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O tempo de Mário Faustino

Batista de Lima


Foi pouco o tempo de Mário Faustino, para o que ele fez e para o que poderia ainda fazer. Apenas viveu 32 anos, de 1930 a 1962. Não fora aquele acidente de avião na capital do Peru, poderia ainda hoje estar fazendo suas análises literárias com a lucidez que o caracterizou nos seus tempos do Jornal do Brasil. Mesmo nascido no Piauí, foi no Rio de Janeiro que conseguiu o maior feito, ao criar e dirigir o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. O SDJB marcou a década de 1950, mostrando para o público, o que se fazia de melhor na literatura nacional e internacional. As novas tendências literárias ali conseguiram seu ninho.

Sua estreia no jornalismo se deu em Belém, no Pará. Tinha apenas dezessete anos e Carlos Castelo Branco o levou para o jornalismo. Foi na capital paraense que ele manteve grande amizade com Benedito Nunes, Haroldo Maranhão, Max Martins e Clarice Lispector. Malse iniciou a década de 1950, já estava com bolsa de estudos nos Estados Unidos. No retorno ao Brasil, instalou-se definitivamente no Rio de Janeiro indo estagiar na Fundação Getúlio Vargas e ingressou no Jornal do Brasil em que fez história. Suas resenhas literárias no JB eram marcadas pela imparcialidade, e isso chamou a atenção do público.

Em 1955 publicou seu livro de poemas “O homem e sua hora”. Em 2009, graças à pesquisa de Maria Eugênia Boaventura e posterior organização, surgiu “O homem e sua hora e outros poemas”, pela Companhia das Letras. O livro se inicia com alentada apresentação da organizadora, bem como texto elucidativo de Benedito Nunes. A partir daí é possível se encontrar toda a produção poética desse curioso escritor que oscilou entre jornalismo e literatura. Crítico literário e poeta, Mário Faustino esteve em contato com os mais credenciados poetas de seu tempo e leu os clássicos da literatura internacional.

Seus poemas vão do surrealismo ao concretismo, com incursões na arte de bem sonetar. As influências que o leitor detecta têm raízes na poética de Pound, Yeats e Eliot, passando de raspão por Mallarmé. Da antiguidade clássica aos surgidos pós-modernos, Faustino transita com facilidade, sendo que as intertextualidades poundianas que mais verberam na sua poética. Seu mais longo poema, “A reconstrução”, é a maior prova desse seu viéis intertextual. Por outro lado sua proximidade com os irmãos Campos fê-lo muito mais ligado ao Concretismo dos paulistas do que ao neoconcretismo que os cariocas inventaram.

No seu poema “Noturno”, ele detecta o repouso de um pântano no verão sonhado por abutres, isso tudo debaixo de um luar torto. Em “Romance”, ele morre de amor pela morte. Essas imagens lhe servem de ponte para transitar entre o clássico e o moderno sem perder de vista as contradições do mundo. Mesmo assim, a tensão que estabelece com o social leva-o a concluir que “a vida toda é linguagem”, o homem é, pois, um ser linguístico, montado sobre um monturo de signos novos com suas raízes ancestrais. Munido dessas ferramentas linguísticas, metáforas pesadas vão surgindo nos versos. São: “lábios do inferno”, “remorso da aurora”, “nudez do crime”, “verbos de granizo”, “memória arfante”, “braços cardiais” e “noite ambulante”.

Um “vento lívido” muitas vezes sobra de seus versos num simulacro de premonição. Tão intensa foi sua curta existência que até parece que havia uma missão literária a ser cumprida com rapidez. Não dá para enquadrá-lo como clássico ou moderno, afinal ele atua exuberante em ambas as situações. Também não se pode omitir sua atuação como crítico respeitado pela intelectualidade de seu tempo. Efêmera foi sua existência, mas duradoura a sua criação. Mário Faustino faz muito falta nos dias atuais, pois a produção literária destes tempos não possui uma crítica literária à altura do que está sendo produzido no Brasil.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 02/07/19.


 

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