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O tropeirismo dos Gonçalos

Batista de Lima




Tropeiros, boiadeiros, tangerinos, vaqueiros, arrieiros e almocreves traçaram veredas, trilhas e caminhos por onde o progresso penetrou no interior do Brasil. No Nordeste, eles primeiramente ligaram a Zona da Mata ao Litoral. Foi, entretanto, no Agreste em que eles mais contribuíram para o povoamento da região, plantando vilas, povoados e cidades nas beiras dos rios e ao longo dos caminhos. As antigas estalagens para repouso hoje são progressivas cidades. Histórias de tropas e boiadas são ainda hoje contadas e escritas sempre trazendo novos contornos desconhecidos do público. Desde "Tropas e boiadas", de Hugo de Carvalho Ramos, a "Tropeirismo nosso", de Antônio Gonçalo de Souza, muito já foi escrito sobre esse fenômeno brasileiro.

Antônio Gonçalo de Souza é descendente de uma família de tropeiros. Seu avô, Antônio Gonçalo Araripe, durante quase toda a primeira metade do século XX, vasculhou a Região Sul do Ceará, com sua tropa de burros na prática da almocrevia. Partindo de Várzea Alegre, onde a família residia, transportava mercadorias num circuito que ia de Iguatu ao Crato, de Lavras da Mangabeira a Farias Brito. Depois que aposentou-se da profissão, seu filho Raimundo Gonçalo Araripe continuou a profissão do pai. Agora, já em pleno século XXI, seu neto, Antônio Gonçalo de Souza, empreende a garimpagem em torno da profissão do avô e do pai, colocando em livro toda a saga dessa família de tropeiros.

O livro, editado em 2016, pela Expressão Gráfica Editora, traz 298 páginas sobre vários temas ligados ao tropeirismo praticado por sua família. O personagem, em torno do qual se centraliza a maior parte da obra, é seu avô, Antônio Gonçalo Araripe. Nascido em Várzea Alegre em 1896, faleceu na mesma cidade em 1973. Sua vida foi toda dedicada ao tropeirismo, sendo pioneiro nessa profissão em Várzea Alegre. E com sua tropa de burros trabalhou o suficiente para educar os filhos e os netos. Conseguiu adquirir terras para moradia e cultivo, inclusive casa na cidade para passar as festas de São Raimundo.

Antônio Gonçalo Araripe, apesar de viver grande parte do seu tempo, tangendo uma tropa de burros carregados de mercadorias pelo sertão, fixou residência no sítio Sanharol, em Várzea Alegre. Ali construiu uma boa relação social com o povo do lugar. Da religiosidade ao lazer, a presença de sua família era indispensável. Eram renovações do Sagrado Coração de Jesus, missas na igreja de São Raimundo, na cidade, numa integração que envolvia também o futebol e o carnaval. Basta que se conheça a Escola de Samba Mocidade Independente do Sanharol (MIS).

Essa escola de samba, juntamente com a Esurd, Escola de Samba Unidos do Roçado de Dentro, promovem, a cada carnaval, brilhante desfile pelas ruas de Várzea Alegre, chegando, muitas vezes, a apresentar mais de mil participantes em cada uma. Interessante é que são oriundas de sítios próximos à cidade e promovem suas evoluções nos moldes das grandes escolas do Rio e São Paulo. Além disso, ainda há o desfile do bloco "A veia debaixo da cama", com participantes da comunidade. Essa integração dos moradores chega até a funcionar na hora do trabalho com os "adjuntos" no momento da colheita do arroz.

Como se verifica, a família Gonçalo, ao lado das outras pessoas da comunidade de Várzea Alegre, muito se diverte. O futebol, a dança, os folguedos, tudo contribui para um povo alegre e festeiro. Dois grandes sanfoneiros marcaram época na cidade, Chico de Amadeu e Pedro de Souza, além das proximidades de Zé de Manu da cidade de Cedro. O trabalho e o lazer, entretanto, não fizeram com que aquele povo esquecesse a religiosidade. São Raimundo Nonato, o padroeiro tem provocado uma infinidade de nomes como: Raimundo, Raimunda, Mundinho, Mundinha, Mundeiro, Mundica, Mundoca e outras variações.

Antônio Gonçalo de Souza, autor do livro, é formado em Administração, além de ser técnico agrícola. Atualmente é analista da Central de Crédito do Banco do Nordeste. Telúrico e saudosista, pesquisou sobre o tropeirismo para depois estudar a figura do seu avô, Antônio Gonçalo Araripe, acrescentando imersão na história de vida de seu pai, o também tropeiro Raimundo Gonçalo Araripe. Nesse seu tropeirismo literário ele pôs também na sua tropa, personalidades varzealegrenses que construíram a história daquela cidade, desde os prefeitos mais importantes aos dois vigários mais duradouros.

Esse livro traz primorosa revisão de Dias da Silva e Prefácio elucidativo de Linda Lemos. Lê-lo é acompanhar uma tropa de burros de carga, dirigida por Antônio Gonçalo Araripe, transportando gêneros de consumo dos habitantes da região, para abastecimento de armazéns, mercearias e bodegas. Por isso que os Gonçalos abriram caminhos, integraram comunidades, transportaram o progresso por onde os caminhões não chegavam. É evidente que com a abertura de novas estradas, muitas delas asfaltadas, a profissão de tropeiro foi perdendo seu espaço. Entretanto suas histórias ficaram escritas nos caminhos e não ficaram esquecidas, porque Antônio Gonçalo de Souza saiu recolhendo cada uma e pondo nesse livro para que gerações futuras, delas tomem conhecimento, e se mirem no exemplo de persistência e trabalho dessa família exemplar.


FONTE: Diário do Nordeste - 24/07/2018.


 

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