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Uma leitura da Ilíada

Batista de Lima


A "Ilíada", de Homero, é o maior monumento literário da humanidade. É um canto de louvor aos deuses e heróis gregos. São 15.000 versos da ira dos adultos e da ausência das crianças. A ira principal é de Aquiles, contra Agamenon, rei de Micenas, que lhe roubara Briseide, e contra Heitor que matara Pátroclo. Quanto à ausência de crianças é por tratar-se de uma epopeia, gênero da maturidade como dizia o próprio Homero. A adolescência é lírica, a meia idade é dramática e a maturidade é épica.

Entretanto, quem quiser conhecer melhor essa obra, base da literatura, precisa ler "Desvendando a Ilíada", de Ednilo Soárez. São 307 páginas da Expressão Gráfica Editora que apresentam um estudo minucioso do professor Ednilo que deve ter gasto mais tempo em sua elaboração do que durou a Guerra de Tróia, o assunto roteiro do texto. Sabe-se que essa famosa guerra durou dez anos, mesmo que a epopeia se situe nos cinquenta dias mais tensos do décimo ano da peleja. Todo leitor sabe que o móvel da disputa é centrado na recuperação de Helena, mulher do rei de Esparta, Menelau, que fora raptada por Paris, filho de Príamo, por sua vez, rei de Tróia. Tudo começa, portanto, por uma questão passional.

A "Ilíada" gira em torno da paixão, por isso que é o livro de Aquiles, que tudo que fazia era movido pelos impulsos do coração. Já a "Odisséia" é o livro da racionalidade, o livro de Ulisses, Odisseu. Já retrata uma idade mais avançada dos heróis. O primeiro é o livro da ida; o segundo, o livro da volta. Mas além da guerra, como móvel do litígio, outros aspectos dessa obra são apresentados por Homero. É tanto que na sua leitura, Ednilo Soárez acentua a presença da ética, ethos, dos gregos. Toda a trajetória desses heróis é um canto de louvor à ética. Por isso que ao final de tudo, já na "Odisseia", os gregos vencem os troianos, como uma resposta á falta de ética de Páris em usurpar a amada de Menelau. E culmina com o retorno de Ulisses para sua amada Penélope.

Poderiam os analistas modernos qualificar essas duas grandiosas obras de Homero como conservadoras, tendo em vista que tudo gira em torno da preservação do ethos grego. Os heróis são gregos. Apenas Heitor se sobressai eticamente entre os troianos. Entretanto, o autor Ednilo não envereda por esses meandros, não quer tomar partido, quer apenas, e muito preciosamente, desvendar com sua leitura o perfil dos heróis e as razões da guerra. Os gregos chegaram a Troia pelo mar, com suas naus em constante perigo de serem incendiadas pelos troianos o que impossibilitaria o retorno dos gregos às suas terras. Daí que o mar é o caminho dos guerreiros. O analista Ednilo Soares foi por muitos anos da Marinha e navegou pelo mundo inteiro, e é bacharel em Ciências Náuticas.

Conhece pois, o autor, os mistérios do mar, a moral militar e a ética grega. E aqui caberia até estabelecer a ética como a ciência dos costumes, ethos, e a moral, mores, como o exercício dessa ética. Por isso que a "Ilíada" é celeiro de ensinamentos. A Ciência Política, dela muito se abeberou. O "dividir para reinar", de Maquiavel, está ali presente. A prática administrativa de negociar com pequenas comissões é um de seus ensinamentos. A ira que termina por vencer Aquiles se contrapõe à serenidade de Ulisses que vai construindo no caminho da ida a possibilidade do retorno. A razão termina se sobrepondo á emoção. Apolo aos poucos vai se firmando no seu traçado de retidão enquanto os outros deuses mudam de comportamento a todo instante.

Outra manifestação emocional de Aquiles ocorre com a morte de Pátroclo, por Heitor. Aquiles não só vinga a morte do amigo, matando Heitor, como promove exéquias exageradas ao companheiro. Todo a relação de Aquiles com Pátroclo é de uma afetividade tão exagerada que já houve estudiosos a lhes atribuir uma relação homossexual. Isso não é tratado por Ednilo Soares, até porque no Fedro, de Sócrates, essa prática entre os dois guerreiros é descartada quando cada um aparece com as suas devidas concubinas. Entretanto para alguns analistas esse episódio não é suficiente para justificar tanta aproximação dos dois guerreiros pelas vias do coração.

Outras vertentes de análise podem ser vasculhadas por quem for analisar a "Ilíada". Pode-se começar pelo levantamento dos deuses que interferem no enredo do texto. Depois, pela análise das contradições humanas a partir de Aquiles, que em alguns momentos chega a desejar a derrota dos companheiros gregos para que sua importância na tropa fique mais caracterizada; ele que estava afastado por discórdia com Agamenon. É aí que a psicanálise pode mergulhar para analisar a guerra íntima de cada personagem. A leitura feita por Ednilo Soárez vai ao longo das páginas promovendo sugerências para o leitor que o acompanha nessa trajetória. Seu livro exige uma leitura prolongada e meditativa.

Um dos pontos que impressiona o leitor é o misticismo que norteia as relações entre os gregos e seus deuses. Há uma relação tão aproximada entre eles que há momentos em que os humanos se confundem com as entidades sobrenaturais. Heróis, semideuses e guerreiros muitas vezes misturam suas origens. Os deuses é que determinam os vencedores das batalhas. Os guerreiros ficam à mercê do humor dos deuses e das querelas do Olimpo. Há também uma influência muito grande dos fenômenos da natureza. Marés, tempestades, raios, procelas, tudo pode determinar o resultado de uma batalha. Uma coisa é certa, tudo é margeado por uma ética e é esse o ponto destacado pelo analista.

Por fim conclui-se que Homero era um aedo, um poeta cantor, que nos ensina a cantar a guerra. Depois dele, muitos cantaram suas gerras, suas viagens e seus heróis. Acontece que os modelos desses cantos têm sua raiz no épico grego. A "Eneida", de Virgílio, "Os Lusíadas", de Camões e muitos outros textos épicos foram beber na fonte homérica. É tão grandiosa a obra de Homero, que hoje o adjetivo "homérico" tem a conotação de algo enorme. Por isso foi até ousadia de Ednilo Soárez empenhar-se nessa empreitada de analisar tão grandiosa obra. Valeu, no entanto, a pena, seu esforço, pois seu livro não apenas desvenda pontos da "Ilíada" mas prepara o caminho da leitura de quem quiser empreender essa viagem longa que é a leitura de tão imensa obra.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 05/02/13.


 

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