top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Os césares de Suetônio

Batista de Lima


Quando escreve sobre Júlio César, o primeiro dos césares, consegue elaborar a mais extensa biografia. Afirma que esse grande imperador foi atacado de impaludismo, quando jovem, e de epilepsia quando adulto. Tinha complexo pela calvície e costumava depilar-se. Entre seus amores, os dois maiores foram Cleópatra e Nicomedes. Caio Suetônio Tranquilo nasceu em Roma no ano 69, vindo a morrer aos 53 anos em 122. Escreveu em torno de uma dezena de livros de história, destacando-se "De Vita Caesarum", cuja versão nos chega como "A vida dos doze césares". O livro mostra uma Roma imperial, corrupta e decadente sob o domínio de imperadores, muitas vezes, sanguinários e cheios de vícios. O autor viveu a intimidade da corte e retratou a decadência moral e política da sociedade romana.

De 59 a.C, quando César formou o primeiro triunvirato com Pompeu e Crasso, até o assassinato de Domiciano em 96 d.C., foram 155 anos em que os doze césares se sucederam no poder romano, à frente do maior império da época. Júlio César, Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Óton, Vitélio, Vespasiano, Tito e Domiciano são os doze imperadores que no auge do poder romano oscilaram entre a lucidez e a loucura, os vícios e as picuinhas, as vitórias e as derrotas, a justiça e a traição.

Essa nova edição da obra, oriunda da Editora Martin Claret, traz o texto integral de Suetônio numa tradução com algumas imperfeições gráficas, de Pietro Nassetti. É um texto com algumas afirmações do autor postas em dúvida pela historiografia moderna, mas que no geral é uma visão de quem viveu a turbulenta época. No entanto, sua leitura leva a reflexões em torno da ascensão ao poder de pessoas que não estão preparadas para exercitá-lo. O poder ofusca, vicia e corrompe se não houver uma preparação de quem vai assumi-lo. Dos doze césares, talvez um terço tenha administrado com certa lucidez.

Vespasiano, o décimo, é uma espécie de exceção diante dos excessos dos outros. Atuou com brandura e clemência. Nunca dissimulou sua origem humilde. Suportou as investidas dos ambiciosos, não guardando ódio nem se vingando de quem quer que seja. No seu governo, inocentes não foram punidos. Protegeu poetas, artistas e retóricos. Acordava-se sempre antes do sol. Seu defeito era a avareza que era tanta que chegou a cobrar um imposto sobre a urina. Mas todo o arrecadado era empregado para o bem público. Um dos poucos a morrer de "morte morrida" (desinteria) aos sessenta e nove anos, nos braços daqueles que o amavam.

Enquanto isso, houve o oposto, o quarto deles, Calígula. De natureza feroz e depravada. Começou por envenenar seu antecessor Tibério. Mandou assassinar seu irmão e prostituiu as irmãs. Tão endeusado se achava que tudo fez para apagar a imagem de gênios de Homero, Virgílio e Tito Lívio. Ele se achava superior. Segundo Suetônio, "praticamente não houve mulher, por menos ilustre que fosse, que ele não tivesse desrespeitado". Estabeleceu um prostíbulo em seu palácio. Era epiléptico e não sabia nadar. Foi assassinado aos 29 anos, tendo reinado por três anos e dez meses.

Muito próximo, em excessos, a Calígula, foi Nero, o sexto dos césares. O autor o trata como detestável e funesto. Perseguiu de forma sangrenta aos cristãos, chegando a acusá-los de incendiar Roma, quando ele próprio o mandara fazer, enquanto tocava cítara no palácio. Talvez a única qualidade que cultivara, o gosto pela música. Seus vícios, segundo o autor, eram: "a petulância, a libertinagem, o luxo, a avareza e a crueldade". Suas refeições iam do meio dia à meia noite. Tentou coabitar com a própria mãe. Dividia seu leito entre homens e mulheres. Matou a própria mãe e a esposa grávida com um pontapé. Obrigou Sêneca, seu perceptor, a suicidar-se. Reinou por 14 anos e suicidou-se com o auxílio do secretário, aos 32 anos de idade.

Essa narrativa de Suetônio é mais interessante quando mostra detalhes dos imperadores, marcados pelo inusitado. Quando escreve sobre Júlio César, o primeiro dos césares, consegue elaborar a mais extensa biografia. Afirma que esse grande imperador foi atacado de impaludismo, quando jovem, e de epilepsia quando adulto. Tinha complexo pela calvície e costumava depilar-se. Entre seus amores, os dois maiores foram Cleópatra e Nicomedes, daí que o orador Cúrio chamou-lhe de "o marido de todas as mulheres e a mulher de todos os maridos". Indulgente, moderado e clemente, ao final do reinado abusou do poder. Foi assassinado no Senado com vinte e três punhaladas sem dizer palavra alguma, nem a famosa frase "Até tu, Brutus meu filho". Estava com 56 anos de idade.

Augusto, o sucessor de César, era clemente e brando e não tinha avidez por heranças nem aceitava legados de desconhecidos. Tinha uma vida regulada pela moderação e passava horas ensinando leitura e escrita a seus netos. Comia muito pouco, e geralmente frutas, pães, queijos e peixes. Não tinha vaidade. Seu desassossego físico era o cálculo renal. Assim como Júlio César, deu nome a um dos meses do ano, afinal foram os dois césares mais importantes para Roma. Sempre doente dos intestinos, faleceu placidamente nos braços de sua amada Lívia, aos 66 anos. Seu sucessor foi Tibério, que, libertino, gostava de ser servido por moças nuas e instituiu o cargo de administrador dos prazeres. Pedófilo, era odiado pela população por causa de seus desregramentos. Morreu em Capri, aos 78 anos de idade, após 23 de reinado.

Afora esses césares ainda teve Cláudio, o quinto deles, reservado, modesto, afável e gentil, mas que expulsou os cristãos de Roma. Há quem diga que morreu envenenado aos 64 anos, e 14 de reinado. Também assassinado foi Galba, sucessor de Nero, aos 73 anos de idade e que apenas governou 7 meses. Seu sucessor Óton suicidou-se, e em seguida, Vitélio, o nono dos césares foi assassinado. O décimo primeiro foi Tito, benevolente e querido, morreu de febre aos 41 anos de idade. O último deles foi Dominiciano, desregrado, odioso e terrível, foi assassinado aos 45 anos.

Finalmente chega-se ao final do livro não apenas com o conhecimento da história sangrenta desses doze mandatários. Chega-se com interrogações em torno daqueles que ocupam o poder nos dias de hoje. Será que o fato histórico, em vez de passar com o tempo, não acaba se repetindo com poucas transformações, através dos anos?


jbatista@unifor.br

02/03/10.

 

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page