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Professor ainda ensina?

Batista de Lima


Depois de mais de quatro décadas em sala de aula, pela primeira vez um aluno me perguntou o que é necessário para alguém se tornar um bom professor. Se a pergunta tivesse sido feita em 1967, quando ingressei no magistério, a resposta seria bem diversa daquela que preciso elaborar agora. Afinal, é até perigoso se afirmar que depois de tanto tempo, de tantas mudanças, alguém ainda permaneça à frente de uma sala de aula. Mas estou. Mesmo sem saber se aquele garoto iniciante, ainda imberbe, que um dia fui, permanece no maduro professor de hoje.

Logo no início, cursei Letras e depois Pedagogia, pois achava que um bom professor de Língua Portuguesa precisava possuir essas duas licenciaturas. Hoje tenho minhas dúvidas se isso é necessário. Prova disso é que tenho colegas que não possuem nenhuma licenciatura e se saem melhor do que eu numa sala de aula. Isso prova que o talento é imprescindível no exercício do magistério. Parece que é preciso um chamamento, uma vocação, muito antes que qualquer licenciatura. Também não é apenas a utilização de modernas tecnologias que faz um bom professor.

Essas tecnologias são facilitadoras no processo ensino-aprendizagem. Entretanto não resolvem tudo, pois se assim o fosse, o aluno não precisava mais ir à escola. E é bom saber que nas sociedades mais desenvolvidas tecnologicamente, as escolas ainda existem, com seus professores, e são necessárias. O excesso do uso de tecnologias em sala de aula é tão prejudicial quanto sua falta total. O professor não deve se esconder por trás da máquina, pois pode significar sua limitação em lidar com pessoas. A palavra pronunciada na hora, e respondida de inopino, tudo carregado de emoção, é sinal de vida e pode ser veículo de afeto.

Essa afetividade nos leva a propor uma pedagogia do afeto como uma das soluções. Afinal, o professor, além de gostar de ministrar aulas, precisa gostar dos alunos. Precisa estabelecer com o aluno, uma parceria, cujos alicerces se fundem na afetividade para alcançar a efetividade. Feito isso, os saberes podem fluir de lado a lado, estabelecendo na sala de aula um ambiente de troca de experiências. Isso porque o saber não é privilégio do professor, mas disseminado entre o grupo que compõe a aula.

Aliás, uma boa aula é uma celebração. Ela provoca um refestelamento com o sabor do saber a ponto de não se encerrar. Uma boa aula nunca se encerra, principalmente se foi estruturada sobre a fome do saber. Essa fome de saber é o professor que provoca, que instiga. E se bem provocada ela se torna insaciável e faz com que o aluno se dirija à sala de aula como quem vai a um banquete. Mas é um banquete para o qual cada um leva suas iguarias para que haja uma troca de sabores e de saberes.

Essa celebração gustativa em torno dos sabores do saber leva-nos a concluir que ensinar é inserir o outro no mundo dos signos. Acontece que hoje, esses signos não são mais propriedade exclusiva do professor. Diante de tantas redes sociais postas ao alcance dos jovens, esses signos em profusão estão ao alcance de cada um, em um volume tão alentado e diversificado que o professor sozinho não dá conta de sua retenção. Por isso que seu papel é muito mais de selecionar e indicar para o aluno, o que lhe é mais necessário.

Hoje, uma tecla abre uma porta para um mundo que cada um deseja conhecer. O volume de informações é tão grande que o adquirente derrapa sobre o excesso de signos, fazendo com que o tudo termine virando em nada. Ora, se os contornos dos grandes eventos já nos passam despercebidos, imagine-se a essência das pequenas coisas. Isso leva à morte do detalhe e é bom não esquecer que grandes filosofias se enclausuram sob a sombra dos mínimos detalhes.

Os detalhes criam vida quando socorridos pela palavra. A palavra ainda é a grande criação do homem. No mundo semiótico ainda é a palavra que exibe a coroa de rainha. Por mais que as imagens falem é na palavra que elas mais transcendem. Daí que o bom professor se torna um bom credor de palavras. Ele precisa fazer com que o mundo se amplie muito além de suas dimensões, através da leitura, principalmente, nos contornos da subjetividade. Afinal, temos necessidade de mergulharmos no mundo simbólico, na estrutura profunda que nos leva a transcender do mundo caótico da objetividade.

Finalmente, diante dessas constatações, ainda podemos acrescentar a velocidade com que as novidades tecnológicas estão a acontecer. Se o professor não estiver bem antenado, fica na retaguarda dessa corrida em que se avança até mais de que cinquenta anos em cinco. Enquanto ele estiver vasculhando porões da Inquisição no seu velho livro de História, o aluno poderá estar twitando em tempo real, à sua frente, uma batalha entre forças da Otan e soldados líbios nas cercanias de Trípoli. Por isso que o estudante perguntador concluiu nossa conversa com uma pergunta preocupante: - Professor ainda ensina?


jbatista@unifor.br

31/05/11.

 

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