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Professor e aprendiz

Batista de Lima


Pois é importante saber que as pessoas, que lerem estas simples frases aqui escritas, estão conseguindo esse milagre graças à persistência de professores que lhes deram as chaves para ingresso no mundo simbólico das palavras escritas. Por falar em símbolos, uma das facetas dessas palavras aprendidas é permitir-nos narrar nossos sonhos, nossas emoções e embelezar as formas de dizer essas coisas.

Minha primeira professora foi minha mãe pois me ensinou a primeira palavra que aprendi, "mamãe". Ela foi quem primeiro me ensinou essa minha bela língua materna, tendo como coadjutor o meu pai. E foi simples esse aprendizado. Foi só dando nome às coisas que eu ia conhecendo. E foi aí que tive meu primeiro alumbramento. É que aquelas palavras que eu ia aprendendo faziam o milagre de trazer até mim, as coisas que estavam longe e não podiam comparecer à minha festa dos descobrimentos. Não foi tão difícil esse aprendizado primeiro. Afinal, mesmo sem livro, sem giz, sem pincel, sem cartilhas, eles abriram as portas dos primeiros conhecimentos, com a chave do afeto.

Esse afeto se tornou, na minha profissão de magistério, a ferramenta indispensável para que nessas décadas de sala de aula eu dialogasse melhor com as gerações de alunos que por mim passaram. Por outro lado tem me levado a refletir sobre essa cativante missão que é ensinar. Pois é importante saber que as pessoas, que lerem estas simples frases aqui escritas, estão conseguindo esse milagre graças à persistência de professores que lhes deram as chaves para ingresso no mundo simbólico das palavras escritas. Por falar em símbolos, uma das facetas dessas palavras aprendidas é permitir-nos narrar nossos sonhos, nossas emoções e embelezar as formas de dizer essas coisas.

Daí que o professor é aquele que sempre está dizendo as coisas. Ele sempre está falando por aquilo que não tem fala. Por isso que é preciso ter fórmulas de bem dizer. Não só o afeto para com quem está ouvindo mas a satisfação de quem está falando. Professor precisa gostar de ser professor. Pois ao longo dos anos tenho notado que há professores vocacionados para o magistério e há os que fazem do magistério apenas uma profissão. Esses esquecem da missão e se tornam apenas funcionários da instituição de ensino. Magistério tem algo de apostolado.

Há, no entanto, alguns contratempos que muitas vezes desestimulam o professor e são responsáveis pelo desinteresse pelos cursos de licenciatura, aqueles que formam os professores. Um dos primeiros desestímulos surge diante da desvalorização da profissão. O outro motivo forte é a violência instalada nas nossas grandes cidades, e que está vindo da rua para a sala de aula. O professor mesmo estando em sala de aula está sujeito à violência. Isso é também consequência das mudanças comportamentais que ocorrem no ambiente familiar. Nos últimos tempos, a família foi ao trabalho, e colocou todo o fardo da criação dos filhos como uma nova obrigação da escola. Os pais querem os filhos em tempo integral nas escolas, pois não estão em casa. Assim se forma uma geração de pessoas formadas apenas nas escolas.

Essa formação da escola está ficando a cargo principalmente da mulher. O magistério está ficando a cada dia um universo feminino. Muitas vezes a profissão que dá sustento ao casal é outra, e a mulher, para complementar a renda familiar, tem o magistério como saída. A formação da juventude se torna algo matriarcal. A cada dia o homem está se afastando do magistério e mesmo que se engaje ao ensino é como uma segunda profissão, principalmente no turno noturno.

O pior é que as turmas são numerosas e o mestre tem pouco acesso ao universo particular do estudante. Cada pessoa é um universo que possui suas individualidades. Ele pode até ter uma capilaridade comportamental comum, mas intimamente é um ser diferente dos outros. Hoje há outros professores que estão formando nossa juventude: a rua, a televisão e a internet. Esses três setores da vida não são controlados naquilo que emitem. Portanto o papel do professor se torna cada vez mais difícil pois os elementos que influenciam os garotos não têm o controle da escola.

O estudante hoje tem acesso a um volume tão grande de saberes que o papel do professor se torna muito mais de um administrador desse saberes. O que ele precisa é de procurar dar sabor aos saberes. O ambiente de aprendizado é composto por tantas iguarias que é preciso que indiquemos ao garoto qual a melhor para seu gosto de aprendiz. Essa nova linguagem, cognominada de internetês, está, mesmo comunicando, estabelecendo distanciamento da linguagem padrão. Essa desvantagem é ofuscada, no entanto, pelo poder de comunicação que a garotada está conseguindo. Está havendo comunicação pela internet, e isso é um ponto positivo. Nós que trabalhamos com correções de vestibulares, notamos ultimamente um certo progresso na elaboração de argumentos por parte de vestibulandos em suas redações.

Portanto pode-se dizer que o prejuízo maior causado pela internet é focado na linguagem escrita, porque a argumentação e o raciocínio lógico têm melhorado entre os jovens. E esse ponto positivo, no entanto, é oriundo das relações entre eles próprios e não de outra geração, como a dos professores. Aliás essa atual geração jovem é carente de parâmetros, de ídolos, modelos e perspectivas.

Nunca uma geração foi tão órfã de mitos. E aí o professor fica com uma missão ainda mais difícil, que é abrir horizontes para o jovem. Ele precisa incutir um sentido para a existência de cada um. Afinal ele está ali substituindo pai e mãe. Como novo pai do estudante, a profissão de professor nunca esteve tão comprometida com a formação do jovem. Pode-se pois dizer, pelo menos, que, nesse aspecto, o professor como condutor permanece mais professor e o aluno como navegante à deriva permanece mais aprendiz.


jbatista@unifor.br

14/09/10.

 

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