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Uma rua para Leota


Batista de Lima

Apenas uma rua de Fortaleza concentra, no seu nome, a homenagem a Leonardo Mota. Simbolicamente, ela que tem a direção sertão/mar, ainda direciona os carros, em mão única, na direção do Atlântico. É um retrato do que fez esse luminar da cultura popular nordestina, que trouxe as coisas do nosso sertão para o povo da Capital. Levou aos salões da elite, a poesia dos cantadores, o destemor dos sertanejos e o folclore que enriquece os confins de nossa tão sofrida região. Mesmo tão grandioso, esse pesquisador das nossas raízes rurais, até os moradores da artéria fortalezense que lhe traz o nome, ignoram quem foi esse ilustre cearense.

Leonardo Mota nasceu em Pedra Branca (CE), no dia 10 de maio de 1891. Seus primeiros estudos realizou em Quixadá, no Colégio São Luís Gonzaga. Já em 1903, com 12 anos, ingressa no Seminário de Fortaleza. Posteriormente cursou Direito e chegou a fazer parte da equipe de governo do Presidente (Governador) João Tomé de Saboia. Como jornalista chegou a ser diretor do jornal Correio do Ceará. Também foi promotor da comarca do Ipu. Seu primeiro livro apareceu em 1921 com o título "Cantadores". Tanto foi o sucesso dessa sua obra que muitos convites surgiram para conferências no Ceará e em outros estados. Por esse tempo recebe um cartório do qual se desfaz para se dedicar às pesquisas populares em viagens demoradas pelo Nordeste.

Nessas suas viagens de coleta de subsídios para suas obras, chegava a passar meses embrenhado pelos sertões em detrimento do convívio com sua mulher e seus filhos. Em uma dessas viagens chegou a passar quinze meses fora de casa o que levava seus familiares, às vezes, a ter que pedir ajuda a vizinhos para conseguir o mínimo para a sobrevivência. Ele, no entanto, sempre voltava, e vinha sempre carregado de formidável material para seus livros e de recursos para os que haviam ficado. Basta dizer que seus livros eram bastante procurados, chegando a editar em torno de 15.000 volumes por uma edição. Além do mais, proferia conferências tão concorridas que pagavam-se ingressos para assisti-las.

O seu segundo livro, "Violeiros do Norte", veio a lume em 1925, com 10.000 exemplares, só na primeira edição da Editora Monteiro Lobato. O terceiro livro a aparecer foi "Sertão Alegre". O seu quarto livro, "No tempo de Lampião", foi publicado em 1930. Por conta desse livro e de alguns de seus artigos sobre os desmandos do Rei do Cangaço, Leonardo Mota se viu ameaçado de morte por Lampião, mas nunca temeu essas ameaças. Por esse tempo começou a dar contornos ao seu "Adagiário brasileiro", obra de fôlego, insuperável na sua espécie em termos de Brasil. Por esse tempo seus males físicos já começavam a prendê-lo em casa. Mesmo assim, em 1932, ingressou no Instituto do Ceará, sem contar que já pertencia á Academia Cearense de Letras, a qual ajudara a reorganizar ao lado de Justiniano de Serpa.

O ano de 1932 foi de grande seca no Ceará, nada conseguindo vingar no campo. Para Leonardo Mota, no entanto, sua safra livresca teve o aumento de produção com o surgimento do quinto livro "Prosa vadia", um conjunto de palestras lítero-humorísticas. A doença, no entanto, o impedia de suas pesquisas de campo, levando-o mais à pesquisa bibliográfica, de assuntos que podiam ser garimpados em Fortaleza. Foi assim que em 1939, publicou um livro documental pioneiro com o tema-título "A Padaria Espiritual". Já por essa época acabou de aprontar seu livro "Cabeças-Chatas" o qual só foi publicado postumamente em 1993, graças ao empenho do Senador Cid Carvalho, que fê-lo editar pela gráfica do Congresso Nacional. Nesse livro ele fala sobre Paula Nei, João Brígido, Capistrano de Abreu e José Carvalho.

Uma curiosidade, no entanto, atiça, até hoje, a mente dos admiradores de Leonardo Mota. É o destino do seu material de pesquisa sobre a "História Eclesiástica do Ceará". Com o surgimento dos seus problemas de saúde, com o aumento de sua busca de lenitivo espiritual na religião e seu sedentarismo doméstico, desde 1940 que ele voltou-se para essa pesquisa sobre os religiosos cearenses. Foram tantas as suas descobertas e tantos fatos surpreendentes de casos de certos padres, que sua esposa o alertava sempre que ele estava indo muito além do que devia, nas suas descobertas. Antes de morrer, em 1948, ele doou os originais de quase uma década de pesquisa, à Cúria Metropolitana de Fortaleza, na pessoa de Dom Antônio de Almeida Lustosa que lhe solicitou por carta.

Esse rico material, acompanhado de aproximadamente duas mil fotografias de sacerdotes cearenses continua inédito. Ainda hoje se pergunta por que o Bispo pediu todo esse acervo, onde ele se encontra e por que não foi publicado. O que se deduz é que havia preocupação do clero com a possibilidade de vir a público aquela obra, apesar de que nos últimos anos de sua vida, Leonardo Mota deixou a boemia e tornou-se fervoroso católico. Passou a ir à missa e comungar quase diariamente na Igreja do Coração de Jesus. Afastou-se de seus amigos de boemia e ficou um homem caseiro.

Leonardo Mota faleceu no dia 2 de janeiro de 1948, de colapso cardíaco, em sua casa, situada na rua Visconde do Rio Branco, número 1506, bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Deixou um espólio literário pesquisado nos cafundós do Nordeste. Não tinha ajuda oficial, e todas as suas viagens foram por conta própria, às vezes até em detrimento de melhor qualidade de vida dos familiares. Seus livros são verdadeiros documentos da cultura popular de nossa região. Mesmo escritos sem os rigores das normas da pesquisa científica, hoje são fontes obrigatórias para aqueles que queiram se aprofundar nos estudos sobre a cultura popular nordestina. Assim como a rua que lhe dá o nome sua obra é uma via aberta por onde o Sertão entra na Capital.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 05/08/14.


 

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