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Os bacamartes de Joaryvar

Batista de Lima


O coronelismo nordestino teve suas raízes no Brasil colônia, robusteceu-se nos tempos imperiais e alcançou seu apogeu na primeira república, que vai até 1930. Nos tempos coloniais, a distribuição das sesmarias para poucos privilegiados já criava duas categorias de brasileiros, os donos da terra e os sem terra. Esses grandes proprietários passaram suas possessões de pai para filho e mantiveram o grande contingente dos sem terra como seus serviçais. Para manter seus feudos, esses grandes proprietários tinham que possuir forças de baraço e cutelo, e ocuparem os cargos políticos das comunas interioranas.

Esse assunto já foi tratado por alguns escritores locais que conheceram bem de perto essa realidade. Joaryvar Macedo, que nasceu um pouco posterior a isso tudo, teve a curiosidade de retornar a um passado recente e apresentar um Cariri dominado por coronéis, servidos por capangas, pistoleiros e cangaceiros, na ânsia de manter o poder. Curioso é que esses mandões, muitas vezes, se digladiavam entre si, o que levou a maioria deles a morrer também vítimas de assassinatos. Isso sem contar as invasões a cidades com o fito de desalojar mandões do poder político.

Joaryvar Macedo mergulhou nesse tema e pesquisou na bibliografia existente e na tradição oral, através de viagens que encetou pelos mais distantes recônditos da região caririense. O resultado de todo esse trabalho foi a publicação do seu livro "Império do Bacamarte", em 1990, pelas edições da Universidade Federal do Ceará, com 274 páginas de antigas e novas informações sobre o assunto. Essa sua abordagem sobre o coronelismo no Cariri cearense torna-se tema atual diante do que se observa, no momento, acontecendo no Legislativo Nacional.

Joaryvar inicia seu livro, fazendo uma avaliação do coronelismo, dos coronéis e dos latifúndios. Depois investe no partidarismo acirrado para chegar à Oligarquia Aciolina e sua influência no fortalecimento do coronelismo no Ceará. Ao se estabelecer com sua pesquisa no sul do Ceará, ele vai apresentando um por um os poderosos coronéis que se tornaram mandões naquela região. É então que ele dedica um aprofundamento mais enfático ao caso de Lavras da Mangabeira, sua terra natal, onde vicejou o poderio da família Augusto por mais de um século, mandando e às vezes desmandando, à base da força, no poderio local.

Quando trata de sua terra, Joaryvar enfatiza três personagens da mesma família. Primeiramente, Dona Fideralina Augusto, que, sucedendo seu pai no mandonismo lavrense, dominou aquela cidade por mais de 50 anos. Sucedida pelo seu filho Coronel Gustavo Augusto de Lima, esse clã ficou ainda mais poderoso, ocupando, inclusive, cadeiras no Legislativo Estadual e na prefeitura de Lavras até morrer. Gustavo foi sucedido pelo seu filho Raimundo Augusto que também por décadas mandou na cidade.

Esse fenômeno não aconteceu somente em Lavras, mas nas duas dezenas das cidades da região. No centro das evidências estava Juazeiro do Norte sob o comando do Padre Cícero Romão Batista e do Doutor Floro Bartolomeu. O primeiro guiava a população pelos caminhos da fé, o segundo, com mão de ferro, tinha o poder da organização política. Para concretizar esse poderio, foi organizado o Pacto dos Coronéis da região, que teve sua culminância com o encontro em Juazeiro, de 17 deles, no dia 04 de outubro de 1911. Como líder desse grupo estava o Padre Cícero que, com os participantes, redigiu e aprovou uma carta regimento para o pacto, para por em prática a partir daquela data.

É importante para o leitor, conhecer esses nomes que escreveram com seu poderio a história do Cariri, muitos deles através da força do bacamarte. No caso de Juazeiro do Norte, o Padre Cícero Romão Batista liderou aquele povo pela fé, mas Floro Bartolomeu dominou pela força. Além deles desfilam nomes, na região, como os Coronéis Belém de Figueredo, Antônio Luís, Gustavo Augusto de Lima, Isaías Arruda, Domingos Furtado, Pedro Silvino, Antônio Santana, Joca do Brejão, Chico Chicote, Cândido do Pavão e Zé Inácio do Barro. Isso apenas para citar os mais importantes, mas cada um comandando um município com seus capangas prontos para pegar em armas a qualquer momento.

O bacamarte deixou de imperar no Cariri, mas as antigas sesmarias e os consequentes latifúndios mudaram apenas de feição. As léguas de terra se transformaram em milhares de votos e os remanescentes dos antigos coronéis estão de terno e gravata ocupando os principais feudos do poder. Isso não é um fenômeno caririense apenas, mas uma prática de toda o Nordeste. Há casos ainda de famílias desta região em que o pai aparece como Senador, o filho como governador, o neto como deputado, a esposa como prefeita e por aí vai com aquela continuidade, em geral em que o latifúndio das urnas estabelece oligarquias duradouras. Por isso que esse livro de Joaryvar Macedo se torna uma trincheira verbal em que a carnadura imorredora do poder da região é devassada pela sua feição denunciadora.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 19/07/2016.


 

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