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Tempo literário e memória

Batista de Lima


O tempo é matéria-prima nesse novo livro de Regina Barros Leal. A partir do título, "Um olhar sobre o tempo", o leitor é colocado frente a frente com o efêmero. A autora, no entanto, ultrapassa esse confronto ao retornar a situações sinestésicas de seu passado de felicidades. É tanto que ela não se peja ao afirmar: "Ainda sinto o cheiro da infância/ consigo ver as manhãs iluminadas/ o doce calor do sol em festa/ os desenhos da chuva na folhagem do quintal/ o tempo conversando com a terra úmida".

Essa prospecção que a autora faz no monturo de suas memórias é o ponto alto de sua escritura. Cada imagem que é captada parece um caco de um acontecer. É então que Regina vai colando um por um até recompor a cena familiar d´antanho. Essa composição é feita através da escritura. Cada poema é um pedaço de vida que teima em se distanciar da criadora. Ela, no entanto, vai pescando no mar de lembranças que guarda, tudo aquilo que compôs o panorama de sua primeira idade e do mais paradisíaco de sua juventude.

Em busca desse paraíso perdido, ela confessa: "Passeava pela calçada dos meus sonhos/ (…) Passei pela rua das minhas doces emoções/ passei pela estreita passagem da tristeza/ (…) deparei-me com o júbilo da criança em mim". Esse passeio é uma verdadeira escavação nos escombros do que o tempo devastou. É então que surge a poesia da reconstrução. Cada poema de Regina Barros Leal faz renascer uma dimensão de um tempo passado que se concretiza no verso como uma reconstrução de tudo que teima em ser olvidado. Ela se apodera de um patrimônio temático com todos os direitos constitutivos de um mundo que um dia foi seu.

É gostoso ler os textos de Regina porque ela viveu bem os famosos anos dourados, uma época em que o sonho predominava sobre a realidade. Esse tempo em confronto com o tempo atual é que provoca a tensão que responde pela elaboração textual. O choque entre as duas realidades é como o choque entre duas nuvens carregadas de energia e que provoca trovões e relâmpagos. Daí que seus textos são verdadeiros relâmpagos esculpidos porque o que ela deseja mesmo, na sua maturidade, é "a serenidade dos anjos".

Para o leitor, essa serenidade é um novo sonho acalentado pela autora, pois de uma tempestade esperam-se muito mais raios que calmarias. Essa serenidade em Regina Barros Leal é uma herança familiar cultivada no casarão do Atapu, onde a família Barros Leal residiu em harmonia por muitos anos, e onde as memórias familiares ficaram plantadas. São memórias que se alastram pela cidade de Fortaleza que à época ainda podia ser chamada de "loura desposada do sol". Portanto, se esse seu pendor memorialístico for vasculhado, pode-se ligar a outros textos de autores cearenses que trataram do assunto, e então teremos um tecido histórico de uma cidade que um dia existiu nesta Fortaleza. Daí que não importa o gênero em que o texto for escrito, ele pode tratar da memória.

Falta de memória é uma das deficiências de nossa cidade. Fortaleza não se inscreve fácil no mundo do seu patrimônio histórico. Mesmo assim, há estudiosos que lhe pintaram de tempo. Desde João Brígido até Regina, há cultivadores de nosso patrimônio simbólico. Gustavo Barroso, Blanchard Girão, Narcélio Limaverde, Raimundo Girão, Raimundo Neto, Sebastião Ponte e outros, vasculharam esta cidade, mas mesmo assim, muito ainda precisa ser visto e com urgência pois o tempo corrói esse patrimônio latente. Só a história do Palácio da Luz daria para encher milhares de páginas para se conhecerem mais de cento e cinquenta anos da sede do nosso governo estadual.

Regina Barros Leal contribui para que se conheça essa cidade, a história da educação, já que ela há décadas é pedagoga nas mais diferentes instituições educacionais de nossa Capital. Desde quando era aluna do Colégio das Dorotéias até seu trabalho atual na Universidade de Fortaleza, sua dedicação à educação é exemplar e torna-se fonte indispensável para se conhecer nossa história educacional. Também a história de nossos cinemas, pelo menos aqueles que pertenceram a seu pai, o Jangada, o Samburá, o Araçanga, o Tuaçu. Todos estão na sua memória, pedindo para serem escritos para que as novas gerações lhes conheçam antes de se apagarem no tempo.

Por fim, verifica-se que Regina Barros Leal, mesmo retornando a um tempo de sonhos, não deixa de ter seus mitos do momento. Um deles é o do consumo, e ela afirma corajosamente numa crônica: "consumir me dá um certo prazer, um poder que eu curto". Depois há o mito da eterna juventude, principalmente perseguido no mundo feminino quando não importa a "dor em busca da beleza efêmera". São essas preocupações da autora que despertam a curiosidade do leitor, pois todo esse mundo que a instiga está presente em cada vivente. Por isso que ler seus textos leva-nos a refletir sobre nós mesmos, e esse é um dos objetivos da literatura.


jbatista@unifor.br

14/06/11.

 

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