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Temor de armas

Batista de Lima


Uma característica dessa antologia, é que, comparando com as três anteriores, verifica-se um crescimento acentuado da qualidade dos textos. O caso mais visível é o de Fernando Néri que no seu crescimento poético, constata que há poesia vazando de si, por falta de palavras. E quando se achegam, essas palavras são mariposas a libidinar desertos e caminhos violados.

Pelo temor das armas / que miram o coração. Esse dístico, em formato de refrão, no poema "Elas miram o coração", de Rogaciano Leite Filho, é o momento culminante da antologia "Nova poesia cearense", de 1976. Era a quarta e penúltima seleta organizada por Carneiro Portela, congregando 26 jovens poetas. A esse tempo, o Clube dos Poetas Cearenses já estava no seu declínio, após quase uma década de frutífero desempenho. Eram tempos duros, ? da marcados pela ressaca do estado de exceção que havíamos enfrentado. Por temer as armas que miravam o coração, é que fazíamos poemas.

Foi por isso que Nilto Maciel chegou a afirmar, em comentário crítico, à época, que esse poema é "um libelo acusatório de magnífica beleza poética, tal qual um açoite vestido de ódio". A esse tempo Rogaciano estava com 22 anos e já assinava página literária em jornal local onde veiculava poemas, crônicas e contos dos jovens escritores da época. Muitos desses valores que despontavam, já apareciam na antologia, como é o caso de Rosemberg que ainda não era Cariri, era Antônio Rosemberg de Moura e que na biografia já se apresentava como artista plástico, dramaturgo, contista, poeta e pesquisador de arte popular, menos cineasta, que é seu grande destaque da atualidade.

Essas biografias pomposas contemplam muitos dos autores da antologia. Francisco Marques da Silva, por exemplo, além de professor, se apresenta também como desenhista, pintor, poeta e ator. O bom poeta Clébio Carneiro se identifica como aluno de Administração na Unifor, aluno de Edificações na Escola Técnica Federal do Ceará, cineasta amador, gravador, escultor, ator, compositor e pintor. E assim vão desfilando dados biográficos de cada um, mostrando as atividades multifacetadas dos poetas quando jovens. Essas indefinições vocacionais, no entanto, com o tempo vão se afunilando e hoje cada um desempenha um ofício que o caracteriza.

Uma característica dessa antologia, é que, comparando com as três anteriores, verifica-se um crescimento acentuado da qualidade dos textos. O caso mais visível é o de Fernando Néri que no seu crescimento poético, constata que há poesia vazando de si, por falta de palavras. E quando se achegam, essas palavras são mariposas a libidinar desertos e caminhos violados. Nos seus poemas há impressionantes imagens que precisamos aqui apresentar: "Estou seco / das palavras que não catei nos monturos. (…) quero cruzar minha própria cancela (…) tenho nojo de me ser".

Outro poeta que muito evoluiu, ao longo dessas antologias, foi Gerim Cavalcante. Nesta quarta, já se apresentando como advogado, aos 23 anos, confessa: "Não reconheço em mim / aquele que fui / Apenas carrego o nome: / único rio que corre / entre os tempos que vão / e os tempos que são". Hoje, Gerim, respeitado procurador federal, canalizou seu talento para as lides do Direito e abandonou as musas, o que é um desperdício imenso para as letras cearenses. É um talento poético que já respeitávamos à época do Clube dos Poetas.

Essa quarta antologia, no entanto, não esqueceu os veteranos poetas, aqueles que já haviam pontificado em grupos e publicações anteriores. É o caso de Barros Pinho e Iranildo Sampaio. Barros Pinho já havia participado do Grupo SIN, e trazia a bagagem de três bons livros publicados. Originário do Piauí, com origens à beira do Parnaíba, não é surpresa vê-lo íntimo com signos fluviais. "Desce canoa, / o canoeiro é íntimo / do pecado / no peito carrega o vento / nos olhos possui estrelas".

Iranildo Sampaio, que participou de todas as antologias do CLUPCE, já era poeta maduro, advogado de carreira, e apesar de avesso a qualquer tipo de publicidade, e de não frequentar rodas literárias, já havia publicado livros de poemas desde 1956, com "A lâmpada de Deus", seguido de "O outro lado da tarde", de 1959, "O anjo e o fim", em 1965. Em 1971 apareceu com o livro "Teoria das coisas" e em 1976, com "Os deuses maduros". Iranildo Sampaio é um poeta cearense que merece ser lido e estudado e que em consequência de sua timidez e reclusão, apesar do valor literário que conduz, tem caído no ostracismo. Merece uma antologia com sua profícua e bela produção.

Essa quarta antologia foi composta e impressa na Gráfica Editorial Cearense e traz Artur Eduardo Benevides como seu prefaciador. Em um bem arrazoado texto, ele começa por lembrar que "tudo perde a vulgaridade no canto de um poeta". Depois afirma que o que aparece nessa antologia "é uma poesia jovem, uma arte que ainda amadurece, manipulada por artistas que apenas entremostram sua face, na constelação cultural do Ceará. Procurando dizer as cousas como se as vissem pela primeira vez".

Além dos autores citados, também fazem parte dessa antologia: Aírton Maranhão, Aírton Monte, Alberto Castelo Branco, B. C. Neto, Carneiro Portela, Fátima Girão Pinto, Francisco Viana de Queiroz, Guaracy Rodrigues, Hermínio Costelo Branco, Íton Lopes, L. C. Alcântara, Luiz Ribeiro, Márcio Catunda, Mário Nogueira, Messias Santos, Paulo Fernandes e Ricardo Guilherme.

É interessante verificar que entre esses nomes que aparecem na antologia, muitos estão hoje destacados na vida cultural de nosso Ceará, e alguns com repercussão pelo resto do país. Alguns poucos não se sabe onde andam nem o que fazem. Entretanto, reler essa antologia é como reunir a todos e retomar aquelas conversas da época, entremeadas de algumas angústias, mas principalmente carregadas de muitos e muitos sonhos.


jbatista@unifor.br

22/06/10.

 

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