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Poesias de diferentes gêneros

Batista de Lima


A poesia pode se apresentar com sua linguagem funcionando geralmente como emotiva, apelativa ou referencial. Aquela que é centrada no eu do poeta, encarregando-se da transmissão de suas emoções, memórias ou dramas é a lírica. Quando sua função se centra no outro, no circunstante, receptor, então ela vem revestida de apelos, daí ser chamada de apelativa. A referencial é a poesia das grandes epopéias em que há um relato histórico embutido em seus versos. Por isso que ao abordarmos um livro de poemas já detectamos qual o tipo de função da linguagem utilizada pelo poeta. Um exemplo de poemas marcados pelo lirismo é o que produz a escritora Talita Nogueira.

Talita Nogueira acaba de escrever "Como se fosse verdade", uma coletânea de poemas líricos que agora editada, nos provoca a dizer também umas verdades sobre sua poesia. Primeiramente constata-se que seu melhor poema é a Nota da Autora, no começo do livro, em que ela revela sua profissão de fé e outros detalhes particulares que não teve coragem de revelar nos poemas. No texto ela fala de medos e ternuras. Não esquece de envolver o pai e faz a apologia da palavra. É nesse momento que o leitor se deslumbra.

Talita, quando sai para passear com as palavras, confidencia devaneios, travessuras, nostalgias e dramas. No meio dessas confissões ela revela às palavras também seus desenganos como acontece no poema "Preliminares": "Ainda tenho guardado / O gosto daquele beijo / Que você nunca me deu". Essa amizade íntima com as palavras resulta em 70 encontros em que as duas se dão as mãos e produzem rebeldias e traquinagens. São encontros em que Talita põe as palavras para ficarem fora de si. Daí surgem poemas líricos porque ela também contribui virando-se ao avesso. "E já disse que não sou feliz / Cansei de sorrir".

Talita Nogueira não precisa sorrir, as palavras ficam a sorrir por ela. Até Miró quando foi mirado por ela "cantou feliz". E numa intertextualidade à Baudelaire que um dia disse: "Embriagai-vos / não importa de que / mas embriagai-vos", ela vocifera "Embriagar-me / Embriagar-te / Embriagar-nos (?) Imersa em goles de ti...". Além de tudo isso, a autora ainda metaforiza o tempo em "Hoje é um dia tímido / Em que as estrelas ficam frias / Hoje o dia é cinza / Hoje o dia é resto". Há uma certa melancolia na poesia de Talita. É uma catarse, mesmo ela dizendo que não escreve para solucionar algo. Mas soluciona e muito. Sua poesia emerge de profundidades riquíssimas e alaga o ser do leitor, salvando-o de mesmices.

Outro caso de linguagem poética diferente fica por conta do cordel, que mesmo não sendo necessariamente épico, é geralmente referencial. É o caso do poeta Edmar Melo.

Afinal, a afirmação de que o cordel é a crônica do sertanejo iletrado já é algo superado diante dos poucos iletrados que ainda existem no sertão. Também há o fato do cordel ter invadido os salões da elite pensante desde que Leonardo Mota cobrava até ingresso para falar sobre poesia popular no Nordeste, Rio e São Paulo, no começo do século passado. O cordel já invadiu até as redes sociais com seus blogs correndo mundo, saltando dos seus cordões para os salões. Esse livro de Edmar Melo, "Fatos e Versos", é prova de que não há mais fato do dia a dia isento da amarração no verso popular. Seus versos saem quentinhos como pão da hora sobre a massa de fatos do hoje, do cotidiano. Não relê mitos da antiguidade, já que eles praticamente se transportam para o presente.

Edmar tem raízes poéticas lá na nação da família Mourão da região de Ipueiras. Teoberto Landim, Valdemir Mourão e principalmente Gerardo Melo Mourão estão presentes no seu DNA. Por isso, os versos de crítica social, a metrificação enxuta, as septilhas e as décimas, todos em redondilha maior, mostram as influências dos bardos sertanejos, que trafegavam por estradas poeirentas de viola nas costas, e da sua ancestralidade.

Antigo bancário, depois advogado atuante, esse lavrense é fiel às origens regadas pelo rio Salgado de tantas lágrimas, suores e sangues. Um dia despencou no barranco e veio emergir na Capital.

No seu livro, os fatos do cotidiano vão desfilando nos seus versos como em um jornal versificado. Políticos, religiosos, ricaços, espertalhões, os vendilhões do templo são expostos nas suas fraquezas e às vezes até nas qualidades suspeitas. Ninguém escapa nos seus versos. Das ideias papais ao projeto "cura gay", das obscuridades políticas do Maranhão às discussões no Supremo, ele trafega poeticamente com desenvoltura. Talvez, então, ele nem saiba que a culminância do seu livro esteja exatamente no poema "Os adágios populares de comidas", o único não circunstancial.

Edmar Melo é poeta social. Faz uma leitura dos acontecimentos contemporâneos e os põe no papel de forma metrificada. Entretanto o que se destaca é sua interpretação do fato, e aí ele se torna um imperdível formador de opinião. Edmar impressiona pelo trato ao verso e pela escolha da temática.

Seu caminho poético de rastreador de aconteceres do mundo do seu entorno não revela o eu lírico como o faz Talita Nogueira. Entretanto é o rastreador que delimita o ponto certo para o mergulho da prospecção. Nesse ponto, os dois se chocam e a poesia os salva.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 25/11/14.


 

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