Batista de Lima
José de Ribamar Ferreira é o nome real do poeta Ferreira Gullar. Maranhense, de São Luís, mas há muitos anos residindo no Rio de Janeiro, aos 85 anos é tido como o melhor poeta brasileiro em atividade. Na dúvida, é só ler as 661 páginas do seu livro "Toda Poesia", da José Olympio Editora, publicado em 2015. Toda sua obra poética, produzida a partir de 1949, está ali comprovando seu talento poético, e até sua ideologia política.
Dos seus livros, o "Poema Sujo", de 1976, foi o que causou maior impacto entre os leitores. Pode ser considerado a culminância de sua trajetória literária. A crítica foi unânime em considerá-lo um marco na história da poesia brasileira. Entretanto, muitos o encararam apenas como um libelo poético de viés político, quando na realidade é também uma canção do exílio e a poetização de suas memórias maranhenses. Por isso, diante dessas várias linhas interpretativas, é uma leitura imperdível para quem aprecia a arte poética.
Antes do "Poema Sujo", já havia sido lançada sua coletânea "Dentro da noite veloz", 1975. Esse é também o título de um poema do livro em homenagem a Che Guevara, por ocasião da morte do guerrilheiro. Essa elegia se tornou uma das homenagens mais tocantes ao Che. É um poema longo, de nove páginas, que em nenhum momento perde sua densidade. O poeta superou-se nesse canto à legendária personalidade pranteada. Por isso que, à época e ainda hoje, é apreciado por uma infinidade de leitores.
Ferreira Gullar, além de poeta, foi ao longo dos anos um ativista político, sempre ligado ao PCB. Por conta dessa militância curtiu anos de exílio. Nesses exílios surgiram suas melhores produções poéticas. Mas sua alividade política também o colocou de encontro a outras vertentes da esquerda. Primeiramente, verberou contra o levante do Araguaia e nos últimos tempos tem mostrado oposição às atitudes dos petistas que chegaram ao poder.
É preciso, portanto, que o leitor leia seus poemas, independente de suas querelas contra o PC do B e o PT. Afinal, em todo esse livro, "Toda Poesia", não há momento algum em que essas questões partidárias transpareçam. Pelo contrário, figuras como Gregório Bezerra, João Boa-Morte, Chico Julião, além de Guevara, são cantados poeticamente de forma brilhante. São homenagens de quem é comprometido ideologicamente com os desvalidos e os injustiçados.
Quanto à sua estética literária, é impressionante sua multifacetada arte poética. Logo após seus "Poemas concretos e neoconcretos", essa antologia coloca seus "Romances de Cordel". São duas formas poéticas de extremos estilísticos que exigem do poeta muito talento para alçar de um para o outro sem perda de qualidade. Talvez João Cabral de Melo Neto tenha sido quem mais se aproximou desse feito de Ferreira Gullar. É nessa variedade de abordagens poéticas em que transparece a genialidade do criador.
Ferreira Gullar é mais um nordestino retirante que chega ao Sudeste e impõe sua fala. Desde a publicação de seu livro "A luta corporal", de 1953, até os dias atuais, que sua poesia tem sido louvada pela intelectualidade brasileira. Nomes como Sérgio Buarque de Holanda, Vinicius de Morais e Otto Maria Carpeaux derramaram-se em elogios à sua poesia. Não foi pois sem razão a sua eleição em 2014 para a Academia Brasileira de Letras. Há muitos anos ele já vinha merecendo ingressar na Casa de Machado de Assis.
Está pois aí a obra completa desse magistral poeta brasileiro, seu canto de saudade da terra brasileira, principalmente de seu Maranhão. Da mesma forma que Gonçalves Dias fez no seu exílio, Ferreira Gullar, exilado na Argentina, produziu seus melhores poemas. Cantou a saudade, cantou a infância, poetizou a figura do pai e não esqueceu de colocar nas suas poesias os líderes revolucionários de seu tempo, quase que condenados ao ostracismo.
Daí que chamá-lo de "poeta maior dos tempos de hoje" não é um elogio, apenas, é uma constatação, diante da raridade de excelentes cantores de nossa terra nesta contemporaneidade de incertezas.
FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 08/03/2016.
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