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O tempo em Rejane Costa Barros

Batista de Lima


O tempo tem sido motivo de transgressões literárias em autores diversos. As mais inusitadas criações poéticas têm tentado segurar essa sanha corrosiva que o Cronos impinge na criatura. Muitos escritores apelam para a memória, como forma de, retornando, tentar segurar essa velocidade em busca do mistério. Os poetas utilizam as mais variadas formas de desgastar o tempo. Até o "Carpe diem" horaciano é testemunho de que na vida é preciso se desfrutar de tudo que Dionisius nos oferece para tentar esquecer essa corrida fatal.

Entre os escritores mais preocupados com esse fenômeno, está Rejane Costa Barros. É por isso que esse seu livro de poemas já vem, desde o título, com essa preocupação cronológica. "Águas do tempo" é uma coletânea de poemas marcados por metáforas temporais. É tanto que logo no primeiro poema ela já afirma que "horas acumulam-se em azul carmim". E no "dorso das manhãs" ela dá um "salto perplexo das ilusões tardias" através do movimento das palavras com seus sons de crepúsculo enfeitados com "pétalas do aroma serenado".

Seus poemas, mesmo crivados por motivações de tempo, voltam-se para as sinestesias que emanam da natureza. É importante o desfrute dessa ecologia como forma de se camuflar enquanto possível for, do estigma do efêmero. A cor para esse tempo, nos poemas de Rejane, é a azul, é o infinito captado pelas possibilidades verbais. A palavra pode mediar a ânsia do criador com a imensidão do firmamento como forma de dar sentido à pequenez humana. A consciência dessa pequenez é que leva à conclusão de que "o tempo é carne exposta (...) O tempo é para ser lembrado e vivido / sendo luz ou urtiga, ruína ou vitória / o tempo é cravo brotando em quintais / dando cor ao abandono e fibras à fome / e é nesse tempo que teimamos em morar!" A cor dada ao abandono é matizada de azul, do céu, do mar, aquele azul da cor do céu onde Deus mora e do manto que cobriu Nossa Senhora.

Outro caminho para se chegar à poética de Rejane Costa Barros responde por uma conotação erótica. Há uma sensualidade no seu poema "Entre nós dois", que extrapola o signo verbal e desanda sensorial nos contornos mais íntimos do leitor. "Para meu amado trago as luzes da aurora..." Daí a autora começa a vasculhar sua própria anatomia: "Meus hectares estão incendiados e espero / a chuva para escrever em mim, o teu nome./ O ventre coberto de trigo e hera vai-se abrindo / a cada hora em busca de novo plantio, / ele me palmilha e me despeja seiva em brasa..." E ainda conclui: "É assim que ele gosta de mim, bem temperada / com o ardor de uma boa pimenta, / no silêncio da minha carne."

Além dessa sensibilidade, que também verdeja em outros poemas, há uma metaforização nos seus poemas que brota com as mais variadas temáticas. Há um "banquete serenado da aurora" nas manhãs sorrindo em lépidos galopes. Pousada nas dobras da noite, a solidão só usa "palavras de fogo sussurradas". Já o coração é um "país repleto de façanhas". Essa poesia de variados matizes mostra no seu lirismo, uma mulher feita do barro vermelho do sangue ancestral, retornando a cada palpitação da vida, ao cordão umbilical, enterrado certo dia no meio de uma plantação de mitos. Rejane Costa Barros retorna para poder avançar fortificada.

Um desses retornos de Rejane é à casa da infância. É a reconstrução daquele teto pelo texto. É então que a casa antiga volta a exalar o cheiro da alfazema, com "uma soleira debulhada de esperas". Entretanto é a palavra que molha o barro com suas intrigas. A "casa sem vigas, sem janelas, traz a toda hora, / a lembrança de uma infância perdida / revelando a cada minuto, as suas nódoas". Ao sair da casa ela ainda promete: "um dia volto, para rever teus passos, ouvir tuas sílabas". A impressão que o leitor extrai do canto à casa é que nem todas as lembranças são felizes, mas que o retorno é necessário para o conserto do que não foi bem construído.

Esse conserto em Rejane, começa pela linguagem que ela desconserta. É como se na sua construção fosse necessário desmontar a estrutura anterior. Eros atua não apenas com ardências, mas principalmente na construção linguística para gerar alma no poema. Entre urtigas e gerânios, Rejane oscila, escrevendo para não pecar. Quanto mais longo os poemas, maior o pecado evitado. Essa poesia cheia de graça, concebida com vogais em fúria reconstrói também uma alma desmoronada. Por isso que ela afirma: "Tem uma ave em chamas dentro de mim / que rasga o céu e sopra labaredas".

Rejane Costa Barros em sua poesia, fiel ao título da coletânea, é água como símbolo da sensualidade. Liquidamente sensual, no entanto, não descuida do esvair do tempo. O movimento que flui pode ser também da atuação do Cronos. Ela, no entanto, sabe frear esse desenfrear das horas, utilizando-se de metáforas memoriais. A memória para ela é um freio para levar lentidão ao tempo. Até o significante poemático é um recurso contra a corrida do tempo. É que seus poemas são longos, comparando-se à mania moderna de resumir ao máximo o texto poético. O seu poema mais longo é uma forma de segurar o leitor na sua companhia. Esse recurso é sintoma de uma solidão que acompanha a autora, sua forma de segurar a companhia do leitor e com ele dialogar de forma mais duradoura, sem que lhe falte tempo para o consumo de suas águas.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 01/04/14.


 

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