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  • Foto do escritorBatista de Lima

Retorno ao seguinte instante

Atualizado: 16 de jan. de 2019

Batista de Lima


Nada se move entre manhã e noite. A marcha sutil do tempo move a engrenagem emperrada do dia. José jaz na cadeira com seus olhos que não querem ver. Notícias não chegam, nem precisam. O que vale é a surpresa do que parece que pode acontecer. Afinal, tudo é pele. Desertas peles que se querem puídas. A pele arenosa em que sóis antigos não se constrangem. Eles brotam com suas auroras petrificadas como cactus que das areias brotam. São dunas que se dão as mãos. Não há Oásis nesse deserto pelado, capoeira sem fim em que o grito retorna sem resposta. Os outros pasmam-se com a luz que ofusca.

Nesse momento de retorno, o colarinho puído da manhã que cresce vem numa camisa de desbotadas cores. Essa veste se reverte do pudor mais puro, ao cobrir partes que se repartem entre furor e sono, e falam como segunda pele de longes que viraram pertos. Essa calça que um dia foi curta se curva agora em pesadas dobras e encobrem rios que de tão navegáveis e longos trouxeram o azul que do mar chegou. Essas rugas camufladas, e prenhes outras tantas, vão parir na sombra úmida de suor e dor. Essa segunda pele que se afeiçoa ao corpo lasso cobre os anos que nas mãos se mostram.

No seu terceiro apelo, José retém a casa, velha casa de telhado em riste. Pele feita de tijolo e barro, caibro e ripa, suas histórias se enramam nas paredes rígidas. Essa pele de tantas décadas tangeu o sol do meio dia, mandou a chuva buscar seus rios e fechou-se em travas contra os perigos. Nessa casa de tantas portas, latejam cheiros de um fogão a lenha e tem um santo que da parede aponta o céu que nos aguarda. Aquela mesa de tantos pratos trouxe sustança a muitos passos além da porta terreiro afora. Essa casa de tantas falas fez-se conselhos de proteção nos caminhares do seguinte instante.

Essas três peles de tão menores pediram outra bem mais segura. E o mesmo saiu do ninho em voos rasantes de longo curso. Foi buscar, nos livros e nas ruas grandes, a segurança dos dias a virem. Foi outra pele feita de letras em papel impressas que lhe convenceram que bem seguro estava. Subiu degraus, desceu escadas, tombou e levantou-se, tudo nessa busca dessa couraça de segurança. A selva agora enfrentada não cobrava faca nem facão, mas era mais selvagem que tantas outras dantes cavalgadas. Atrás dessa quarta pele, muitos outros também seguiam, todos querendo seu lugar debaixo de um sol insuficiente. É a grande cidade como um grande monstro, triturando os passos.

Esta cadeira que retém José, e em que reteve avós e pais, dá para terreiro vermelho e longo em que frondosa aroeira antiga vem fornecendo vestimenta última para os partintes do clã. É uma pele rígida que nos conduz deitados para o vigário nos benzer os pés. Depois seguramente e pelas alças conduzida não há como fugir dela nessa viagem última. Ninguém dela conseguiu sair, ninguém dela reclamou depois. E a saudade que o povo chora é de uma viagem que apenas começou.

Não é aí onde paramos de ter pele, pois sete palmos de terra nos esperam sobre a planta que nos retém serena e calma. Ainda há quem diga que é então que se inicia longa viagem a uma tal de plenitude. Mais uma pele se nos dão entre tantas para trás desperdiçadas. Portanto, desta cadeira que mal balança, deste alpendre que nem dá sombra, a gente sente um vento quente vindo da serra, pedindo infância para o instante, que possa vir logo a seguir.


jbatista@unifor.br. FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 08/01/19.



 

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