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Rodrigo da canção sem fim

Batista de Lima




Ser jovem é carregar pássaros cantantes no coração e borboletas esvoaçantes no estômago. Ser jovem é não ter fim. É conduzir as esperanças à frente e esquecer desenganos que rastejam atrás. Por isso que é bom conviver com jovens. A gente rejuvenesce. Parece que um pouco de suas latências se incorporam no nosso ser de adultos. É assim que a gente se sente ao ler os escritos de Rodrigo Dias. Mas Rodrigo passa o tempo querendo nos convencer de que apesar dos 18 anos não é mais jovem como os outros da sua idade. Ele vive espantando os pássaros que pipilam no seu coração e escondendo as borboletas que esvoaçam no seu estômago.

Rodrigo Dias quer nos provar que já nasceu maduro. Ainda glabro escreveu um livro com o título "O fim da canção", mostrando um choque entre dois mundos. Um, ele carrega na sua estrutura profunda; outro, ele mostra no seu entorno. Como o corpo é o limite entre essas duas dimensões, ele se preocupou com esse portal e resolveu fazer Medicina. Já está prestes a terminar o curso, mas o livro foi escrito antes dos dezoito anos, quando ele ainda era aluno do ensino médio nos Colégios Ari de Sá e Nossa Senhora das Graças.

Daí que à primeira vista o leitor não se entusiasma pelo diário em que se torna seu texto. Ai de quem ousar começar a leitura dos seus escritos. Não vai deixar de ir até à página 207 que é a última do livro. Talvez por isso que seu avô, o escritor Dias da Silva, após a leitura dos originais o levou à RDS Editora e transformou esse seu atrevimento em um livro surpreendente. Afinal, a impressão que se tem é de que Rodrigo Dias já está aos 40 anos e, um pouco desenganado com os jovens da atualidade, escreveu um libelo de alerta para o mundo desconhecido e em transformação que os espera. É por isso que o seu diário passa a ter feições de biografia, crônica, conto e romance o que ele nega com veemência.

Logo de início ele já nomeia a primeira parte do livro, de Decadência. Aí começa a falar de conscientização social, arbítrio, pulsão e ilusões. Assim, os assuntos mais controversos vão surgindo e ele os vai entrelaçando como forma de dizer que a vida é um banquete, que entre as iguarias vão sendo postos manjares divinos e cicutas mortíferas. Essas oscilações entre extremos são coisas de jovens e nisso ele se trai. Ele é jovem, apenas diferente dos outros, por ser viciado em boas leituras, ser caseiro e ter paixão por uma garota chamada Sofia.

Rodrigo confessa ser poético, amoroso e utópico. Escreve em primeira pessoa que é uma porta de entrada para o lirismo. Depois utiliza o pseudônimo de Humberto Costa, mas não diz por quê. Chega a afirmar que é portador de TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. É então que o leitor fica na dúvida se esse leve transtorno é só do Humberto Costa, ou do Rodrigo Dias, ou ainda dos dois. Mas isso é bom, porque o leitor é quem tem de resolver essas questões. Esse primeiro vazio do texto permite a quem está lendo, partir para resolver os enigmas textuais.

Rodrigo Dias ou Humberto Costa, ou o autor chama o leitor de "caríssimo bisbilhoteiro". Depois diz que tem três irmãos, mora em São Paulo com os pais e pela terceira vez está tentando o vestibular para Medicina. É existencial e vive "tirando o tempo a terreiro", culpando-o pelos desenganos que vão conosco à frente. Leitor dos clássicos, dá para concluir que ele andou lendo Sartre ou "O conceito de ironia", de Kierkegaard. Quando se sente atravessado por alguma nesga de humanismo, logo ele se corrige e passa a descrever a vida atribulada de um médico que é seu real objetivo.

Todo esse panorama muda na segunda parte do livro, que se intitula "Redenção", e que o leitor deduz que houve seu ingresso na Faculdade de Medicina. Há então um certo alívio para o leitor, afinal não é apenas o autor que vai se tornar médico, mas também o "bisbilhoteiro" que o acompanhou na sua via sacra inicial que finalmente respira são e salvo. É assim que o fim da canção primeira, um tanto tumultuada, vai dando lugar a uma outra mais moderada e menos pessimista. Não se sabe, no entanto, em que patamar se coloca Sofia, um verdadeiro lenitivo nos seus momentos de pessimismo.

Finalmente é preciso concluir que Rodrigo Dias é escritor. Possui um potencial que precisa ser canalizado numa direção bem definida para que saia do seu viés lírico pessoal e massageie as dores do mundo. Não se pode negar sua intimidade com a palavra. Sua frase enxuta, seu texto desgordurado são testemunhas de um jovem aficcionado à leitura. Prova disso é que suas citações de clássicos da Filosofia, da Sociologia, e da Literatura dão uma certeza de que é um jovem diferente da maioria dos seus pares. Seus amigos se apegam a valores triviais, através de leituras vazias de redes sociais, enquanto Rodrigo papira nos livros, os saberes que fermentam na sua inteligência, e podem brotar outros livros deliciosos como esse "O fim da canção", que parece mais uma canção sem fim.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 23/08/2016.


 

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