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  • Foto do escritorBatista de Lima

Um violão chamado Nonato

Batista de Lima


Raimundo Nonato de Oliveira seria mais um Raimundo não nascido mesmo com a proteção de São Raimundo, padroeiro de Várzea Alegre e a marca dos cristãos novos no Oliveira. Acontece que ele é Nonato Luís, nascido em Mangabeira, distrito de Lavras. Ele nasceu mesmo foi no Sítio Aroeiras, filho de Pedro Luís e Alcides e componente de uma prole de 11 irmãos bem nascidos e bem criados sob a proteção de São Sebastião, o padroeiro da vila Mangabeira. Nonato Luís tornou-se um violonista festejado por aqui e internacionalmente.

Falar sobre sua trajetória de sucesso é repetir toda uma fortuna crítica já do conhecimento público. Entretanto, há detalhes ainda do desconhecimento público. Nonato Luís é de uma família em que os nomes dos varões são invertidos a cada um novo nascimento. Daí que Joaquim Luís é filho de Luís Joaquim, Luís Pedro e filho de Pedro Luís, Luís Manoel é tio de Manoel Luís e Luís Antônio é descendente de Antônio Luís. Diante de tanto Luís, o Oliveira foi sendo trocado pelo novo nome, inclusive atingindo nosso Nonato. Depois outra pergunta que surge, é porque o nome do artista não é Vicente padroeiro de Lavras, ou Sebastião padroeiro de Mangabeira.

O seu nome em homenagem a São Raimundo Nonato, padroeiro de Várzea Alegre, explica-se antropologicamente pela presença de tantos nomes Raimundo na comunidade. Afinal, a distância de Mangabeira para Lavras, para Cedro (Padroeiro São João) e para Várzea Alegre é a mesma. Acontece que desde muito tempo ir de Mangabeira a Lavras, para os ancestrais, era ir pela manhã com o sol no rosto já que a sede fica a leste, e voltar à tarde com o sol da tarde no rosto. Para Várzea Alegre, de São Raimundo, era ir pela manhã com sol nas costas e voltar à tarde também com o sol atrás. Daí a preferência pela proteção de São Raimundo e pelo comércio de sua cidade. Não é sem razão a escolha do nome Raimundo.

Outra questão que se coloca é por que aquele pequeno distrito (Mangabeira) de 5 mil habitantes produz tantos talentos. O violonista Nonato Luís leva a reboque do seu talento também figuras de destaque por aí a fora como é o caso dos seus conterrâneos Bruno Pedrosa (artista plástico), João Gonçalves de Souza (foi superintendente da Sudene, e Subsecretário da OEA), Hilário Duarte (desembargador), Jacaono Batista (General), Dias da Silva (crítico literário), etc. Dizem por lá que é a água da Cacimba da Pedra que faz germinar tanto talento. É uma cacimba que por longos anos aguou o povoado e matou a sede de Nonato Luís.

Como nasci nos seus arredores e lá me criei, na mesma geração de Nonato, lembro-me dele criança já empunhando um cavaquinho e sentado no batente da casa, tocando Luiz Gonzaga com seu irmão Felizardo, ao lado acompanhando com um pandeiro. Ali, seu primeiro professor e incentivador foi o violonista e sanfoneiro do lugar, chamado de Geraldo Duarte. Mas logo logo o aluno estava dando quinau no professor. Ainda garoto, mudou-se com a família para Fortaleza, indo residir no Parque Araxá. Especializou-se em tantos instrumentos que por anos de adolescente era chamado de "Garoto dos sete instrumentos".

Recentemente Nonato Luís lançou um DVD em comemoração aos seus trinta e cinco anos de carreira. Para mim faz muito mais tempo que o violão faz parte de sua vida. É tanto que sempre o vi abraçado ao seu instrumento musical. Há poucos dias com ele me encontrei e não o reconheci como era antes. Ele estava como que mutilado, faltando uma parte do corpo. Depois de muito perscrutar, verifiquei que era o violão que estava faltando, ou seja, Nonato possui um corpo composto de cabeça, tronco, membros e violão. O violão já faz parte de sua anatomia. Suas cordas vocais estão no violão e o coração nele lateja. Separá-lo do violão é torná-lo incompleto.

Esse violão tem a mesma idade de Nonato ou talvez mais. Acredita-se que ele já tocava na barriga da mãe. Talvez até antes disso como se estivesse inscrito numa ancestralidade que o destinou a ser seu porta-voz musical. Esse seu DVD recentemente lançado, gravado no Teatro José de Alencar, mostra um artista maduro, cônscio de seu talento musical, integrado ao seu violão e venerado por um público, que já é cativo nas suas apresentações. A música terceira do DVD, Minueto em Sol Maior, traz os cantos dos passarinhos do Baixio Verde, onde o clã Luís organizou-se e onde se tem a impressão que Vivaldi andou por lá para aprender com a passarada, o vento e as árvores, a sinfonia da natureza. É difícil ouvir essa música sem que os riachos daquelas cercanias não transbordem em nossos olhos.

Nonato Luís trafega do popular ao erudito com a mesma desenvoltura. Pontificou com sua arte nos mais renomados palcos do mundo. Entretanto, estando onde estiver, Nonato Luís não perde o telurismo, não esquece a água cristalina da Cacimba da Pedra. É tanto que um das mais belas composições é "Mangabeira". Ao ouvi-la, a quermesse de São Sebastião começa a brotar na nossa memória, com os partidos Azul e Encarnado, com o Parque São Severino, para homem, mulher e menino, e com o Circo Fuxico onde à noite haverá espetáculo, sim senhor. Ainda brotam as cocadas de Vitalina feitas com mais alma do que coco e o bozó de Baé para se aventurar a sorte.

Finalmente, não preciso tentar a sorte no bozó, tendo em vista que já a ganhei em ter como conterrâneo o virtuose Nonato Luís. Lamento, no entanto, que seu reconhecimento local não corresponda ao seu sucesso internacional. Um dia poderemos lamentar não tê-lo valorizado com o devido merecimento. Considero-o mestre da cultura como alguns que existem em nosso Estado. Talvez não reconhecido oficialmente como outros.

Afinal, em um evento como a Bienal do Livro podia-se ter um espaço para mostrar a tantos visitantes um produto local de tanto valor. Nonato Luís é um dos maiores artistas cearenses da atualidade e antes de exportá-lo como temos feito, é necessário que o valorizemos entre nós como realmente ele merece.


jbatista@unifor.br

04/12/12.

 

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