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Paula Nei e a rua literária


Batista de Lima


Um morador da rua Paula Nei chegou a perguntar-me, em certa ocasião, quem era essa mulher que dava nome a sua rua. Já um intelectual chegou a afirmar que não sabia se era Nei com "I" ou com "Y", tendo em vista que encontrava, em livros, as duas formas. De minha parte, sempre indaguei por que Paula Nei - que não escreveu nem dez poemas, não deixou livro publicado, foi apenas um boêmio jornalista no Rio de Janeiro - foi aquinhoado com nome numa rua importante da Aldeota.

Francisco de Paula Nei nasceu a 2 de fevereiro de 1858, em Aracati, no nosso Ceará. Viveu apenas 39 anos, tendo morrido no Rio de Janeiro em 1897. Talvez tivesse durado muito mais não fora a vida desregrada que levou entre os boêmios cariocas. Filho de um alfaiate, saiu cedo de Aracati para estudar no Seminário de Fortaleza, de onde passou para a Bahia a fim de cursar Medicina, curso que não terminou. Preferiu migrar para o Rio de Janeiro e militar no jornalismo diário. Ali meteu-se também na boemia, ao lado dos intelectuais da época.

O Rio de Janeiro vivia a euforia da "Belle Époque" e possuía, entre as confeitarias da moda, a Pascoal e a Castelões, em mesas das quais ele escrevia suas matérias jornalísticas. Quando estava em libações de cálices de vermute, Paula Nei dividia a mesa com Aluízio Azevedo, Coelho Neto, Olavo Bilac, Guimarães Passos, Luís Murat e outros. Eram literatos festejados na época. Essa vivência nas ruas, nos bares e na boemia fê-lo uma espécie de "flâneur" do jornalismo carioca, transformando em textos a alma da cidade.

Brilhante orador, Paula Nei, militando na imprensa diária, não ganhava o suficiente para manter o nível de boemia em que vivia metido no Rio de Janeiro. Muitas vezes tinha que apelar por favores para se manter nos píncaros da vida airosa. Foi, entretanto, uma figura tão marcante naqueles tempos cariocas que motivou até o surgimento de livros sobre sua personalidade inusitada. Raimundo de Menezes escreveu o livro "A vida boêmia de Paula Nei". Também Caio Vieira da Cunha publicou o livro "No tempo de Paula Nei". Além desses dois livros, há artigos, ensaios e conferências em torno desse cearense marcante. Até Leonardo Mota estudou sua trajetória de vida para apresentá-la em forma de palestra.

Entre as excentricidades de Paula Nei, havia o fato de, mesmo desprovido de recursos, possuir um secretário. Essa figura tinha por nome Rocha Alazão. Entre as cláusulas do regulamento a ser obedecido por esse serviçal, estava o dever de resolver questões de gineceu, evitando chiliques e faniquitos, acompanhar enterros, comparecer a missas de sétimo dia, assinando pelo patrão o livro de presenças, e também votar pelo chefe nas eleições. Tinha ainda por obrigação auxiliá-lo em raptos e outras aventuras de amor. Na sua irreverência, às vezes andava com jornais alemães debaixo do braço, mesmo sem saber alemão, e quando lhe perguntavam para que aqueles jornais, ele respondia que era para inglês ver. Mesmo distante do Ceará, era visível seu amor pela terra natal. Daí dizer sempre: "Pelo Brasil, eu morro; pelo Ceará, eu mato".

Da sua produção literária pouca coisa nos chegou. Esse mínimo espólio literário deve-se, em alguns casos, ao cuidado de amigos de boemia que o recolhia em libações etílicas. Mesmo assim, louve-se seu empenho pela causa abolicionista, além da simpatia pelas démarches em prol da República. Paula Nei, devido a essa existência descuidada, teve vida curta, culminada por um fim triste após longo definhamento. Foram muitos os males físicos que se somaram para liquidar-lhe o brilhante espírito. Seu sepultamento teve um cortejo memorável. Alguns chegaram a qualificá-lo de apoteótico. Tudo por conta da legião de amigos que arregimentou em torno de si ao longo da vida. Viveu a vida carioca nos seus tempos mais esfusiantes. Foi um cearense mais do Rio que do Ceará.

Com relação ainda à produção literária de Paula Nei, podemos citar os títulos de seus poemas, por serem poucos, e nenhum livro. Os poemas conhecidos são: "A Abolição", "Sem título", "A trança", "Adoração", "De Viagem" e "A Fortaleza". Este último é seu mais conhecido soneto por trazer a expressão "a loira desposada do Sol", que se tornou nome figurativo de Fortaleza. A capital cearense ainda hoje é chamada metaforicamente dessa maneira por ter Sol durante todos os dias do ano. É tanto que em 1942, em fevereiro, esse sol, que andou se escondendo por trás das nuvens, foi vaiado três vezes pela população da cidade.

Mesmo esse seu mais conhecido soneto sobre Fortaleza não se trata de uma peça purista do Parnaso como bem afirma Sânzio de Azevedo, que sobre ele se debruçou em análise, e encontrou algumas incongruências. Outro também que trata de sua figura é Raimundo Girão que no seu "Dicionário da Literatura Cearense", escrito com Maria da Conceição Sousa, comete o equívoco de afirmar que Paula Nei nasceu em Fortaleza. Além disso grafa "Ney" e não "Nei". Todos esses detalhes não são, no entanto, suficientes para justificar a fama de Paula Nei. Acontece que no centro da boemia brasileira da época, que era o Rio de Janeiro, esse cearense curioso fez escola. Fez boemia como ninguém, com elegância, destemor e picardia.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 30/09/14.


 

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