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Os janeiros de Almircy

Batista de Lima


Sebastião Almircy Bezerra Pinto nasceu na última noite de novena de São Sebastião. Por isso, seu nome em homenagem ao santo, e ao mesmo tempo, o nome desse seu livro de estreia, "Janeiros inquietos". Isso acontece porque alguns mais devotos chamam "Festa de São Sebastião" outros, menos, chamam de "Festa de Janeiro". Fato é que mesmo vindo ao mundo em Maranguape, cidade cearense da Região Metropolitana Fortalezense, em que seu pai era médico, suas origens estão mais enraizadas em Lavras da Mangabeira, em que a família de seu pai, Senador Almir Pinto, tem origens e histórias de poderio político. Seu pai era bisneto da famosa matriarca Dona Fideralina, que reinou naquele município por décadas.

Esse livro de Almircy, editado pela Editora Premius, traz 208 páginas de poemas líricos. São textos escritos em primeira pessoa em que o eu lírico sempre se faz presente. São emoções, lembranças e dores de amor, conhecidas do leitor, mas particularizadas no viver do autor. Há, pois, momentos de catarse em que a trepidação do viver transborda do íntimo do escritor para a página branca que vai servir de intermediadora entre emissor e receptor. Almircy tem vocação poética marcada por uma ancestralidade literária lavrense em que consta mais de uma dezena de escritores. Essa herança benéfica faz com que sua convivência com a produção do clã o tenha levado a contatos permanentes com a literatura.

A esse respeito, Dimas Macedo, na Apresentação que faz do livro, discorre sobre essa "estripe de intelectuais da mais alta expressão e reconhecimento", que antecede familiarmente a personalidade de Almircy. Começa pelo pai, Senador Almir Pinto, "autor de livros e opúsculos sobre questões sociais da maior relevância". Depois cita mais de uma dezena desses intelectuais, inclusive, o inesquecível João Clímaco Bezerra. Dimas conclui sua Apresentação afirmando ser Almircy, "um poeta da solidão e do afeto; um poeta da resignação e da beleza; um poeta da ternura e da vida a dois compartilhada; um poeta do espanto da grande realização do desejo".

Outro analista, que se refere ao escritor Almircy, é Auto Filho, que aconselha a leitura dos seus poemas, afirmando que "ele é um exemplo de como a força da poesia é capaz de salvaguardar a pureza da sensibilidade humana dos malefícios da racionalidade instrumental da política". Essa afirmação é respaldada pelo fato de que tanto o autor como seu resenhador têm ligações íntimas com a política. Auto Filho foi militante de esquerda e preso político durante a ditadura. Almircy sempre viveu no ambiente da política partidária acompanhando o pai em mandatos variados.

Além desse dois intelectuais que dissertam sobre o livro, não se podem esconder a capa e as ilustrações que embelezam a obra, tudo de autoria de Edmar Gonçalves. Essa parceria com Edmar pulou das páginas do livro às composições musicais em que os dois atuaram em conjunto. Esse viés musical também levou a um trabalho criador na companhia do Maestro Poty. Daí que é também interessante se verificar até que ponto a musicalidade de suas canções aparece nas suas composições poéticas. Não se pode negar que uma arte influi na outra.

Essa influência pode ser notada em alguns poemas como é o caso de "Refazendo caminhos", em que aparecem os versos: "estradas antigas / escritas no chão / guardadas na mente / e no coração". Entretanto, a preocupação principal do poeta é extravasar o eu lírico, ora em primeira pessoa, revelando-se, ora dirigindo-se à amada ao cantar os predicados femininos. Há, pois, um encantamento que se situa numa zona de contato entre os dois parceiros, que vai se acumulando implicitamente. Nada em Almircy é amplamente explícito. Há sombras que encobrem algo a mais do que é dito, ou seja, o não dito repercute na mente do leitor.

Com relação ao confessional que pontua o eu lírico, é fundamental se prospectarem passagens em que a linguagem revela sua função emotiva. Assim é que em "Tudo igual" ele revela: "Muitas vezes / te vi sem roupa / mas só agora / te vejo / nua". Nessa mesma dicção o poeta se revela em "Alcova", "Já acostumei repousar meu rosto / nas saliências macias do teu peito". Também, ainda falando nessas fontes do afeto, aparecem passagens em que há perfeita distinção entre a metonímia corporal e a metáfora das subjetividades. A dor de uma é a sagração da outra. "Doces dores / que feriam meu corpo / mas deixaram intacto / o meu coração.

Finalmente constata-se no conjunto de seus poemas, uma coragem de revelar-se liricamente, o que não é comum em alguns poetas. Almircy Pinto desnuda-se intimamente das amarras da sua personalidade, o que permite ao leitor um mergulho confiante nos tesouros da sua subjetividade. Daí seu desprendimento das travas formais que muitas vezes embaçam vocações poéticas. É um poeta que não se preocupa com que roupa deve vestir seus dizeres. Prefere trazer à tona a matéria prima que povoa as intimidades. Esse passo é importante para a poesia porque deixa o leitor à vontade para recebê-lo ao natural, encetando então uma viagem lírica pelo seu vasto mundo interior que também pode ter algo do mundo particular de cada um.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 30/12/14.


 

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