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Sobral dos anos dourados

Batista de Lima


Mais de 30 senhoras sobralenses revisitaram Sobral de outros tempos. Mesmo que muitas residam ainda por lá, esse passeio é feito por uma cidade que, de tanto mudar, hoje é quase outra. Elas instauraram a urbe nos seus melhores anos, dando uma delimitação temporal que pode ser enquadrada principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Foi por essa época que elas viveram os sonhos e as realidades de um período que ficou nominado de anos dourados.

Essa revisita a uma cidade, 40 anos atrás, só poderia ser feita através da escrita de depoimentos de quem quis tornar o tempo mais lento através dos encantos da memória. Esses textos foram recolhidos dessas personagens e organizados em uma publicação da RDS Editora em 160 páginas. Mesmo editado em 2010, o livro se torna atual por ser as histórias de vida de uma geração saudável nos seus hábitos e grata no seu canto de louvor à cidade onde viveu os melhores anos da vida. As organizadoras do livro são: Maria das Graças Albuquerque, Carmita Lima Rangel, Maria Isabel Andrade e Ana Júlia Sobreira. A apresentação é da professora Ada Pimentel Gomes Fernandes Vieira.

Os depoimentos interessam a qualquer leitor porque universalizam saberes como o traçado urbano de Sobral da época retratada e as características das diversões daquela juventude. "Era uma vez em Sobral" é o título dado ao livro. É a fala da cidade que vai se instaurando à proporção que o leitor vai lendo os textos. Se os fragmentos de memória forem alinhados têm uma capilaridade tão forte que a memória deixa de ser individual e passa a ser coletiva. A história de cada uma das 32 autoras vai aos poucos se transformando na história da cidade. É tanto que a idéia de que Sobral é uma cidade de cenas fortes vai se diluindo na leitura dos textos.

Os textos são bem parecidos, mas três deles se destacam dos demais. O primeiro deles é a "Apresentação", da professora Ada Pimentel, um texto elucidativo daquilo a que se propõe o livro. Depois há uma "Homenagem Póstuma" a Edmyrtes Arruda Coelho, da autoria de Maria da Conceição Arruda, que é uma elegia bem urdida, que ao mesmo tempo se torna afetiva e pungente. Entretanto, a culminância dos textos é "Recortes da memória - a juventude sobralense dos anos 60", de Giovana Saboya Mont'Alverne Girão. É um excelente ensaio de quem demonstra familiaridade com a elaboração do texto científico.

Esse texto da Giovana Saboya, porém, não perde o foco da temática da publicação. É tanto que ela se preocupa com o traçado da cidade quando trata do lazer das moças bem nascidas daquela época. Todas são ex-alunas do Colégio Sant'Ana. Frequentaram o clube Palace. Ali foram debutantes, desfilaram em concursos de beleza, brincaram Carnaval e São João, praticaram esportes, flertaram, começaram seus namoros, tendo alguns terminado em casamento. Outros clubes da cidade também foram frequentados mas com menos intensidade, como: a AABB, o Music Hall, o Derby Clube e o Country Club.

Como se vê, a vida social de Sobral na década de 1960, em especial, era muito intensa. Mesmo considerando-se conservadora, aquela sociedade, pode-se dizer que as mulheres desse grupo caracterizaram-se pelo desembaraço, pela altivez e perspicácia diante das intempéries da vida. Todas venceram a luta por um lugar ao sol, galgando empregos através de difíceis concursos e podem agora contar histórias de sucesso. Tudo isso sem renunciar às festas nos clubes, à frequência nos cines Rangel e Alvorada e aos convescotes nos sítios e chácaras da Serra da Meruoca.

Tão desembaraçadas são, que nas suas biografias cada uma revela dia, mês e ano em que nasceram, quebrando um tabu que existe, entre as mulheres, de não revelar suas idades. Também são unidas desde a época da adolescência no Colégio Sant'Ana. Hoje formam um grupo que se reúne mensalmente e que estabeleceram como nome Grupo Princesa do Norte. Desfrutaram dos mesmos folguedos, viveram emoções similares e agora cravam na escrita o testemunho, para as novas gerações, de como viver sadiamente a vida sem abdicar dos prazeres que ela oferece. Por isso que esses textos exalam Muguet e Fluer de Rocaille, Bond Street, Dioríssimo, Topázio e Charisma.

Além das já citadas senhoras, aparecem no livro Belarmina Saboya, Cláudia Neves, Neusinha Lopes, Alcione Aragão, Francisca Ribeiro, Florismar Linhares, Iduina Albuquerque, Lúcia de Fátima Cidrão, Lúcia Maria de Vasconcelos, Maria Alice Mont'Alverne, Maria das Graças Ponte, Maria de Fátima Mont'Alverne, Maria do Carmo Rangel, Socorro Olímpio, Soraia Pierre, Vanessa Mont'Alverne, Nadja Gomes, Nelta Albuquerque, Rita Maria Arruda, Rita de Cássia Sanford, Rosalina Rangel, Sandra Adeodato, Terezinha Mont'Alverne, Tetê Albuquerque e Vânia Ferreira Gomes. Todas essas autoras se esmeraram em pintar Sobral com tintas de afeto, saudade e ternura. Traçam o mapa da memória pelas ruas que palmilharam de sonhos e nos apresentam uma Sobral idílica que os tempos não trazem mais.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 11/03/14.


 

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