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Os mergulhos de Arquibaldo

Batista de Lima


Certo dia Arquibaldo sentiu-se criatura. Olhou-se de fora para dentro, e de dentro para fora, inverteu-se e convenceu-se de que fora criado e existia. Surpreendeu-se consigo próprio mas produziu uma grande dúvida: se era uma criatura, quem o criara? Daí vasculhou o pai e a mãe e viu que também eram criaturas e o levaram a avós, bisavós, e foi se perdendo em busca do criador primeiro que só poderia também ser uma criatura. Arquibaldo ficou sem fôlego nesse mergulho e preferiu voltar à tona do seu simplório existir sem saber como o primeiro criador se criou sem antes ter sido uma criatura; e como criatura, quem o criara.

Arquibaldo criava um carneiro que se chamava "jasmim". Era um carneiro a quem ele recorria diante de suas grandes dúvidas. O animal, que também se considerava uma criatura, já tentara várias vezes uma resposta para essa dúvida de origem e nunca concluíra se seu ancestral primeiro fora um carneiro ou uma ovelha. Por isso havia resolvido ir pastar, sempre pastar. Para ele, o pastar, tinha a vantagem de baixar a cabeça em busca do chão como um ceder ao peso das dúvidas. O carneiro, ao não dizer nada, muito disse no seu silêncio. Arquibaldo ficou feliz com a resposta e resolveu pastar o tempo sem fazer perguntas que exigissem tão difíceis respostas.

Certa feita chegou ao conhecimento de Arquibaldo que por seus pastos ia passar um homem sábio. Era sábio porque tinha resposta para todas as perguntas. Mas era um homem que pouco falava. Respondia as perguntas quase sempre com o silêncio. Quando falava, era apenas uma palavra que saía da sua boca. Arqui, como era chamado, Baldo, como se assinava, debulhou suas dúvidas aos ouvidos do sábio que era um indiano muito magro. O sábio apenas respondeu: - Arquibaldo! E assim, por dias e mais dias, apenas repetia o nome Arquibaldo. Nunca passou disso, nunca citou nada além disso, a não ser muito silêncio.

Diante de tanta repetição de seu nome por aquele sábio que pouco falava e muito dizia, Arquibaldo foi procurar saber a origem do seu nome para entender a atitude do sábio. Foi a um professor de uma cidade vizinha que possuía muitos livros e muitas respostas. Primeiro, o pesquisador procurou saber como os pais do curioso rapaz lhe colocaram tão estranho nome naqueles cafundós do esquecimento. O rapaz explicou que foi através de um livro velho que seu pai encontrara quando trabalhava de auxiliar de pedreiro na restauração de uma casa velha de uma cidade antiga lá próximo à Capital.

O professor consultou seus alfarrábios, retirados de estantes vetustas, colocou tudo sobre a escrivaninha e começou a folheá-los. Com seu lápis por trás da orelha, pincenê na ponta do nariz, ia umedecendo os dedos na ponta da língua e virando as páginas meticulosamente. Vasculhou prefixos, foi à Grécia, circulou por Roma, entrou pelas Arábias e produziu sua resposta. Arquibaldo era um nome rico de significações. Tinha primeiramente o prefixo "Arqui" que era uma grandiosidade. Significava "muito", "grande quantidade" era um esparrame de valores.

Essa significação do prefixo era quase tudo pois, segundo o pesquisador, é no radical das palavras em que mais se concentra a significação. Ele falou para o espantado "Aqui" que radical de palavra é como caule de árvore e tronco de pessoa. É onde mais se concentram sustanças. Quanto ao "Baldo", era necessário mais tempo para encontrar um significado que se amarrasse no "Arqui". Entretanto, não foi tão difícil. Em pouco tempo estava o professor com a solução, "Baldo" era "baldeado". Era algo cheio de tantas e variadas substâncias que de forma líquida parecia água suja de sabenças.

Arquibaldo Rios ficou todo marítimo com a descoberta do que continha seu nome. E é porque não dissera seu nome completo para suas fontes de pesquisa. Arquibaldo Rios do Vale era a partir de então uma fluência só. Era uma correnteza de pimposidade. Acontece que perguntas nunca deixaram de mexer com sua natureza. Ainda queria entender porque os rios dos invernos enchem o mar de água doce e as águas do mar continuam salgadas. Não conseguia entender porque recebendo tantas águas de tantos rios o nível do mar não aumenta nem ele sangra nos invernos.

Arquibaldo Rios do Vale foi ficando assim um ser feito de perguntas. Queria saber o sentido de tudo. Certa feita queria saber se o mundo na sua infância de ser mundo criança, engatinhara, se o mundo ao crescer brincara de esconde-esconde, jogara futebol e dera trabalho aos pais. Mas quem seriam esses pais. Aí começava tudo de novo. De tanto perguntar, Arquibaldo ficou respeitado pelos seus circunstantes como um grande sábio, como um homem que mexia com a paciência das coisas. Era um grande sábio porque tinha perguntas para tudo, mesmo não tendo respostas para nada.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 09/12/14.


 

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