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Um Clóvis apaixonado

Batista de Lima


É curioso conhecermos um Clóvis Beviláqua marcado por escritos carregados de lirismo, em epístolas de cunho sentimental. O jurista da síntese, capaz de elaborar o projeto do Código Civil Brasileiro em seis meses, derrete-se em mesuras do coração quando escreve cartas para sua amada, Amélia de Freitas Beviláqua. Para entender esses dois extremos de nosso jurista maior, é preciso que se leia "De Clóvis para Amélia", organizado por José Luís Lira.

Esse livro, editado pela Expressão Gráfica, em 2011, traz as cartas escritas por Clóvis para sua amada Amélia. São cartas datadas quase todas de 1882. O namorado em Recife, onde fazia Direito, e a namorada em São Luís. Entre os dois, cartas apaixonadas e o vapor na sua lida de leva e traz. Aquele homem marcado pela concisão não se preocupa em escrever cartas longas, carregadas dos signos da paixão. Essas cartas estão no livro e são responsáveis pela grandeza dos escritos.

Também estão no livro dados biográficos dos dois enamorados. Clóvis Beviláqua iniciou sua trajetória de vida em Viçosa do Ceará, cidade em que viu a luz pela primeira vez, em 4 de outubro de 1859. Seu pai, o Padre José Beviláqua, o encaminhou para Sobral, aos dez anos para prosseguimento nos estudos. Depois foi para Fortaleza, tendo estudado inclusive no Liceu do Ceará. Depois de Fortaleza, seu destino foi o Rio de Janeiro. Do Rio foi para o Recife, ingressando no curso de Direito. Suas influências positivistas tornaram-no participante do famoso grupo "Escola do Recife" e o levou a lecionar naquela famosa faculdade. Foi abolicionista e republicano.

Sua amada Amélia de Freitas Beviláqua nasceu em Jurumenha, no Piauí, em 1860, filha de Desembargador. Seu pai chegou a governador no Maranhão, Piauí e Pernambuco e chamava-se José Manuel de Freitas. Amélia e Clóvis tiveram cinco filhas sendo que a caçula Vitória Ciríaca reside com as filhas no Rio de Janeiro. Amélia publicou ao longo da vida, em torno de vinte livros, chegando a ser sugerido por Clóvis, seu ingresso na Academia Brasileira de Letras, o que não deu certo. Todas essas informações, José Luís Lira foi pesquisar na fonte, junto à família.

O prefácio do livro é de autoria do Senador Cid Carvalho, acadêmico da Academia Cearense de Letras, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. No seu texto é enfatizado o poder de síntese de Clóvis Beviláqua, bem como seu empenho em lidar com mestria nos meandros da Moral e do Direito. Os adjetivos com que o classifica são: "humano, profundo, solidário e sensível". Mesmo assim, o que se nota ao longo do livro, principalmente na parte biográfica, é que Clóvis tinha domínio completo de suas oscilações entre o apolíneo e o dionisíaco.

Seu lado apolíneo configura-se ao sintetizar em uma página o que Rui Barbosa gastava dezenas para explicitar. Também acrescente-se sua participação na "Escola do Recife", berço das ideias positivistas cultivadas no Brasil da época. Quanto ao lado dionisíaco, basta que se leiam suas cartas repletas de devaneios amorosos. Prova disso é a epígrafe utilizada por José Luís Lira na abertura do livro, retirada de uma das cartas: "Feliz serei se acreditares na verdade do que deixo escrito e que sempre, viva ou morta, me possuirás a alma de tal forma que eu jamais saberei se no mundo há mulher". Todas as cartas são marcadas por declarações de amor quase adolescente.

Nessa mesma linha de paixão ele chegou a escrever: "Quisera que minhas palavras tivessem a doçura de um favo de mel, as minhas carícias a maciez do arminho e o ardor da brasa para que bem pudessem traduzir-te a imensidade deste amor que te consagro..." Não é apenas nessa linha que se conduz a pesquisa de José Luís Lira. É por isso que aparece entre tantas cartas de amor, a transcrição do Credo Jurídico-Político de Clóvis, verdadeira peça doutrinária positivista em que sua crença na moral traduz a necessidade que o jurista tem de exercitar uma ética na sua profissão. "Creio na moral, porque é a utilidade de cada um e de todos transformada em justiça e caridade, expunge a alma das inclinações inferiores, promove a perfeição dos espíritos, a resistência do caráter, a bondade dos corações".

Esse livro organizado por José Luís Lira não ficou apenas resumido às cartas entre os dois enamorados. Afinal, além das biografias de Clóvis e Amélia, há na parte final, toda uma galeria de fotos raras que compõem a memória do casal. Também há textos jornalísticos enaltecendo a figura de Clóvis Beviláqua por ocasião de seu falecimento. É tanto que pela quantidade e pelo teor dos escritos tem-se a dimensão da grandeza do imortalizado. É curioso além disso encontrar facetas do casal que são desconhecidas pelo público, como a produção literária de Amélia e a simplicidade de Clóvis em declinar de convite para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Por fim, é preciso que se louve a iniciativa de José Luís Lira em ir à procura de toda essa correspondência de Clóvis para Amélia. Além disso também é necessário lembrar que depois de tanto tempo passado após a morte de Clóvis Beviláqua, a família ainda guardar essas cartas e cedê-las para Lira fazer a divulgação. Esse é o mérito do pesquisador, ir à fonte e revelar o que está desconhecido. Não fora a perspicácia do organizador desse livro em trazer a lume todo esse material, poderíamos ficar para sempre desconhecendo essa faceta de nossos maior jurista. Afinal, "De Clóvis para Amélia" torna mais consagrada a figura de Clóvis Beviláqua e coloca José Luís Lira no grupo restrito dos melhores pesquisadores da memória cearense.


02/10/12.


 

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