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Romance policial cearense

Batista de Lima


Um romance policial, na Literatura Cearense, é uma raridade. O aparecimento de uma narrativa nesse gênero, localizada em Fortaleza, nosso maior conglomerado urbano, necessita de uma análise cuidadosa. Isso porque nossa cidade já possui milhões de habitantes envoltos com vários problemas de uma metrópole, principalmente a violência, o que abre campo para narrativas policiais. Por isso que o livro "Morte mecânica", de José Alves, se torna curioso. Curioso como tudo que gira em torno desse livro. Não possui ficha catalográfica e os parágrafos são enormes, chegando a cinco páginas alguns deles. Depois, o autor confessou que apenas cinquenta exemplares foram editados.

José Alves, nascido no último dos anos quarenta, deve sua formação educacional ao Colégio Cearense, de Fortaleza, onde estudou por dez anos, à Faculdade de Medicina da UFC, durante seis anos, sem contar com dois anos de Marinha e um Curso de Letras na UECE. Curioso é encontrá-lo oscilando entre a pediatria e o ensino do Grego. Afinal, como professor da Universidade Estadual do Ceará, ainda reserva tempo para sua metade esculápia dedicar-se à saúde de crianças. É importante, pois, verificar, na sua narrativa, onde está a presença do médico ou do professor, na arquitetura do seu arcabouço narrativo, onde o estilo pessoal deixa transparecer intertextualidades.

As intertextualidades são oriundas de suas leituras de clássicos da literatura policial. Médico e professor, como o autor, o personagem principal é um aficcionado pela leitura de Conan Doyle, Agatha Christie, Simenon, P. D. James, Harry Kemelman, Luiz Alfredo Garcia - Roza, Donna Leon, Tess Gerritsen e Patrícia Cornwell. Essas leituras vão dando pistas ao longo do enredo.

Até seu nome literário, na capa do livro, se torna uma curiosidade, pelo fato de existir uma infinidade de José Alves por aí. Ora, se seu nome completo é José Alves da Rocha Filho, por que não se assinar literariamente como Alves da Rocha, mais sonoro e mais raro? Além disso, há o fato de que sua intenção de escrever uma história policial tenha se concretizado, mas ele acha que terminou por escrever uma história de amor. O que vale, no entanto, é a conclusão do leitor.

Na apresentação o autor confessa que o livro vinha sendo maturado há mais de uma década. Mesmo assim o texto é sem capitulação, os personagens sem nomes, trazendo algumas letras da música popular brasileira e sem uma sequência lógica temporal. A ambientação da narrativa se dá na cidade de Fortaleza, com algumas cenas tornando-se realidade na cidade de Guaramiranga. Além disso há uma mesclagem de termos da medicina, como "UTI", "velhos prostáticos", "estado de choque hipovolêmico", "fratura", "desidratação"; com termos oriundos do magistério de letras clássicas como: "ars longa, vita brevis", "primo movens", "primo mobilis".

Com essa linguagem de dupla feição, reveladora das profissões do narrador personagem, uma história se ergue com lances de puro mistério. É que uma onda de acidentes começa a atingir as pessoas do seu círculo de amizades. Nesses acidentes são utilizados carros geralmente de marcas diferentes. Toda a primeira metade do livro é utilizada para urdir o mistério que envolve esses acidentes. Só a partir do meio do livro é que evidências começam a se coincidirem o que estabelecem as primeiras pistas para a solução.

Essas pistas que vão surgindo, e que demonstram que não há crime perfeito, vão solucionando os crimes através das ligações existentes entre cada um. O fator principal de solução, no entanto, fica por conta do grupo de pessoas que é arregimentado para solucionar o quebra-cabeça que envolve a trama. Enquanto isso, começa a crescer a história de amor entre o personagem principal e uma colega de trabalho da área médica. Entre o plantão no hospital e as aulas da academia de ginástica, os dois vão se entrelaçando enquanto os crimes se desvendam.

Como os dois militam no mesmo ambiente de trabalho, o hospital, fica patenteada a utilização dos signos relativos à morte. Não é, no entanto, a morte convivida, aquela que ocorre no ambiente familiar. Ela ocorre no ambiente hospitalar ou na rua, de forma trágica, através dos acidentes que vão acontecendo ao longo da narrativa. Daí que um certo suspense começa a se estabelecer a partir do momento em que veículos variados vão provocando acidentes em pessoas que possuem laços de amizade. Para a criação desse clima de pesadelo, o autor vai entremeando sua narrativa com referências às tragédias gregas, matéria da qual é especialista no seu magistério cotidiano.

Ao final, depois de muito suspense, o mistério termina por se revelar, graças ao empenho de toda uma equipe de apoio, principalmente envolvendo representantes do DETRAN. Os veículos tinham a mesma origem proprietária. Era um empresário que os adquiria e colocava em nome de parentes próximos. Quanto ao filho do empresário, o verdadeiro vilão, com relação ao seu destino de criminoso, o autor não revela. É aí que entra a participação do leitor. Afinal, a suspensão do desfecho deixa em aberto a conclusão para que a história continue sendo escrita na mente de quem a leu. Esse final aberto coroa uma história de suspense que pontifica concretamente em um vácuo na literatura cearense. Agora podemos dizer que não somos mais tão carentes em narrativas policiais.


jbatista@unifor.br

11/10/11.

 

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