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Poesia por um Tris

Batista de Lima


A poesia de Ylo Barroso Fraga leva à conclusão de que ele é um poeta maduro e que esse não é o seu primeiro livro. Ele trafega pelos labirintos da criação poética com tal desenvoltura que se coloca entre os melhores versejadores desta terra de "Iracema". Ylo Barroso Fraga é neto de Antônio Girão Barroso e sobrinho de Oswald Barroso. Essa informação não está escrita no seu livro de poemas "Tris", mas está impressa no DNA de seus versos, no lirismo que transpira. Apenas no texto auricular, em que Oswald disseca seus poemas, é que aparece referência a Trairi, onde o poeta se esbalda com imagens marítimas. Depois, ao final do texto, Oswald fala do poema "Azul", escrito "no estilo do avô, um concretista lírico". Qualquer poema poderia ser comentado com loas pois o poeta segura a qualidade ao longo das 83 páginas, da Editora Corsário.

O livro, lançado em 2008, traz ainda uma introdução de Carlos Emílio Correia Lima que fala de "mensagens amnióticas", "pais ctônicos do sertão", "correntezas mnemônicas da atmosfera", "fluidimentos de uma caligrafia", "nervuras da chuva decifrantes", "vozes de porcelana", "florações plurais", "escadaria marítima de ritmos", "doces revoadas de insetos caligráficos", "diálogo vapóreo" e "lentárias canções". Pelo que deduzi do texto inteiro, o que o autor quer dizer é que os poemas de Ylo Barroso são bons.

Referendado pelas recomendações de Oswald e Carlos Emílio, mergulhei nos poemas do novo poeta sem medo de afogamento. Fui pelas beiradas tomando pé, procurando na estrutura de superfície, detectar onde as metáforas faziam seus ninhos nas profundezas. Isso é como quem pesca ostras e conchas, quem vai em busca de pérolas. É preciso mergulhar com bastante fôlego nos locais mais fundos do manancial porque é lá onde as delícias dormem. É como um jogo de esconde. O autor vai na frente, escondendo filões, e o leitor vai atrás, desenterrando preciosidades. Pois Ylo Barroso é exímio nessas armações, faz poesia como quem planta pepitas. Muitas delas, estando no mais fundo do mar do texto, avisam que o poeta com sua vivência em Trairi fica pela praia do lugar com seu anzol fisgando imagens e marinhagens.

Feliz de quem vive à beira mar. Ali, a inspiração vem à tona. "Neste lugar místico e tão sem passado / enterro nomes antigos / enquanto avisto o mar". Esse mar de Trairi é o mesmo mar do Padre Antônio Tomás de "A morte do jangadeiro". É o mar em que "a lua pálpebra semicerrada, espreitando, sob um véu de neblina cheia de maré" oferece ao poeta uma terrina de mistérios prenhes de poesia. Surfista, ele não navega apenas as ondas, mas cavalga o dorso das correntes que instauram a ossatura marítima em um trato em que as águas lhe dão a calma e ele fornece a fúria. É do choque entre esses dois estados opostos que o verso se destila. É dessa tensão alada de onde surge a depuração do sal poético. Esse poeta consegue acalentar as fúrias dos elementos com a humanização criadora.

Algo que não fica explicado é a razão do título, "Tris". Para o resenhador ficaria bastante cômodo o título "Poesia por um Tris" para sua apreciação. Isso no entanto daria a entender, por outro lado, que por um tris, também poderia não ser poesia. Isso não é verdade. A poesia de Ylo Barroso Fraga leva à conclusão de que ele é um poeta maduro e que esse não é o seu primeiro livro. Ele trafega pelos labirintos da criação poética com tal desenvoltura que se coloca entre os melhores versejadores desta terra de "Iracema".

Uma das suas primeiras preocupações é cantar sua terra. Isso é característica dos grandes poetas. Daí que ao sair do "mar", ele desembarca na sua Trairi, onde "viver era muito ali". É então que ele destravanca o baú de suas memórias e como bom filho, à sua mãe retorna. "De que matéria é feita a memória / e para que servirá? / meus cabelos irão crescer em qualquer direção. / Oh estiagem branca, seio arbóreo de minha mãe, / visível e em pelo, devoto e devorador". Essa ligação com a mãe é uma ponte para a língua materna, a terra e a casa.

Essa casa é uma pele que não desgruda do poeta. Acolhimento e grande útero, o lar é altar de visitação para os reclamos da memória. "A tarde em meus olhos visita a casa … / a honestidade da casa em branco contorno /. A mente da casa é um fino regato". Quanto à terra que lhe cede os alicerces, o poeta não esquece de louvá-la: "a terra elucida-se / à pele do pé": Essa terra festejada pelo mar, pelas ondas, só podia também ser bafejada pelo vento: "vento que deposita ossos na brevidade / (…) é esse vento que ouço gritando / aquilo a que chamam silêncio?".

Além do vento, da casa e do mar, outros elementos do texto se apresentam engalanados metaforicamente. Assim vamos encontrando: "pacto mineral", "pés pantanosos", "filho da distância", "meu silêncio será teu adubo", "acho que hoje vou chover", "ciranda crua", "latidos insones" e "madrugada feito flagelo". E quando a metáfora não mostra sua face, mesmo aparecendo o poema com feição de simplicidade, o conjunto do texto termina por instaurar o poético. É o caso de "Ainda, oblivion", em que ele diz: "meu amor te escrevo / do paraíso / vim buscar umas coisas / que tinha esquecido".

Ao final da leitura do livro fica a sensação de que poesia é alimento do espírito, mesmo se falando de coisas tão particulares do autor, como o vento da sua terra. Afinal, tem dias que o vento vem pesado de notícias mesmo impresso no texto. Umas notícias merecem alvíssaras, outras são feitas para se esquecerem atrás da porta. O importante é que tudo se nos apresente com a vestimenta confeccionada por Ylo Barroso, que consegue tecer as mais belas imagens para os seres mais simples. Esse é o mistério do fazer poético.


jbatista@unifor.br

24/08/10.

 

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