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Uma data para Euclides

Batista de Lima



Canudos foi o choque de dois mundos, o litoral contra o semi-árido, o sertão seco e cinzento, do homem aristocrático, solitário e carente de algo superior "1902" é o ano dos surgimento da obra monumental que sacralizou Euclides da Cunha e mostrou as entranhas de um Brasil desconhecido dos próprios brasileiros A primeira edição de Os sertões, de Euclides da Cunha, foi publicada em 1902. A morte do autor foi em 1909. Portanto, neste 2009, centenário de sua morte, necessário se torna que comparemos o sertão de hoje com aquele que é retratado. Isso diante da enxurrada de textos que vão abordar qualidades já encontradas na obra, e outras que esses estudiosos vão criar, mas principalmente textos sobre a vida do escritor. Canudos foi um grito dos desvalidos dos confins, disparado na direção dos privilegiados do litoral. O episódio sangrento de Canudos foi resultado do choque de dois brasis que já naquele tempo se formavam em nossa nação. Esse foi o grande erro da guerra. Destruir o arraial de Canudos foi desalojar o sertanejo do sertão. Muitos dos sobreviventes se deslocaram para a periferia das grandes cidades, principalmente as do litoral. Como suas casas em Canudos eram feitas de taipa, onde o barro era colocado entre estacas e varas, é bom saber que aquelas varas eram extraídas do faveleiro que circundava o arraial. Favela é planta da região. Foi por isso que o termo "favela" foi associado aos aglomerados urbanos que circundam as grandes cidades. Favelado foi o nome dado a esse morador da periferia. Essa diáspora do sertanejo de Canudos, Caldeirão e Pedra Bonita, decorreu por conta da invasão do homem no litoral, do "marinheiro". Não foi pois sem razão que o conselheiro em um momento de êxtase místico chegou a afirmar que um dia o sertão iria virar mar. Esse mar é o batalhão de soldados encarregado da destruição do povoado. É a cultura do litoral descaracterizando o sertão. É o mar de sangue de vinte e cinco mil mortos nessa guerra insana. Euclides da Cunha esteve no campo de batalha, como jornalista do "Estado de São Paulo", na última campanha, acompanhando as milícias que destruíram o conglomerado humano em torno da liderança do beato Conselheiro. O escritor era também um representante do litoral, contando a história numa perspectiva do vencedor. Mesmo estando ao lado dos milicianos atacantes a obra tem se constituído ao longo dos tempos como o mais fidedigno documento sobre o episódio. Seu levantamento geográfico da região e o aspecto antropológico de sua população nas duas partes iniciais do livro "A terra" e "O homem", têm servido de base de pesquisa para todos aqueles que se debruçam sobre as motivações e o desfecho dessa epopéia sertaneja. Além de qualificar seus habitantes, de sub-raça sertaneja do Brasil e considerar inevitável o esmagamento dessa raça "fraca" pela raça "forte" do litoral, ele vai mais além ao vaticinar que "o jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório, serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas". Mesmo assim ele tinha razão ao dizer que aquela campanha foi um crime, e ao denunciá-lo. Havia justificativas simplórias para a deflagração dessa que foi a maior epopéia da história do Brasil. Primeiramente alegou-se a ameaça à República recém proclamada, pelo fato do Conselheiro ter idéias monarquistas. Depois o fanatismo religioso em confronto com a religião oficial que fez vistas grossas ao massacre ocorrido. Mas um fato marcante foi a insistência veemente dos grandes fazendeiros, dos usineiros, daqueles que viram sua mão de obra semiescrava fugir para o arraial. Canudos foi pois o choque de dois mundos, o litoral contra o semi-árido, o sertão seco e cinzento, do homem arisco, solitário e carente de algo superior e divino a se apegar. Entre esse dois mundos, havia um terceiro e intermediário, o das grandes fazendas e usinas da zona da mata, com seus coronéis explorando trabalhadores como se a escravidão ainda estivesse em voga. Esses potentados sentiram-se ameaçados e exigiram a intervenção do poder federal quando se sentiram ameaçados diante da evasão de muitos dos seus trabalhadores para o aconchego do Arraial. Neste centenário da trágica morte de Euclides, ofusca-se a outra data, 1902, quando o livro foi lançado. "Os sertões" é um monumento literário para quem quiser conhecer o Nordeste, o homem do sertão e a terra em que ele habita. É tão marcante essa obra, que tem toda uma literatura cuja temática se volta para esta nossa região. Euclides cunhou a epopéia da Tróia Sertaneja com seu talento épico dramático, dando a impressão de que tentou primeiro elaborar um poema decassilábico e que depois o transformou em prosa. A prova disso é o ritmo de seu texto como se fosse uma ilíada nacional escrita com sangue e pólvora nos sertões da Bahia. Primeiro ele prepara o altar do sacrifício de um povo, onde descreve detalhadamente a terra que vai virar um mar de sangue. Depois descreve o herói do sacrifício, o sertanejo. Ao final ele pinta com cores fortíssimas o episódio sangrento da luta, em que milhares de pessoas sucumbem em luta fratricida. Assim, a última parte é a mais dinâmica para a leitura, e é por isso que há teórico que aconselha que o livro fica mais interessante se for lido de trás para a frente. No tocante às denúncias apresentadas por Euclides da Cunha, não se pode deixar de observar a diferença entre suas reportagens para o jornal O Estado de São Paulo e o que ele escreveu no livro. Afinal, nas matérias que escreveu para o jornal, ele não incluiu as perversidades praticadas pelo exército atacante. Ele não fala da degola dos prisioneiros após os coitados terem que dar vivas à República. O livro é pois um documento mais comprometido com a verdade dos fatos. No jornal ele pode estar investido de atacante, mas no texto do livro ele veste a roupa da denúncia e transforma "Os Sertões" no grande livro da nossa raça. Portanto é preciso que se verifique que o que fez Euclides da Cunha foi o livro que escreveu e não sua trágica história pessoal. 1902 é o ano do surgimento da obra monumental que sacralizou Euclides da Cunha e mostrou as entranhas de um Brasil desconhecido dos próprios brasileiros.

 

08/09/2009.

 

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