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Uma sala de leitura

Batista de Lima


Uma biblioteca não deve ser apenas um reservatório de livros. Afinal, como ambiente de refestelamento do espírito, ela é também um ambiente de estar, de bem-estar físico e mental.

Há 15 anos vem funcionando essa sala de leitura, aberta ao público estudantil e à população de uma maneira geral. Lá está a funcionária para atender aos leitores, durante oito horas por dia. São livros e periódicos.

O principal laboratório de qualquer instituição de ensino é a biblioteca. Ali todos os temas do conhecimento convivem na mais tranquila harmonia. Os mais variados sabores da culinária do saber estão ali à disposição daqueles que têm fome de sabedoria.

Uma biblioteca, no entanto, não deve ser apenas um reservatório de livros. Afinal, como ambiente de refestelamento do espírito, ela é também um ambiente de estar, de bem-estar físico e mental. Daí a necessidade de ser uma casa de leitura. Por isso a disseminação das salas de leitura como equipamento para completar a função da biblioteca. Nela tem-se um ambiente de leitura, de pesquisa, de reflexão e até de recriação a partir do que foi lido.

Essa pesquisa de que falamos é quase que exclusividade dos estudantes universitários. As escolas de ensino fundamental e médio não valorizam, como deviam, a pesquisa entre seus alunos. Às vezes a biblioteca está ali muito mais para servir de justificativa para reconhecimento da escola pelos Conselhos de Educação. É por isso que ao observarmos escolas que colocam seus alunos para pesquisar, ficamos convencidos do sucesso da aprendizagem.

Esse intróito é para chegar a uma sala de leitura que é um exemplo de mecenato e valorização do ato de ler numa comunidade pequena no interior do Ceará, com uma população em torno de cinco mil habitantes. É a Sala de Leitura José Cândido Dias, no distrito de Mangabeira, no município de Lavras, a 420 quilômetros de Fortaleza. Ali estão mais de dez mil volumes à disposição da população, o que dá uma proporção de dois livros para cada habitante. Há duas escolas públicas, uma, inclusive, com ensino médio. Somando o número de alunos de ambas temos pouco mais de oitocentos alunos de ensino fundamental e médio. Ora, isso significa dizer que há mais de dez livros para cada aluno, quando a partir de cinco livros por aluno já é considerado ideal para que a aprendizagem transcorra normalmente. A esses dez mil volumes, pode-se somar o acervo das duas escolas e os livros que os habitantes possuem em suas casas.

Isso comprova o nível de leitura da população, a ponto de essa pequena comuna já ter produzido intelectuais e artistas como Dr. João Gonçalves de Souza que chegou a Superintendente da Sudene e Ministro do Interior, ao violonista Nonato Luís, internacionalmente conhecido, e ao artista plástico Bruno Pedrosa, com exposições na Europa e Estados Unidos. Isso sem contar com o crítico literário Dias da Silva, o verdadeiro mecenos do livro, pois foi ele o criador da Sala de Leitura José Cândido Dias. Simplesmente recebeu terreno do pai no centro da vila e ali construiu por conta própria essa biblioteca para onde levou seus livros que retinha em sua casa em Fortaleza.

Há 15 anos vem funcionando essa sala de leitura, aberta ao público estudantil e à população de uma maneira geral. Lá está a funcionária para atender aos leitores, durante oito horas por dia. São livros e periódicos dos mais variados temas à disposição das pessoas. Todo esse aparato sem nenhuma ajuda oficial, tudo às expensas de Dias da Silva. Até concurso de leitor ele promove, dando presentes em livros e até em dinheiro para aquele leitor que mais livros lê durante o ano. Essa premiação ocorre em todo final de ano em confraternização pública dos leitores. Além disso, por longos anos o professor Dias editou o jornal alternativa O Catolé e no presente momento edita o Binóculo, órgão de divulgação de criação literária e crítica de livros, principalmente a partir das leituras dos livros da sala de leitura. Esse periódico também produzido sem ajuda oficial é distribuído por esse Brasil afora e pelo exterior, mas é na Vila Mangabeira onde mais é lido.

O professor Dias da Silva já possui mais de vinte livros publicados, é formado em Letras e Direito, aposentou-se juntamente com sua esposa Dra. Luíza de Alencar Dias, ambos como funcionários públicos federais, já que por décadas foram funcionários da Delegacia do MEC em nossa Capital.

Nos quinze anos de existência da Sala de Leitura José Cândido Dias precisamos aplaudir essa iniciativa do Professor Dias da Silva. Precisamos nos mirar no seu exemplo de desprendimento. A sua forma de democratizar o livro é um alerta para muitos conterrâneos que acumulam milhares de livros em suas bibliotecas particulares, onde se narcisam e se orgulham diante da mídia, do acervo enorme que possuem, mas a que os carentes de leitura não têm acesso. É como aquele misantropo que possui um paiol repleto de cereais quando sua vizinhança passa fome. Nossa população tem fome de leitura e é preciso saciar sua fome de ler.

Isso vem sendo feito por Dias da Silva, de quem nós mangabeirenses nos orgulhamos de ser conterrâneos. E tem mais, se você leitor, possui livros encalhados em casa e precisa distribuir pode encaminhar para a Sala de Leitura José Cândido Dias, certamente ele vai chegar às mãos dos leitores. Faça isso, porque livro parado não produz leitor. Livro parado vive gritando nas prateleiras para que seja colocado às vistas do leitor. Só assim ele encontra sua verdadeira função. Não há literatura sem leitor.


jbatista@unifor.br

30/03/10.

 

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