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  • Foto do escritorBatista de Lima

Territórios afetivos

Batista de Lima


Nosso primeiro território afetivo está instalado na nossa mãe. Foi entre seus limites em que passamos os mais aconchegantes tempos da vida. Menos de um ano ficamos ali alimentados e protegidos em um ninho tépido e pulsante. No dia em que dele saímos, nossa primeira reação foi chorar pela perda do paraíso sem retorno. Afinal, estivemos numa bolha de proteção, seguros por uma pele que mesmo sendo nossa, por empréstimo, gostaríamos de dispormos de sua proteção por toda a vida de que dispomos. É por isso que ficamos acompanhando os passos da mãe como tentativa de voltarmos àquele paraíso.

Expulsos desse paraíso primeiro, passamos a ter um território maior, mas de afetos diminuídos. A casa é um espaço ampliado em que acompanhamos o tempo todo os passos da mãe na busca do retorno àquele ambiente que primeiro habitamos. Em cada compartimento do lar, vamos recriando esconderijos particulares, ninhos em que nosso tédio e nossa solidão se enroscam para carpir nossa expulsão do aconchego primeiro. São espaços em que instalamos a mãe, o que faz da casa, um latifúndio muito mais feminino do que masculino. Afinal, o pai está ali como um invasor que veio de fora para dentro, enquanto a mãe em movimento oposto se esvai de dentro para fora.

A casa possui portas e janelas, fendas por onde entrou o pai e por onde iniciamos os rituais das saídas. É aí onde a amplidão se delineia e os afetos se diluem mais. O mundo novo é vasto e passa a aturdir nossos passos de busca. A cada instalagem que forjamos, queremos modelar aquele território primeiro que não deixamos de transportar. Nunca conseguimos cortar totalmente o cordão umbilical. Quanto mais distantes da origem mais dela nos sentimos necessitados. É daí que surgem sentimentos que nos marcam a vida toda. Um deles, talvez o mais permanente em qualquer pessoa é a saudade.

A saudade é uma forma simbólica de se retornar aos primeiros territórios dos afetos. Esses territórios que habitamos um dia passam a nos habitar através de doces lembranças. Carregamos aos ombros da alma e nas retinas dos sonhos as nossas habitações, a mãe, a casa, a árvore, a escola. Daí ser importante ter uma terra em que foi enterrado o nosso cordão umbilical, ter um telhado onde pousam nossos dentes de leite. É importante também ter um horizonte onde nosso futuro se espreguiça. Assim os espaços afetivos podem vir montados em subjetividades. Por isso que é importante sonhar.

Podemos dizer que uma das formas de educar é semeando sonhos. É instaurar no outro, espaços de possibilidades para a fertilização dos sonhos. A criança transporta um espaço propício para o cultivo dos sonhos. A mente infantil é uma esponja, uma construção aberta, o que torna fácil a aquisição de sentidos para a vida. Por isso que somos produtos de uma infância. Somos resultados de uma adubação inicial. Daí a semelhança que temos com uma árvore. Uma árvore plantada em bom terreno tem tudo para crescer exuberante. Quando mudada do lugar em que nasceu, dificilmente tem o mesmo desempenho no crescer. Quando nascida em solo infértil, fenece.

Os territórios dos afetos, entretanto, podem ser construídos também em outros espaços além dos já citados. Uma árvore transplantada pode encontrar terreno mais fértil do que aquele que a retinha. Há casos em que nos territórios iniciais da vida brotam conflitos como ocorrem também em alguns casos, com as plantas, às vezes vítimas de parasitas ou ervas daninhas. No caso das gentes, o terreno contém também esses percalços. Acontece que nos cabe a procura de áreas férteis para pousarmos. Temos o livre arbítrio para procurarmos nossa felicidade. Afinal, não podemos promover a felicidade do outro se antes não nos fizermos felizes.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 16/07/19.


 

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