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Padre Cícero e Lira Neto

Atualizado: 3 de set. de 2019

Batista de Lima


Lira Neto acompanhou Padre Cícero ao longo de 557 páginas. Poderia ter durado mais essa jornada se tivesse ultrapassado 1934, ano da morte de Cícero, e tivesse acompanhado a evolução das romarias a Juazeiro, que duram até hoje. Significa que o patriarca do Cariri continua vivo no coração dos seus fiéis romeiros. Esse religioso não só permanece mitificado, como seus seguidores transformaram, em um século, a antiga vila, na capital brasileira da fé romeira. Juazeiro do Norte tem tido galopante progresso à sombra da devoção criada em torno do Meu Padim.

A romaria de Lira Neto no encalço do Padre Cícero Romão Batista poderia ter terminado em 2009, quando ele lançou seu livro “Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão”. Acontece que ler esse seu livro, da Companhia das Letras, é continuar segurando esse andor em que a figura do padre continua ali postado na guia do seu rebanho. Não que o autor tome partido, afinal, sua pesquisa bibliográfica, em especial, vem isenta de qualquer parcialidade. Acontece que diante das evidências presentes nos livros, verifica-se que Cícero foi perseguido além da conta por setores conservadores da igreja.

Dom Joaquim, segundo bispo do Ceará, e padre Alexandrino, vigário do Crato, podem ser considerados os maiores responsáveis pelas perseguições ao patriarca juazeirense. Esse não é entretanto o único caminho a se seguir na leitura. Lira Neto apresenta as marchas e contramarchas dos inquisidores em busca de decifrar os milagres na comunhão de Maria de Araújo. Por conta disso, ainda hoje pairam subjetividades que contornam toda a trajetória de vida da beata. Daí que grande parte da literatura sobre o caso Juazeiro está montada em parcialidades contra ou a favor do milagre. Poucas são as obras imparciais sobre o tema e Lira Neto produziu uma delas.

Além de religioso, Padre Cícero foi político. Foi o primeiro prefeito de Juazeiro, passando dezoito anos à frente da Prefeitura. Esse seu lado político, tão bem garimpado por Lira Neto, terminou por guindá-lo a líder entre os dezessete coronéis mandões das cidades caririense. É tanto que foi celebrado um pacto político entre eles, sob a liderança de Cícero, em reunião em Juazeiro, com seu prefeito padre na testa da mesa, dirigindo o evento para o qual convocou os mandatários. Esse seu poder de liderança política e religiosa fê-lo comandar a revolução estadual que derrubou o governo de Franco Rabelo.

Padre Cícero teve, nos seus momentos mais difíceis, a ajuda fundamental de Floro Bartolomeu, médico baiano que se radicou em Juazeiro. Floro chegou a ser considerado o alterego do padre. Certas atitudes que o Cícero hesitava em tomar, Floro assumia seu lugar. Por isso foi o doutor baiano que mandou matar o boi “mansinho”, comandou a rebelião que derrubou o governo estadual de Franco Rabelo e pacificou Juazeiro, tão infectada de desordeiros e fanáticos. Foi também com a ajuda do Padre Cícero que Dr. Floro se elegeu para deputado estadual e depois para federal. Com 49 anos Dr. Floro faleceu no Rio de Janeiro.

A morte do Floro e a velhice de Cícero, acompanhada de seus achaques, em vez de enfraquecer a devoção popular, aumentaram as multidões que se deslocaram a Juazeiro em nome da fé. Isso fica evidente na pesquisa de Lira Neto que chegou a cascavilhar fontes primárias para o seu mergulho nesse fenômeno religioso nordestino. A pastoral sertaneja de Cícero, encarnando a fala de seu povo, em um tratamento singelo que envolvia do mais sanguinário dos cangaceiros à mais pura das beatas, tornou-o o santo do povo pobre e desassistido do Nordeste brasileiro.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 19/08/19.


 

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