top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Poesia de agora

Batista de Lima


Alguns poetas destacados pela antologia surpreendem, mesmo não dando continuidade à sua lida em torno dos versos. É o caso, principalmente, de Marcel Mendes, bom poeta de quem não se tem notícia literária na atualidade. Seus poemas, na antologia, demonstram um senso de criação que impressiona pela versatilidade.

A certa altura do seu primeiro poema ele revela: "a minha irmã que eu não tinha / sentia saudades e desejos vagamente"

Este é o título da última antologia compilada por Carneiro Portela. É o último suspiro do Clube dos Poetas Cearenses. O ano é 1981. São 126 páginas e a publicação é da Secretaria de Cultura e Desporto. A capa, que é uma verdadeira obra de arte, foi elaborada por Rosemberg Cariry sobre um desenho de Luiz Carimai. Não há prefácio, o que já é um avanço, pois prefácio nunca explicita a verdadeira imagem dos escritos de um livro. Entretanto, há uma relação de nomes de personalidades a quem a publicação é dedicada. Essa relação vai de Lúcio Alcântara a Conceição de Maria. São vinte homenageados.

Nessa antologia desfilam 16 autores, inclusive com alguns que não participaram das quatro anteriores. Apesar da melhoria da qualidade dos poemas, com relação às anteriores, há um pecado dessa antologia que não passa despercebido. Trata-se dos inúmeros erros ortográficos com que o leitor vai tropeçando. Só na página onze, por exemplo, há dez erros que uma simples revisão teria evitado. Outro senão ainda responde pelo tamanho dos textos. Os maiores são os mais fracos. Há, no entanto, bons poemas.

Carneiro Portela, no seu "Poema para pular do telhado," afirma: "ontem comecei a me lembrar / da cidadezinha que me ninou / quando criança / e tive a sensação estúpida / de pular do telhado / para buscar o tempo / que se escondeu de mim". Fernando Néri mais uma vez impressiona pela rudeza de seus versos e sem dúvida representa o melhor momento da seleta. "Não sou eu quem me cala: é o fuzil (…) o poema não pode mais / ficar detido no silêncio / desta sela sem vocábulos (…) minha boca é uma prisão a ser aberta / e os verbos, marginais / que precisam de delitos para sobreviver".

Outro poeta de verso consistente, remanescente do Grupo Siriará, é Floriano Martins que apresenta imagens fortes nos seus poemas. "A forma mais viva / de permanecer é criar (…) E estou aqui / com toda a natureza / entre palavras (…) Homem algum evita à vida seus suspiros". Nessa mesma linha podemos incluir Geraldo Urano com suas imagens inusitadas: "uma passeata é uma coisa quente / mas não odiamos ninguém (…) uma coisa é discutir / a aparência das conservas / outra coisa é sofrer com as vacas / o pesadelo das latas".

Outros poetas surpreendem, mesmo não dando continuidade à sua lida em torno dos versos. É o caso, principalmente, de Marcel Mendes, bom poeta de quem não se tem notícia literária na atualidade. Seus poemas, na antologia, demonstram um senso de criação que impressiona pela versatilidade. A certa altura do seu primeiro poema ele revela: "a minha irmã que eu não tinha / sentia saudades e desejos vagamente".

Essa antologia traz curiosidades também quando se leem as biografias. Afinal, algumas já indicam o destino que cada um tomou. Pádua Lima, por exemplo, que com Carneiro Portela e João Bosco Dantas fundaram o Clube dos Poetas em março de 1969, já se encontra domiciliado em São Paulo, formado em Direito e com vida profissional definida. Mesmo assim, encaminhou seus poemas para a antologia e não esqueceu sua Parnaíba e o rio que não deixou de passar por sua vida. "Assim é o Parnaíba / que passa pelas manhãs / de minhas mãos, / como se não fosse um rio, / mas este sangue mafrense que trago. (…) o meu rio é nômade e urbano: / tão antigo mas tão criança / que jamais passou de um rio".

A ordem alfabética em que foram colocados os poetas, faz com que Rosemberg Cariri seja o penúltimo do livro, e Sebastião Valdemir Mourão seja o último. No caso de Rosemberg, sua biografia já o acusa de cineasta e seus textos são um canto de louvor à América. Daí títulos como "América esperança" e "América, América". Nas suas poesias há imagens fortes e guerreiras. "Foi o nosso sangue que fez roxa a terra (…) Talvez eu volte para a festa do sol. (…) Soletrei na canção as letras ensanguentadas / do alfabeto das nossas lutas". Esse poemas rosemberguianos trazem um tom condoreiro.

Além dos já citados poetas, ainda aparecem na antologia: Alex Studart, Cândido B. C. Neto, Dimas Macedo, Edmilson Caminha Júnior, Juarez Leitão e Mário Nogueira. Todos esses autores estão hoje com seus destinos definidos, com a idade em torno dos sessenta anos e presentes nas manifestações culturais de nossa terra. Todos prestaram sua contribuição às letras cearenses e portanto não podem ser esquecidos. Aquelas reuniões na Casa de Juvenal Galeno foram plantio em terra fértil. É tanto que não se resumiram só às antologias. Houve festival de poetas, seminários, saraus, palestras e sobretudo um clima de literariedade permanente.

Aquele grupo de estudantes do curso científico noturno do Liceu do Ceará quando se sentiu amordaçado nas suas jovens manifestações políticas pela AI-5, armou-se da poesia e reagiu à sua maneira. O Clube dos Poetas Cearenses fez literatura, fez história e, a seu modo, fez política. E a Casa de Juvenal Galeno proporcionou o acolhimento de que se precisava. Nenzinha Galeno, escritora, acadêmica e anfitriã, nunca pressionou ninguém do CLUPCE para aparecer com seus poemas, em alguma das cinco antologias lançadas. Teve muitas vezes que esperar pela partida do último poeta, às vezes noctívago, às vezes boêmio, para fechar as portas daquele casarão que era mais seu que nosso. Após quarenta anos de tudo isso, seria de bom tom que os participantes do Clube dos Poetas Cearenses em uma sessão solene naquele auditório vetusto, onde muito se reuniram, comemorassem esse jubileu quarentão e homenageassem a memória de Nenzinha Galeno.


jbatista@unifor.br

13/07/10.

 

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page