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  • Foto do escritorBatista de Lima

Praça Siqueira Campos

Batista de Lima



Um grupo de cratenses está elaborando um conjunto de depoimentos dos freqüentadores mais assíduos da praça Siqueira Campos nos seus tempos mais românticos. Veralúcia Gomes Maia é uma das organizadoras dessa coletânea. Ela e mais outros jovens da sociedade do Crato tinham como divertimento dos inícios de noites, passear na praça e exercitar o flerte debutante de futuros namoros, e até de casamentos que perduram até o presente momento. O romantismo cratense tinha como principal ponto de referência, aquela praça central da cidade. As moças volteavam na praça e os rapazes, em pé disputavam os seus olhares. Ali, nas minhas folgas do rigoroso internato do Seminário Sagrada Família, também participava daquele encantador convescote noturno. Às vezes vinha a dúvida: por que esse lado dionisíaco da praça não se estendia à Praça da Sé, à Praça São Vicente (que ninguém chamava de Juarez Távora, seu nome real) e nem à Praça da Estação? Os jovens assistiam à missa na igreja de São Vicente, com Padre Frederico, ou na Sé, com o Bispo, mas vinham passear na Siqueira Campos. Uns diziam que na Siqueira Campos, como era uma praça sem igreja, podia-se pecar melhor nos pensamentos e palavras. Havia alguém que dizia que era uma divisão entre o profano e o sagrado, afinal ali estava também o cine Cassino e, a alguns metros, o sofisticado cine Moderno. Também ali estavam os melhores bares, lanchonetes e bancas de revista. O fato é que a Siqueira Campos era o ´point´. Quanto à Praça da Estação, havia uma destinação para um público mais periférico, e a proximidade do trilho, que ao ser ultrapassado para os lados do Glorinha ou do Gesso, podia-se entrar em estado de pecado, já que nesses dois famosos lupanares o amor tinha seu preço. O Crato dos anos dourados possuía uma juventude sadia nos seus sonhos e politizada nos seus primeiros arroubos mudancistas. Havia uma União dos Estudantes Cratenses onde os discursos de Mitermaia Olinda e Antônio Vicelmo eram assunto das bocas de noite no aconchego da Siqueira Campos. A juventude dourada se dividia entre o Colégio Santa Tereza para moças de fino trato e o Colégio Diocesano para os rapazes bem nascidos, da região, que deram décadas de dor de cabeça ao Monsenhor Montenegro. Mas havia ainda o charme paralelo do Colégio Madre Ana Couto, do Patronato, e dos dois seminários. Era pois uma educação passada sob o crivo da religiosidade. Era uma religiosidade aristrocática, diferente da de Juazeiro, mais popular. Era um poder religioso bem nutrido a ponto de não se saber quem pesava mais, se D. Vicente ou Pe. Frederico, se os padres alemães do Sagrada Família, ou os padres seculares do Seminário São José, se as freiras do Colégio Santa Tereza ou as do Madre Ana Couto. O certo é que o Crato era fiel ao seu nome de origem etimológica: curato. Era a terra dos curas, das igrejas, dos internatos, das procissões de Corpus Christi, quando todos os colégios desfilavam contritos na rasteira do senhor Bispo pelas ruas calçamentadas. Diante de tanta pureza, é difícil se imaginar onde poderia se instalar algo de profano nesse mundo. Mesmo assim era na Praça Siqueira Campos onde a fina flor programava as tertúlias do Crato Tênis Clube, as baladas da AABB, as partidas de futebol de salão na Quadra Bi-Centenário. Ali grandes jogos ocorreram, atletas viraram ídolos. Quem não se lembra do conhoto Gladson, com seu chute violento? Do goleiro Manga, de Paulo Frota? E os times do Votoran, AABB e Drasa? Também o Diocesano com Ítalo comandando um quinteto imbatível e a bateria do colégio nos desfiles patrióticos? Tudo isso possuía um fundo musical comandado pela amplificadora cratense que acordava a população, aos domingos, com o Intermezzo e a voz tonitroante de Wilson Machado ou de Cândido Colares. À noite a amplificadora tocava Aguinaldo Timóteo, Moacir Franco, TIM Maia e Roberto Carlos. Depois é que vinham as rádios Araripe e Educadora. Nas rádios, os locutores que marcaram época foram Edilmar Norões, Heron Aquino e Eloy Teles. Tudo isso era assunto para a praça Siqueira Campos, inclusive o desempenho dos melhores professores da época: José do Vale Feitosa, Vieirinha, Hermínio Rebouças, Adalgisa Gomes de Almeida, José Newton Alves de Sousa, Luís de Borba Maranhão, as irmãs Esmeraldo e os padres dos seminários. Já na política cujas discussões ocorriam à tardinha na praça, envolviam Pedro Felício Cavalcante, Filemon Teles, Ossian Alencar Araripe, Jósio Alencar Araripe e Wilson Gonçalves. O jornalismo escrito tinha que passar por Lindemberg de Aquino e Huberto Cabral. Divertir-se era recorrer ao Crato Tênis Clube, AABB, Itaytera, Granjeiro e Serrano. Já a gastronomia derivava entre o Gaibu e o Neném. Os mais afoitos iam ao Pau do Guarda. Como se vê, não havia acontecimento no Crato que não viesse primeiro a ser adubado na Praça Siqueira Campos. Daí ser importante essa revisita feita por Veralúcia Maia, Eleonora Albuquerque Batista, Zemir Pimentel e Rute Maria Cruz. Voltar à Praça Siqueira Campos é uma forma de restauração da memória cratense. Entrando nesse clima de retorno, é só passar em seguida na Livraria Ramiro para ver os últimos lançamentos literários, e na banca de jornais, comprar a revista O Cruzeiro onde a cratense Francy Carneiro Nogueira brilha por ter tirado o segundo lugar no Miss Brasil, representando o Ceará, depois passar pela exposição e ouvir Luís Gonzaga louvando o ´cratinho de açúcar e o tijolo de buriti´.

 

05/05/2009.

 

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