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Poema como produto

Batista de Lima



O último dia doze foi dia dos namorados. Um bom presente nesse dia tem sido um buquê de rosas. Outro presente muito significativo é um livro de poemas. Uma coletânea de textos poéticos é um buquê de rosas transformadas em versos. Foi exatamente nesse dia que a escritora Cida Lemos resolveu lançar seu quinto livro de poemas. Dessa vez sob o título Amor sem fim. A escritora teve então um grande empenho em transformar o lançamento em um acontecimento midiático, coisa que não acontece com os outros escritores quando dos seus lançamentos. Primeiramente Cida escolheu um dia bem característico, dia romântico que o poder econômico transformou em um evento comercial. Depois Cida escolheu o Centro Dragão do Mar, local muito concorrido nesse tipo de data. A autora mandou confeccionar 50.000 convites distribuídos como encarte em um jornal local de muita circulação, e entre a infinidade de amigos e familiares que possui. Pelo menos vinte ônibus que circulam pelas ruas da cidade passaram semanas ostentando no seu vidro traseiro, grande painel em forma de convite para o evento. Mandou confeccionar, ainda, 240 camisetas ilustradas com a capa do livro. Não satisfeita ainda com tanta divulgação a escritora encomendou cinquenta cartazes que foram distribuídos em livrarias e pontos estratégicos de convergência jovem da cidade. Colocou chamadas constantes no seu site que há muito é visitado pelo pessoal daqui e d´alhures. Contratou a Editora Prêmius que de primeira leva lhe pôs à disposição mil exemplares do livro, bem diagramados e ilustrados. Publicou no jornal do seu bairro o convite que foi distribuído em 8.000 exemplares. Duas rádios FM veicularam chamadas durante os dias que antecederam o lançamento. Para o dia do lançamento convidou locutores de rádio para interpretações de poemas, incluindo a excelente Samantha Marques recitadora de mancheia. Esse aparato midiático não tem parelha em outros lançamentos entre nós. Antes de abrirmos o livro de Cida Lemos já nos fica uma lição: não basta editar um livro, é preciso debutá-lo entre os leitores. Os escritores precisam chegar aos seus leitores. É preciso batalhar por patrocínios para que se viabilizem edições. Logo no convite de lançamento do livro desfilam cinco patrocinadores que vão de uma editora a uma marca de cimento. Pode até parecer inverossímel um tipo de cimento para construção, financiar um livro de poemas. Mas o poema tem seu lado cimentado, sua estrutura vertebral que necessita de solidez para a sustentação da poesia. Os poemas parnasianos são mais estruturas que muitas construções de alvenaria. A estrutura de superfície de um texto precisa de paredes fortes para se manter em pé. Após esse lançamento pomposo, vamos finalmente abrir o livro de poemas mais divulgado entre nós. A poesia de Cida Lemos é marcada pelo lirismo. Toda ele vem erguida sobre uma base cujos alicerces se fixam no ´eu´ da autora. É uma poesia em primeira pessoa, caracterizada pela catarse. A função predominante de sua linguagem se fundamenta no afeto. Ela canta o amor como forma de sublimar alguma dor que se esconde no mais profundo da alma. Esse é o terceiro livro de Cida que escorre pelas minhas retinas como um manifesto de ternura e encantamento dedicado a uma paixão que oscila entre a euforia e o desencanto. Há, no entanto, mais lágrimas que sorrisos. Mas para se ser poeta, a lágrima conta mais que o riso. A falta significa mais que o excesso. Por isso que ela, sem reserva, verbera: ´Por fora sou de ferro/ por dentro sou de cristal/ meu coração é tão frágil/ mas às vezes ama feito animal/ sofre aflito cansa de tanto gritar/ entrega-se ao desespero/ fica encharcado de tanto chorar/ triste coração partido/ jamais se cansa de amar´. Esse revelador poema é a profissão de fé da autora. Ela não se intimida diante da necessidade de extravasar o sentimento. Muitos têm esse mesmo sentimento mas não têm coragem de revelar. Essas cantigas de amor, de Aparecida Paulina Lemos Ferreira (Cida Lemos), são lágrimas que, derramadas hoje, vão servir para as flores que amanhã serão colhidas. Pelo menos é essa a visão de mundo da autora. Ela canta esse tema como uma sobrevivente de um mundo em que o mal-estar da civilização acomete as criaturas, impossibilitando-as de festejar a ternura, o afeto ou qualquer outra manifestação dionisíaca. Daí que em determinado momento ela desabafa: ´Vou me entregar a essa paixão´. Essa paixão percorre todo o livro e apresenta uma Cida sem medo de apaixonar-se. Cida Lemos é corajosa. Desnuda-se do que de mais íntimo se reveste. E o que seria do lirismo se não houvesse quem corajosamente mostrasse os desvãos dos sentimentos? É graças a criaturas assim que nós nos sentimos impulsionados a abrir as comportas do coração e extravasar o que de mais secreto ali se esconde. Por isso que o fazer poético tem seu lado terapêutico pois colocamos diante do outro, aquilo que nos incomoda. Afinal não é só o mal-estar que nos incomoda mas também a felicidade que guardamos dentro de nós, diante de um mundo em crise existencial permanente. Cida Lemos, com sua poesia, divide conosco seus momentos felizes, e até os infelizes.

 

24/06/2008.

 

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