plantio de saberes diante de uma natureza que dá lições de sabenças. Razão e emoção se dão as mãos. A flora e a fauna se conjugam no seu dever de casa, ensinam e aprendem na fertilidade de um solo preparado para tudo dar. Por isso que os segredos da natureza e a sabedoria dos livros se unem numa harmonia em que o humano mais humano se torna.
No legislativo das árvores há um baobá, seu presidente e componente mais gordo. Poderoso e vindo da África, manda o jacarandá avisar na Washington Soares que nesse jardim com saberes não há diferença de raças. Por isso o chichá do Pará traz notícias de Belém, e a Miguelina robusta avisa que em seu Portugal também existe Belém. A multidão dos angicos avisa para o mogno orgulhoso que angico em nossa terra também viceja na serra. As mangueiras e os cajueiros se dizem donos da terra por terem nascido nela.
Não se sabe se a seriema canta a saudade do companheiro que partiu ou a beleza do arvoredo do campus. Até o sagui para na sua recreação, para deliciar-se do canto dessa ave da savana. O bem-te-vi bem se vê no espelho da água da fonte e sai pelas beiradas das salas espantando os pombos que só querem aulas para si. Já há deles formados mesmo sem anel nos dedos. Os paturis dançam no azul do céu o balé que a natureza lhes ensinou.
O camaleão se transfigura vestindo-se com as mesmas vestes das árvores. Apesar de seu aspecto pré-histórico é, no entanto, o que possui o melhor guarda-roupa deste oásis. E não tem a menor pressa. Observa a inconsequência dos humanos montados nas suas pressas. Os patos nadam, os patos voam, e vão entoando sobre o azul da água: "azul, azul/da cor do céu onde Deus mora/e do manto que cobriu Nossa Senhora". Depois se enfileiram na nado ritmado, ensinando a nós olhantes, a arte de nadar com arte.
O martim pescador, de tanto pescar a dor de açudes secos pelo sertão combusto, vem à lagoa permanentemente cheia de águas e peixes e ali mata a fome que lhe crucia e ainda leva no bico o alimento dos filhotes que lá estão no ninho. Já os paturis não se fartam do desfrute no azul da água como se estivessem ferindo o tapete do céu. Desfilam, bailam em harmonia na festa da natureza, no seu componente mais atuante, a água. Água, doce água, tablado para a pantomima dos pássaros e acalanto dos peixes em convescote.
Até as borboletas vagueiam pelas árvores, vestindo roupas copiadas das cascas de cada planta e avisando se vai chover ou não no dia que se inicia. E no lago, a água se cobre de aguapés feitos sombrinhas que lhe protegem do sol e lhe curam das evaporações. Quanto às emas, essas são brincalhonas. Depois de se narcisarem nos vidros dos carros e fazerem piruetas para os alunos, vão ao bosque brincar de esconde-esconde e descansar a sesta que ninguém é de ferro. Ave! Ave. Ave! Árvore. E os outros bichos de penas perguntam: adivinhem, adivinhem, sou ave ou sou pássaro?
Diante dessa pergunta, o pica-pau responde bicando a caçuarina; seu telégrafo preferido: - Se pula é pássaro, se anda é ave. E o filho da pata, pata aqui e pata acolá, vai aprendendo que nasceu ave e ave continuará. Tudo isso observado pelo pinheiro, árvore que um dia chorou ao lado da manjedoura de Belém, quando viu a oliveira olivando, a tamareira frutificando e ele solteiro apenas olhando. Foi aí que estrelas do céu desceram e lhe foram os frutos da árvore natalina. Jesus havia nascido.
Bem de longe, os prédios tristes da selva de pedra, na tristeza cinza, pedem licença às águas maternais e vêm mergulhar no espelho líquido. Depois vem uma garça, mais uma, enfim dezenas de garças vêm, mal rompe a fresca madrugada, para formar sobre as árvores o lençol branco da paz natural. Por isso que o esperto sagui se pergunta do alto do arvoredo: - estou num campus universitário ou numa exuberante floresta tropical? Só o voo do carcará, batendo em retirada já responde que é preciso preservar. Nesse pedaço de floresta a alma se embevece, contemplando a harmonia da criação.
FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 02/05/2017.
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