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  • Foto do escritorBatista de Lima

Retorno ao Engenho

Batista de Lima


Notícias que chegam de lá de nós dão conta que o velho engenho se mexeu na cova do abandono em que se encontrava. Depois de mais de uma década soterrado no esquecimento dos modernos costumes, ele vai fumegar em julho, depois de se refestelar do canavial que cresce viçoso no seu entorno. Bastou a notícia chegar, que os pendões de cana da memória começaram seu balanço ao vento e a glicose que transporto aumentou alguns pontos. Paguei alvíssaras para quem trouxe a notícia e no período da moagem estarei lá na fornalha da novidade.

A cana foi plantada em julho, no mesmo terreno de outrora, sem o uso da enxada no preparo da terra. Desta feita, um trator afoito em pouco tempo amainou o terreno. O plantio foi rápido e a terra seca aguada com a precisão de canos e uso de aspersão. Tudo modernoso e prático com pouca utilização do braço humano. Muitos se admiram da rapidez com que tudo foi feito. Importante é ver a cana já esverdeando o sítio e a expectativa do povo do lugar para ver a fornalha latejando.

Não sei se haverá cambiteiro com cangalha em burros no transporte da cana do corte para a roda do engenho. Talvez seja um trator arrastando carroceria carregada. Tombador haverá para tirar a palha da cana que não se envergonha de nudez, antes do abraço do tronqueiro lançar nas moendas que separam garapa de bagaço. Haverá caldeireiro e cortamel, mestre e caixeador, tudo como dantes ocorria. O mais importante é o cheiro do mel fervendo nas caldeiras e nos remetendo a velhas moagens de muitos dias.

Nas antiquíssimas moagens brasileiras as almanjarras eram puxadas por escravos, depois utilizaram-se éguas em vez de cavalos que eram mais lentos. Eram “ingenhos de besta”. Só com o tempo, as bestas foram substituídas por bois. Esse engenho Taquari há um século, quando começou a funcionar eram bois que o moviam. Quando a modernidade respingou por lá, entrou em funcionamento o motor a óleo. Já era o ano de 1955.

Nas madrugadas, o barulho do motor no seu ritmo sempre igual, era melodia aos ouvidos dos meninos adolescidos nas suas redes de varandas longas e lençóis cheirosos. Um dia, no entanto, a luz elétrica chegou e proclamou a aposentadoria do velho motor que por lá ficou desconfiado e triste. Um motor muito menor com o atrevimento da modernidade passou a fazer tudo que o grandalhão antes fazia. Entretanto foi no reinado dessa novidade que o engenho fechou, ferindo de nostalgia os moradores da terra.

Velho engenho de roupa nova, aí estaremos, meninos grisalhos, bebendo garapa do parol, comendo raspa de gamela e alfinim ainda vivo. E quando forem fazer batida que deixem aquele grande prato de barro com bastante raspa pregada para passarmos nossos dedos de saudade e lambuzarmos-nos do doce morno com gergelim e cravo. Quando o mel for retirado, para ser comido em casa, não esquecer o pão de milho, na consagração da mistura, celebrando o retorno, ao engenho da infância.

 

11/02/2020.

 


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