top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Olhar sobre Lampião

Batista de Lima


Foi pelas mãos do Dr. Pedro Brito que me chegou "De olho em Lampião - Violência e esperteza", de Isabel Lustosa. A editora é a Claro Enigma e o ano, 2011. O livro tem em torno de 100 páginas o que dá uma primeira impressão de que pouca coisa vai acrescentar aos tantos escritos sobre o famoso cangaceiro. Acontece que basta se iniciar a leitura para se constatar que a autora fez uma pesquisa criteriosa e abordou algumas faces do banditismo ainda inéditas nas lentes de escritores anteriores. É esse conjunto de novidades que impressiona o leitor.

De 1919 a 1938, Lampião colocou em polvorosa as populações de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Alagoas e Sergipe. Segundo a autora, ele "matou de forma fria e muitas vezes com requintes de crueldade pais de família e jovens rapazes, obrigando os pais a verem o sofrimento dos filhos e vice-versa, e até mesmo famílias inteiras, violentou ou deixou que seus homens violentassem moças e mulheres casadas; castrou pelo menos três homens; torturou e maltratou velhos; invadiu e dominou dezenas de cidades sertanejas, executou soldados desarmados". Esse o início do perfil traçado pela autora.

Lampião foi inimigo do progresso pois sabia que as novas estradas, o trem e o caminhão eram ameaças à sua sanha. Ainda no traçado do perfil do personagem cangaceiro, a autora acentua que seu corpo era curvado, devido ao equipamento que carregava com peso em torno de quarenta quilos. Usava com seus cabras vários tipos de perfume devido à escassez de banhos de que dispunham. Lampião carregava uma cartucheira com capacidade para transportar quatrocentas balas. Andava sempre armado com um rifle, uma pistola e um punhal de 55 centímetros. Nunca errava tiro e sangrou muitos com seu punhal.

O livro, no entanto, não se fixa apenas na figura de Lampião. Ela também apresenta características do sertão áspero que incutiu aspereza no sertanejo. Começa mostrando as falsas razões da destruição de Canudos, à época, a segunda maior cidade da Bahia, perdendo apenas para Salvador. Depois mostra o início da República em que só políticos oriundos da classe econômica mais poderosa de São Paulo chegavam ao poder. Tempos depois a política café com leite onde só paulistas e mineiros dirigiam a nação. Foi preciso surgir Getúlio e a Revolução de 1930 para mudar.

Após o traçado do panorama do Brasil da época do surgimento do cangaço, a autora volta a Lampião, ao mostrar o perfil de sua família sertaneja do interior de Pernambuco. A almocrevia, a pequena agricultura familiar, o minifundo colocavam a família Ferreira a conviver ao lado de grandes fazendeiros, latifundiários ambiciosos. Assim, o cenário estava preparado para os conflitos, em que sempre o mais forte saía vencedor sob as vistas complacentes dos governos. Essa questão social é tratada por Isabel Lustosa diferentemente da visão de outros escritores que se fixam apenas na saga cangaceira.

Assim é que ao tratar dos amigos dos cangaceiros ela se preocupa em mostrar as razões pelas quais muitos fazendeiros de pequeno e grande porte serviam de coiteiros para Lampião. Ela mostra que era uma forma de se proteger da sanha destruidora do bando. O pobre sertanejo era quem mais sofria pois ficava na linha de fogo dos cangaceiros e das volantes militares, sendo perseguido pelos dois lados. As polícias dos sete estados que o perseguiam eram desaparelhadas e não tinham treinamento suficiente para embrenhar-se na caatinga em luta de igual para igual com os cangaceiros.

O caso mais característico dos protetores de Lampião, segundo a autora, foi o Padre Cícero, dando o título de capitão a Virgulino sob o pretexto de atacar a coluna Prestes, ataque que nunca aconteceu. Entretanto, em consequência, o bando ficou aparelhado com o melhor tipo de armamento da época. Também, a pedido do chefe dos cangaceiros, as suas irmãs e o irmão mais velho mudaram-se para Juazeiro do Norte e sob proteção do Padre, nunca foram importunados. Por outro lado havia uma devoção profunda de Lampião para com Padre Cícero, a ponto de o Ceará, muitas vezes, ter sido poupado dos crimes dos cangaceiros.

Outro momento importante do livro fica por conta da apresentação das razões da decadência do cangaço. Isso ocorre principalmente após 1930. Foi nesse ano que o bando de Lampião começou a aceitar a presença de mulheres, a partir de Maria Bonita, chegando em algum momento, a possuir quase duas dezenas delas, o que tornava o bando mais lento e mais exposto. Depois veio o Estado Novo, em que Getúlio Vargas, através de Felinto Muller, impôs perseguição ferrenha a tudo quanto fosse extremistas no Brasil: comunistas, integralistas e, consequentemente, cangaceiros. Tudo foi tramado, até através de coiteiros para a cilada em que Lampião foi assassinado em Angicos em 1938.

O interesse que a leitura desse livro provoca, vem por conta da forma como Isabel Lustosa trata sua pesquisa. Historiadora zelosa, ela vai às fontes, sabe onde estão os documentos e não fica apenas no relato dos crimes cometidos pelos cangaceiros. Ela trata das causas que levaram Lampião e seus irmãos a entrarem no mundo do crime. Também apresenta dados antropológicos formadores do homem do sertão nordestino. Trata das secas, em especial a de 1932, dos governos centralistas da Velha República, e do abandono a que era relegado o sertanejo nordestino. Por isso que a leitura desse seu livro além de ser agradável pela beleza da linguagem utilizada, termina por ser uma fonte de conhecimento até didático do que foi nosso sertão. É pena constatarmos que muitos dos problemas por ela apontados ainda continuam marcando a vida de nosso povo do interior do Nordeste.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 16/04/13.


 

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page