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Poeta de vocação barroca

Batista de Lima



O mais recente livro de poemas, de Luciano Maia, "Mar e Vento", da Expressão Gráfica Editora (2009), traz breve mas significativa apresentação de Ildásio Tavares, e prefácio de Napoleão Nunes Maia Filho. O texto de Ildásio traz uma revelação sobre o autor do livro, que margeia toda sua obra poética até hoje editada. Luciano Maia é "um poeta de evidente vocação barroca". Desde os primeiros poemas desse poeta de Limoeiro do Norte, enfeixados em "Jaguaribe - Memória das águas", de 1982, que essa vocação está presente. Sua principal característica é uma oscilação permanente entre forma e emoção, entre o clássico e o moderno. Esse fazer poético da geração 60 mostra o domínio do metro e da rima por parte de seus autores, mas ao mesmo tempo, uma tentativa de livrar-se dessas amarras clássicas para o enveredamento pela liberdade sem rédeas da criação literária. Isso faz com que um poeta como Luciano Maia se apresente permanentemente no limite entre variados polos dicotômicos. Suas dicotomias se incrustam entre o clássico e o moderno, a forma e a emoção, o mar e o vento, o nômade e o sedentário, o passado e o presente, as manhãs e as noites, o encantamento e a revelação, o dionisíaco e o apolíneo, o ser e o estar, o bem e o mal, a pergunta e a resposta, o rural e o urbano, as metáforas e as metonímias, a inspiração e a transpiração. Esse homem dividido ora apresenta os labirintos dos devaneios quixotescos que transporta, ora finca os pés numa racionalidade corretiva de um Sancho Pança. Todavia é no contraponto entre mar e vento onde se abre a porta maior para que ingressemos nessa sua nova construção poética. O mar é sedentário, com suas raízes líquidas se aprofundando na subjetividade. O vento é nômade, cigano inquieto se alimentando da claridade objetiva. É por isso que no Prefácio, Napoleão Maia evidencia esses dois mitos luciânicos, "metáforas do desconhecido e dos impulsos". E por falar em metáforas, se o leitor atingir seu ninho, onde elas se alojam feito enxames, cardumes e rebanhos, vai encontrar, cevada, uma robustez poética. Essas metáforas vão entrando em cena, uma por uma, enfeitiçando o leitor. Daí vão se revezando: "cardume alado das estrelas", "mão oceânica do vento", "águas hesitantes", "rosto da verdade", "solidão recostada no cipreste", "mundo de naufrágios", "infância das águas", "outro lado da chuva", "vôos despedaçados", "consteladas solidões" e "vento augural". Rastreando essas e outras metáforas desse livro de Luciano Maia, detecta-se um tom elegíaco, uma ode outonal, um "confíteor" de quem ultrapassa os umbrais de um portal entre dois momentos da existência, com um passo incerto à frente e um olhar de terna nostalgia mirado para felicidades anteriores. Esse livro fala muito de uma saudade diferente da que aparece nos livros anteriores. O poeta parece ter consciência do poder corrosivo que o tempo impõe a cada um de nós. Por isso "as brisas andam cheias / de saudades, chorando horas a fio". Depois, a casa ancestral se torna não só um depositário de memórias mas uma saudade dorida e sem jeito. Os pais se põem "em torno à mesa, sorridentes". As paredes da casa murmuram seus nomes e pronunciam suas frases prediletas. A mesa se ergue na cena familiar como o parlamento do clã e um monturo de sinestesias que o tempo não consegue desonerar. Nesse cenário, o perfil do avô se estrutura como "conterrâneo da lua e da umburana / do cumaru, do sol e do pau d´arco / caminhante de sonhos e veredas". Esse avô sisudo e suave é descrito belamente como um verdadeiro "cardeiro florido". Que bela metáfora para nos apresentar aquele homem do sertão que mesmo espinhento e sisudo tem seus momentos floridos. Esse retorno do pródigo Luciano à casa da infância merece ser festejado com o mais tenro cordeiro nas terrinas da memória. Que a mesa posta refestele também seus leitores, com o sabor dos signos poéticos. Esses signos vão entrando em cena com seus melhores trajes, com suas motivações mais criativas. O poeta é um motivador de signos, um decorador da construção textual, um terapeuta verbal. Cada palavra é, antes de ser colocada no perfilamento sintagmático, auscultada nos seus desvãos. Daí que elas se tornam felizes, sorridentes até. Essa relação verbal é o que leva à transpiração do poeta. É preciso, no entanto, que, em num momento anterior, a inspiração conduza o artífice do verso ao seu atelier de construção verbal. A inspiração é um fenômeno imprevisível que aparece de repente sem aviso de sua chegada. Por isso que se não for fisgada no momento certo pode ficar desperdiçada para sempre. Por isso que em certo momento do livro o poeta reclama: "A estrela me acenou um poema / que nunca escrevi". Essa inspiração resgata o poeta de suas leituras, de suas intertextualidades, levando-o a trabalhar metapoemas em que canta os poetas que mais o influenciaram. Começa com o "poetinha do amor e do perdão", Vinícius de Moraes, depois passa por "Rosalía de Castro, a que cantou a dor do irmão galego", e retorna a "Mihai Eminescu, poeta das distâncias estelares". Não podia, no entanto, esquecer aquele a quem um livro inteiro dedicou, "Pablo Neruda, poeta da canção desesperada", nem ao mártir maior da revolução espanhola, "Federico García Lorca, poeta cantor do céu da Andaluzia". Essa sua homenagem poética vai a "Lucian Blaga, poeta inventor de luzes e perguntas", para depois retornar ao nosso Ceará com "Francisco Carvalho, poeta domador das éguas ruças", a "Jorge Tufic, vate fenício, aliás pastor de ovelhas", e chegar a seu irmão, o mais virgílio dos irmãos Maia, "poeta das trilhas memoradas". Finaliza esse canto aos seus poetas prediletos ao resgatar "a infância e a morte nas evocações de Manuel Bandeira", e o que há de transcendente também em Cecília Meireles quando evoca essa indesejada de cada um. Como se vê, esse é o livro em que a maturidade existencial mais aflora em Luciano Maia. É o momento poético de sua trajetória literária em que os temas outonais como tempo, memória e morte mais afloram. Por isso que, depois desse rápido rastreamento do leitor, prospecta-se um poeta que, se na estrutura de superfície, a condição sessentona nada lhe afetou, na estrutura profunda já brotam sinuosidades que nos levam a refletir sobre a condição efêmera do existir.

 

13/10/2009.

 

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