top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Poesia e tradução

Batista de Lima


O poema traduzido não traz a sustança do poema lido na sua língua de nascença. Foi por isso que José Albano encontrou a solução acertada. O autor de "Rimas", para ler a "Ilíada", de Homero, foi à Grécia e aprendeu grego. Para ler os clássicos alemães e franceses, ele aprendeu as duas línguas em que os autores escreveram seus livros. Assim, em todo o seu périplo por países do velho mundo, Albano, além de seguir o percurso de seus ídolos, ia também aprendendo suas línguas.

Traduzir poemas é uma temeridade. Muitas vezes é preciso que o tradutor seja tão poeta quanto o autor traduzido. Por isso que Manuel Bandeira se deu bem nessa difícil tarefa, ao traduzir bons poetas europeus. Mesmo assim o poema traduzido não traz a sustança do poema lido na sua língua de nascença. Foi por isso que José Albano encontrou a solução acertada. O autor de "Rimas", para ler a "Ilíada", de Homero, foi à Grécia e aprendeu grego. Para ler os clássicos alemães e franceses, ele aprendeu as duas línguas em que os autores escreveram seus livros. Assim, em todo o seu périplo por países do velho mundo, Albano, além de seguir o percurso de seus ídolos, ia também aprendendo suas línguas.

A propósito dessa questão de tradução, é importante se conhecer o que afirma Miguel de Cervantes no seu clássico "Dom Quixote de la Mancha". "Parece-me que o traduzir de uma língua noutra, em não sendo das rainhas das línguas, grega e latina, é como quem olha os tapetes flamengos pelo avesso, onde ainda que se vejam as figuras, estão cheias de fios que as escurecem e não se veem com a lisura e a tez da face; e o traduzir de línguas fáceis não manifesta engenho nem elocução, como o não manifesta o que traslada nem o que copia um papel de outro papel. E não quero por isto inferir que não seja louvável este exercício de traduzir, porque noutras coisas piores se poderia ocupar o homem e que menos proveito lhe trouxessem".

Essas observações vêm a propósito do mais recente livro de Waldir Rodrigues, que apesar de ser uma edição bilingue (português e alemão), só traz o título "Rosen Von nimmermehr". Na capa, ou em algum momento do livro, poderia aparecer o título em português. Segundo o autor, esse livro está na Biblioteca Nacional de Berlim, ao lado de Goethe e Heine. E esse já é o segundo livro seu traduzido para o alemão por Sérgio Krieger Barreira, para orgulho imenso desse poeta piauiense que o Ceará sabiamente adotou. Entretanto, o poeta lamenta que sua terra natal, o Piauí, não sabe disso. Acredito que o Ceará também não sabe, infelizmente.

Valdir Rodrigues é um sonetista brilhante. Li seu livro, evidentemente na minha língua materna e não parei a leitura até chegar ao último poema. O mérito desse poeta está em ser um bom sonetista e escrever em língua portuguesa, "última flor do Lácio, inculta e bela". O que torna essa "flor" mais culta é seu texto com suas palavras aprendidas nesta região nordestinada. Se o Piauí não conhece seu estro, não é traduzindo para o alemão que os leitores seus conterrâneos vão conhecê-lo. Vamos trabalhar, Valdir, para nossos circunstantes nos lerem.

Meu amigo Valdir Rodrigues, que beleza vem embutida nestes tercetos do seu soneto "Mãe": "Minha mãe costureira diplomada / Emendava retalhos de ilusões / À minha pobre vida esfarrapada.../ E bordava arabescos inclusive / Ao chulear dragonas e galões / Para as vestes da glória que não tive..." Essa beleza, no entanto, só é permitida, porque você transmitiu através desta bela Língua Portuguesa, que pulsa em você e em mim, leitor, com a cadência do coração de nossas mães, e com o testemunho de nossas pais, e com o gosto que vem da terra, como água de cacimba, como cheiro de chuva e flor de jitirana.

Da mesma forma, quão terno é esse seu soneto "Berço de vime", em que você sequestra o leitor logo no primeiro quarteto. "Este berço, querida, que hoje é teu / Tosco e tão pobre, feito só de vime / À tua maninha outrora pertenceu / E para nós tem um valor sublime". O mesmo acontece quando em um simples poema circunstancial em homenagem ao poeta-repentista Geraldo Amâncio, seu e meu amigo, você conclui com esse belo terceto: "E ele, dedilhando a viola louca / Tem a alma gemendo pelos dedos / e o coração chorando pela boca!..." É esse tipo de verso que revigora nossa língua. A poesia vitamina este idioma tão acometido de estrangeirismos.

Mesmo quando encontramos o poema "História do soneto", é a Língua Portuguesa que dá o tom para que Petrus de Vínia, Dante, Petrarca, Tasso e Banchs sejam apresentados e perfilados em dois tercetos de versos decassilábicos de um soneto com rimas ABAB ABAB CCD EED. Esses gênios da construção do soneto se curvam não só ao seu engenho de urdir estruturas, como se enclausuram nas malhas tecidas com termos de nossa língua. De todos os seus sonetos deste livro, no entanto, aquele que apresenta a mensagem mais contundente é o "Lamento negro". Nele está impresso o grito de uma raça ainda discriminada neste Brasil de hoje.

No final do livro aparecem os poemas de verso livre. São poemas potentes que trazem desabafos e principalmente uma certa angústia comum no outono da vida. Uma verdade que aparece na página 118 precisa ser transcrita: "... aqui / Todo mundo é poeta / Ou foi aos dezoito anos / Ando escondido em mim mesmo / Com medo de ser vulgar". Realmente, a impressão que se tem é de que os melhores poetas do mundo estão entre nós. Jogam-se algumas palavras em páginas brancas de vergonha e proclamam-se grandezas poéticas que não existem. Temos, entre nós, bons poetas, mas, muito mais, temos pessoas que se julgam gênios do verso, longe de serem poetas.

Finalmente, chega-se ao final do livro de Valdir Rodrigues com a certeza de que valeu a pena sua leitura. Ao mesmo tempo, numa parceria que se instaura, procura-se estimulá-lo a outras produções, diante do seu pessimismo diante da vida. "Do abismo da poesia / para os abismos do mar / pela escotilha dos sonhos / vejo a vida que passou / e no cair dos desenganos / minha vida naufragou!..." Mais adiante ele ainda arremata: "navios ancorados / Apitam fúnebres / Em minha homenagem". Pode ser o contrário, esses navios podem estar apitando de alegria pelos seus versos, pela sua capacidade de transformar até as angústias em tão sonoros e profundos versos que glorificam essa nossa querida Língua Portuguesa.


jbatista@unifor.br

27/07/10.

 

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

コメント


bottom of page