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Símbolos do Grande Sertão

Batista de Lima



O símbolo mais significativo do livro "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, é o oito deitado no final da obra. É preciso, porém, que antes o leitor vença as 570 páginas do livro para dar de frente com esse oito. É uma porta que se abre para que possamos começar a construir o Sertão. Daí ele afirmar que o Sertão está dentro de nós. O que ele escreveu ao longo do livro foi uma Vereda para que cheguemos a nos confrontar com o nosso Sertão.

Esse oito no final do livro está espalhado ao longo da obra. É tanto que os nomes dos personagens principais, Riobaldo e Diadorim, são compostos de oito letras. Também possuem oito letras os dois amores de Riobaldo, sua mulher Otacília e a prostituta Nhorinhá.

Indo mais além, verifica-se que outros nomes da narrativa são marcados pela presença das oito letras, senão vejamos alguns: Reinaldo, Quelemem, Umbelino, Renovato, Pereirão, Juvenato, Jiribibe, Figueiró, Faustino, Conceiço, Cajueiro, Bobadela, Assunção, Adalgiso, Ventarol, Coscorão, Duzentos, Sidurino, Sesfrêdo, Miosótis, Liduvino, Jesuraldo, Firmiano, Elisiano, Deovídio, Umbelino, Salústio, Liberato, Leopoldo, Leocácio, Borromeu, Aduvaldo.

O oito representa o infinito, a subjetividade. O oito são dois círculos interligados. Estando ele deitado no final do livro, vem representar a libertação. Ali, liberta-se da Vereda, depois abre-se o estuário branco para ser preenchido pelo leitor. O leitor esteve até então preso ao texto do autor. Esteve todo tempo ligado à trilha produzida pelo narrador.

Agora, vem a imensidão do Sertão. Duas perspectivas se abrem ao final: a imensidão para a dilatação do sonho e o rompimento das amarras criadas pelo produtor textual. A Vereda prende o leitor; o Sertão liberta. A outra libertação que ocorre é a de Riobaldo, preso à sua aventura, precisando com a escrita se livrar da desventura amorosa com Diadorim.

Outra simbologia se configura na formação dos nomes Riobaldo e Diadorim. Além das oito letras, Riobaldo traz o "Rio" no seu nome. Esse "Rio" traz uma estrutura de superfície, mas traz também uma estrutura profunda. Nessa profundidade é onde se aloja a subjetividade. Se o "Rio" for limpo, cristalino, não há muito do subjetivo.

Acontece que o "Rio" de Riobaldo é "baldo", que significa "baldeado", sujo, daqueles que escondem a profundidade. Por isso que a água baldeada é mais subjetiva. É tanto que para se mergulhar em águas turvas é necessário primeiro testar suas profundidades. Riobaldo é subjetivo, como é toda a obra de Guimarães Rosa.

Diadorim também além de possuir oito letras traz na composição significados inusitados. O "Dia" de seu nome significa "Diabo". É o diabo da tentação na cabeça de Riobaldo. É o diabo da desventura da não realização amorosa. Depois vem "dor" na continuação do nome. Foi essa dor que levou Riobaldo a contar sua história para dar sentido à vida.

Essa dor tem sua culminância quando no final da "Vereda", Riobaldo descobre que Diadorim é mulher, mas já está morta em consequência da luta contra Hormógenes, o pactário. Assim, Diadorim significa a dor do diabo em mim, por conta do "im" no final.

Essa presença do "diabo" na obra se faz representar por várias formas de escrevê-lo. É como se essa entidade maligna se travestisse de roupagens variadas para tentar dominar as pessoas. Por outro lado, há a possibilidade de se afirmar que essa incidência exagerada de citar nomes diferentes para esse anjo mau seja uma forma de diminuir sua periculosidade.

Quanto mais nome lhe for atribuído, mais se observa seu enfraquecimento. O contrário disso é a presença de Deus que por não mudar de nome, se preserva forte.

Ainda com relação ao diabo no "Grande Sertão: Veredas" é bom se atentar para minuciosa pesquisa encetada por Nei Leandro de Castro, que selecionou todos os nomes de satanás que aparecem na obra. São eles: Aquele, Arrenegado, Azarape, Barzabu, Bode-Preto, Canhim, Canho, Cão, Capeta, Capiroto, Careca, Carocho, Carujo, Coisa-Ruim, Coxo, Cramulhão, Cujo, Dado, Danado, Danador, Das-Trevas, Dê, Debo, Demo, Demônio, Diá, Dião, Dos-fins, Duba, Ele, Figura, Homem, Indivíduo, Lúcifer, Maligno, Mafarro, Mal-encarado, Morcegão, Muito Sério, O, Ocultador, Oculto, O-que-nunca-se-ri, Outro, Pai-do-mal, Pai-da-mentira, Pé-de-pato, Pé-preto, Que-diga, Que-não-existe, Que-não-fala, Que-não-ri, Rapaz, Rei-diabo, Satanão, Satanás, Sem-gracejos, Sempre-sério, Severo-mor, Solto-eu, Sujo, Temba, Tendeiro, Tentador, Tibes, Tinhoso, Tisnado, Tranjão, Tristonho, Tunes e Xu.

Guimarães Rosa pesquisou esses nomes nos sertões de Minas e na Literatura de Cordel. Só no cordel "A chegada de Lampião no inferno", José Pacheco, seu autor, assinalou para o demônio: canguinha, forrobodó, parafuso, cotó, boca-insossa, cão, traz-cá, vira-volta, capataz, tromba-suja, bigodeira, goteira, satanás, lucifer, cão-de-bico, tangença, maçarico, cambota, formigueira, trupezupé, crioulo-quente, bagé, pecaia, rabisca, cordão-de-saia, banzé e caim.

Outros nomes são utilizados no sertão com essa mesma finalidade que aumentariam em muito essa relação. Temos nomes como: fute, diogo, diacho, besta, etc. Isso mostra que o livro de Guimarães Rosa é um manancial de símbolos que se apresentam, oferecendo-se para criteriosas pesquisas ainda por serem feitas.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 03/01/2017.


 

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